Evolução dos mosquitos potencializa a malária
Seleção natural provocou mudanças no Anopheles que ajudam a aumentar a quantidade de parasitas causadores da doença infecciosa. A conclusão é de cientistas dos EUA
Bruna Sensêve - Correio Braziliense
Publicação:05/03/2015 13:00Atualização: 05/03/2015 14:22
O mosquito Anopheles, transmissor do protozoário Plasmodium, que causa a malária, pode ser o protagonista de um processo de seleção nesse sentido. A interação entre a fêmea e o macho da espécie resultou em uma dinâmica evolutiva responsável por um dos tipos mais impressionantes de diversidade no planeta ou em uma união indestrutível. Segundo equipe de pesquisadores da Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, a seleção sexual provocada durante o acasalamento do inseto pode ser bastante relevante e perigosa para a saúde humana.
Os cientistas publicaram essas conclusões em um estudo divulgado hoje na revista científica Science. Eles relatam evidências de uma evolução conjunta dos caracteres sexuais masculinos e femininos nos mosquitos que transmitem o vetor responsável pela malária humana.
Entre os fatores, está a evolução de um “tampão de acoplamento”, que permite que os machos não só transfiram para as fêmeas o esperma, como também o hormônio esteroide 20-hidroxiecdisona (20E). Uma vez no trato reprodutivo da fêmea, essa substância desencadeia uma cascata de processos que aumentam a produção de ovos, até diminuem a taxa de acasalamento e torna a fêmea mais vulnerável ao Plasmodium. Isso só acontece em espécies em que esses traços masculinos e femininos coevoluíram.
A pesquisa liderada por Sara Mitchell demonstrou uma interação do hormônio 20E e o estimulador de acoplamento induzido oogênese (Miso), produzido pelas fêmeas. Com ela, há aumento na produção de ovos. No principal vetor da malária, o Anopheles gambiae, proteínas que provocam esse fenômeno são conhecidas por diminuir a imunidade inata feminina, o que aumenta a suscetibilidade dos mosquitos fêmeas à infecção pelo parasita causador da doença.
Segundo Mitchell, esses mosquitos não seriam excepcionais em ter um conjunto de traços coevolutivos que podem facilitar a propagação da malária. Na maioria das espécies, com fertilização interna, durante a ejaculação, os machos transferem muito mais do que esperma. “Esse ‘coquetel’ foi encontrado por reduzir a concorrência de outros machos e induzir a produção de ovos nas fêmeas por vezes a um custo para a sobrevivência e a imunidade do sexo feminino”, detalha Suzanne Alonzo, do Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária do Instituto de Ciências Marinhas da Universidade de Califórnia.
Teia de interesses
Alonzo comenta o trabalho de Mitchell e pondera que o estudo ressalta que as fêmeas não são bobas e inocentes nesse processo. Elas produzem ativamente compostos e estruturas que empurram os machos a fertilizar seus ovos e usar compostos do sexo masculino para aumentar a produção de ovos e reduzir o assédio de outros machos. A especialista explica que as interações entre os sexos envolvem uma complexa teia de interesses partilhados e intenso conflito.
“Em um outro inseto relevante para a saúde humana, o percevejo, os machos perfuram a cavidade corporal da fêmea para transferir o esperma e outros compostos. Ser perfurada acarreta um risco de infecção que diminui a sobrevivência. No entanto, os machos também transferem substâncias que aumentam o número de descendentes que uma fêmea produz”, exemplifica.
Em seu artigo, Mitchell sugere que quaisquer alterações que venham surgir nesses traços masculinos e femininos sexuais podem influenciar a transmissão da malária humana pelos mosquitos. “Para usar essa informação a fim de gerir a malária, precisamos saber muito mais sobre como o trato reprodutivo da fêmea responde à ejaculação do macho”, observa a estudiosa.
A expectativa é de que biomarcadores específicos, como a própria proteína Miso, possam ser utilizados para avaliar as espécies que vão transmitir o parasita responsável pela malária. “Não se sabe por que esse conjunto de traços surgiu em alguns, mas não em todos os mosquitos e se a presença dele pode ser usada para prever se uma espécie vai transmitir a malária humana”, pondera Mitchell.
Mais casos no Rio
De acordo com os dados do Ministério da Saúde, a incidência da malária no Brasil está em queda. A maioria dos casos é registrada na região da Floresta Amazônica. Ainda assim, o Rio de Janeiro vive um aumento da incidência. Nas últimas três semanas, foram 14 casos. Em 2014, foram oito ocorrências confirmadas, mesma média dos anos anteriores. Segundo Alberto Chebabo, infectologista do Laboratório Exame e da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o cenário não deve ser visto com alarde. “Temos apenas dados sobre esse aumento, mas ainda é muito cedo para dizer qualomotivo. O que sabemos é que, nesse período, houve uma estiagem muito grande naquela região (a Serrana) e o calor intenso. Pode haver uma mudança no sistema climático que levou a isso”, explica. A Fiocruz também reforça que não hámotivo de alarme para a população e criou um telefone para orientar profissionais de saúde que precisem de auxílio em casos suspeitos. Chebabo alerta que a principal proteção contra a contaminação pelo parasita ainda é evitar a picada do mosquito. Atualmente, a taxa de sobrevivência é de 95%, sendo que os casos graves representam menos de 20%.
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Segundo Charles Darwin, os organismos mais bem adaptados ao meio têm maiores chances de sobrevivência. Com isso, também deixam um número maior de descendentes, que recebem e repassam as mesmas características. Os mais ajustados são, portanto, selecionados para determinado ambiente. Essa é a teoria evolutiva da seleção natural formulada pelo naturalista inglês. Mal esperava Darwin que os organismos conseguiriam desenvolver estratégias ainda mais complexas e sofisticadas de adaptação para, por exemplo, melhor espalhar a malária, doença que atingiu 177.791 brasileiros em 2013, de acordo com os dados mais recentes do Ministério da Saúde.- Cientistas usam células-tronco para combater malária em estágio inicial
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O mosquito Anopheles, transmissor do protozoário Plasmodium, que causa a malária, pode ser o protagonista de um processo de seleção nesse sentido. A interação entre a fêmea e o macho da espécie resultou em uma dinâmica evolutiva responsável por um dos tipos mais impressionantes de diversidade no planeta ou em uma união indestrutível. Segundo equipe de pesquisadores da Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, a seleção sexual provocada durante o acasalamento do inseto pode ser bastante relevante e perigosa para a saúde humana.
Os cientistas publicaram essas conclusões em um estudo divulgado hoje na revista científica Science. Eles relatam evidências de uma evolução conjunta dos caracteres sexuais masculinos e femininos nos mosquitos que transmitem o vetor responsável pela malária humana.
Entre os fatores, está a evolução de um “tampão de acoplamento”, que permite que os machos não só transfiram para as fêmeas o esperma, como também o hormônio esteroide 20-hidroxiecdisona (20E). Uma vez no trato reprodutivo da fêmea, essa substância desencadeia uma cascata de processos que aumentam a produção de ovos, até diminuem a taxa de acasalamento e torna a fêmea mais vulnerável ao Plasmodium. Isso só acontece em espécies em que esses traços masculinos e femininos coevoluíram.
A pesquisa liderada por Sara Mitchell demonstrou uma interação do hormônio 20E e o estimulador de acoplamento induzido oogênese (Miso), produzido pelas fêmeas. Com ela, há aumento na produção de ovos. No principal vetor da malária, o Anopheles gambiae, proteínas que provocam esse fenômeno são conhecidas por diminuir a imunidade inata feminina, o que aumenta a suscetibilidade dos mosquitos fêmeas à infecção pelo parasita causador da doença.
Segundo Mitchell, esses mosquitos não seriam excepcionais em ter um conjunto de traços coevolutivos que podem facilitar a propagação da malária. Na maioria das espécies, com fertilização interna, durante a ejaculação, os machos transferem muito mais do que esperma. “Esse ‘coquetel’ foi encontrado por reduzir a concorrência de outros machos e induzir a produção de ovos nas fêmeas por vezes a um custo para a sobrevivência e a imunidade do sexo feminino”, detalha Suzanne Alonzo, do Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária do Instituto de Ciências Marinhas da Universidade de Califórnia.
Teia de interesses
Alonzo comenta o trabalho de Mitchell e pondera que o estudo ressalta que as fêmeas não são bobas e inocentes nesse processo. Elas produzem ativamente compostos e estruturas que empurram os machos a fertilizar seus ovos e usar compostos do sexo masculino para aumentar a produção de ovos e reduzir o assédio de outros machos. A especialista explica que as interações entre os sexos envolvem uma complexa teia de interesses partilhados e intenso conflito.
“Em um outro inseto relevante para a saúde humana, o percevejo, os machos perfuram a cavidade corporal da fêmea para transferir o esperma e outros compostos. Ser perfurada acarreta um risco de infecção que diminui a sobrevivência. No entanto, os machos também transferem substâncias que aumentam o número de descendentes que uma fêmea produz”, exemplifica.
Em seu artigo, Mitchell sugere que quaisquer alterações que venham surgir nesses traços masculinos e femininos sexuais podem influenciar a transmissão da malária humana pelos mosquitos. “Para usar essa informação a fim de gerir a malária, precisamos saber muito mais sobre como o trato reprodutivo da fêmea responde à ejaculação do macho”, observa a estudiosa.
A expectativa é de que biomarcadores específicos, como a própria proteína Miso, possam ser utilizados para avaliar as espécies que vão transmitir o parasita responsável pela malária. “Não se sabe por que esse conjunto de traços surgiu em alguns, mas não em todos os mosquitos e se a presença dele pode ser usada para prever se uma espécie vai transmitir a malária humana”, pondera Mitchell.
Mais casos no Rio
De acordo com os dados do Ministério da Saúde, a incidência da malária no Brasil está em queda. A maioria dos casos é registrada na região da Floresta Amazônica. Ainda assim, o Rio de Janeiro vive um aumento da incidência. Nas últimas três semanas, foram 14 casos. Em 2014, foram oito ocorrências confirmadas, mesma média dos anos anteriores. Segundo Alberto Chebabo, infectologista do Laboratório Exame e da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o cenário não deve ser visto com alarde. “Temos apenas dados sobre esse aumento, mas ainda é muito cedo para dizer qualomotivo. O que sabemos é que, nesse período, houve uma estiagem muito grande naquela região (a Serrana) e o calor intenso. Pode haver uma mudança no sistema climático que levou a isso”, explica. A Fiocruz também reforça que não hámotivo de alarme para a população e criou um telefone para orientar profissionais de saúde que precisem de auxílio em casos suspeitos. Chebabo alerta que a principal proteção contra a contaminação pelo parasita ainda é evitar a picada do mosquito. Atualmente, a taxa de sobrevivência é de 95%, sendo que os casos graves representam menos de 20%.