Sem esperar nada em troca: é possível fazer diferença pelo simples prazer de ajudar o próximo

Veja histórias de profissionais e voluntários que se dedicam a uma vida de altruísmo

Diminuir Fonte Aumentar Fonte Imprimir Corrigir Notícia Enviar
Ludymilla Sá Publicação:12/07/2015 09:39Atualização:12/07/2015 09:53
Formado por voluntários da Guarda Municipal de BH, grupo Guardiões do Riso alegra enfermos em hospitais da capital
 (Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
Formado por voluntários da Guarda Municipal de BH, grupo Guardiões do Riso alegra enfermos em hospitais da capital
Em meio a tanta intolerância, que se caracteriza pela irracionalidade dos comportamentos nos últimos anos, ainda há quem se preocupe com o seu semelhante, dedicando-se a uma vida de altruísmo. O termo, criado pelo filósofo francês Auguste Comte, em 1831, caracteriza-se pelo conjunto de disposições humanas, individuais ou coletivas, que predispõe as pessoas a se dedicarem à felicidade do seu semelhante. Seria, segundo Comte, o ato de viver pelo outro, descartando qualquer manifestação de egoísmo.

Pessoas que fazem campanha de doação de alimentos, brinquedos ou agasalhos para os mais necessitados; gente que distribui sopa para moradores de rua; voluntários que levam um pouco de alegria a enfermos nos hospitais; idealizadores de campanhas de doação de medula; profissionais que reservam um minuto do seu tempo à leitura para cegos... Tudo isso sem esperar nada em troca. Elas fazem pelo prazer de ajudar e com muita disposição para tornar o mundo um lugar melhor para se viver.

Segundo os preceitos de Dalai Lama, que recentemente completou 80 anos, uma atitude altruísta tem poder de cura. Em A medicina do altruísmo, um de seus ensinamentos, o líder espitritual do budismo tibetano afirma que muitas doenças podem ser curadas pela medicina do amor e da compaixão, que são a base estrutural da felicidade humana.

Aos preceitos de Dalai Lama soma-se um pouco de alegria, segundo o artista Eliseu Custódio, coordenador geral do Instituto Hahaha, Organização Não Governamental (ONG) sem fins lucrativos. A ONG foi criada há três anos, depois que o projeto Doutores da Alegria suspendeu suas atividades em Belo Horizonte. Surgiu do sonho de levar mais saúde aos ambientes hospitalares por meio do riso. Funciona com a intervenção de palhaços profissionais no tratamento de crianças enfermas.

A equipe de “besteirologistas” do Hahaha é formada por 14 palhaços, que levam alegria a quatro hospitais em Belo Horizonte: Hospital das Clínicas, Santa Casa de Misericórdia, Hospital da Baleia e Hospital João Paulo II. “É um trabalho contínuo, feito duas vezes por semana em cada hospital, durante todo o ano. Só não há nas quartas-feiras, que é dia de treinamento. Costumo dizer que fazemos parte da equipe hospitalar e os profissionais médicos dizem que é um programa que faz toda a diferença”, conta Eliseu, reforçando que, atualmente, as intervenções são o principal trabalho de sua vida como artista.

EMOÇÃO
“O trabalho é lindo, conduz e tem sentido. Quando entrei para a seleção, achei que fosse um trabalho menor, mas me chamou a atenção a formação contínua. Não há roteiro. Você sai sem saber o que vai acontecer e isso o instiga como artista, profissional e como ser humano. É uma emoção que expande, porque é sincera. Ali, as pessoas estão desarmadas, frágeis, todas na mesma situação. É também um dos raros momentos em que a criança doente vai dizer não e será obedecida. Não há dinheiro que pague.”

Marcelo Carlos de Jesus, criador do grupo Guardiões do Riso, concorda: “É muito gratificante ver um sorriso de uma criança naquela situação. Ela não tem motivo para sorrir, em um ambiente que chega a ser sombrio! Conseguimos até tornar esse ambiente propício para a melhora dela. A sinceridade da criança nos diz tudo. Não tem preço ou explicação plausível para isso”.

O grupo Guardiões do Riso é formado somente por voluntários. Nasceu da vontade de Marcelo, que é guarda municipal de primeira classe, ajudar crianças doentes. Agora, faz parte da Coordenadoria de Projetos Especiais da Guarda Municipal de Belo Horizonte. Hoje, 60 voluntários e oito agentes estão envolvidos no trabalho, que, segundo o subinspetor Mário Sérgio Martins Pereira, faz os dias das crianças e dos envolvidos mais felizes.

Maria Luzia de Melo Porto ensina língua portuguesa para Luzia de Fátima duas vezes por semana (Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Maria Luzia de Melo Porto ensina língua portuguesa para Luzia de Fátima duas vezes por semana


Com os olhos do outro
Voluntários do setor de Braille da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa ajudam pessoas cegas a estudar e até a se preparar para concursos

Soraia Vasconcelos é escritora e jornalista. Depois de dedicar boa parte de sua vida à segunda profissão, resolveu cursar museologia, outra de suas paixões, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Apesar da vida relativamente agitada, ela reserva um tempo, duas vezes por semana, para ajudar ao próximo. A profissional é uma das voluntárias que passam as tardes de terças e quintas-feiras no setor Braille da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa, na Praça da Liberdade, lendo para cegos.

O trabalho voluntário foi retomado por Soraia depois de dois anos de ausência. “Já participei há algum tempo, mas tive de parar, em razão de outras necessidades. Senti falta, confesso. Agora, com uma reserva na agenda, resolvi voltar”, conta a ledora, que, atualmente, aproveita a experiência que tem para ensinar interpretação de texto para a auxiliar administrativa Cláudia Regina Fernandes.

Segundo a jornalista, não se trata de um trabalho simplesmente, altruísta. “Gosto de ler e acredito na importância da leitura na vida de qualquer cidadão. Se posso ajudar a ter acesso ao universo da leitura, por que não? Não é apenas uma questão de altruísmo. Existe uma troca. Uma vez, a Cláudia me disse uma coisa que guardei pra mim: 'o maior concorrente da gente é a gente mesmo, a nossa preguiça, o nosso desânimo'. Ela foi um estímulo para mim, para eu abastecer as minhas forças,” conta.

Cláudia Regina Fernandes tornou-se amiga da voluntária Soraia Vasconcelos durante as aulas de interpretação de texto (Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Cláudia Regina Fernandes tornou-se amiga da voluntária Soraia Vasconcelos durante as aulas de interpretação de texto


De qualquer forma, Cláudia, que perdeu a visão por causa de um glaucoma congênito, exalta a ajuda recebida de Soraia. Ela prepara-se para fazer mais um concurso público – mora em Arcos, no Sul de Minas, e é funcionária pública da prefeitura daquela cidade – e conta que faz uso do braille, de livros falados e programas de leitores de tela e outros recursos da informática nos estudos. Mas nada se compara à ajuda humana, segundo a cega. “A tecnologia tem evoluído bastante e nos ajudado na mesma proporção, mas nada supre a ajuda de outra pessoa. Com o voluntário, a gente aprende além da leitura. O ambiente da biblioteca já é bom e, se o voluntário quer estar aqui, tudo flui melhor. Essa energia é inexplicável. Não é nada imposto, eles querem estar aqui. Não há tecnologia que vá suprir isso. Eles não sabem o tamanho da importância do trabalho deles na nossa vida.”

DEDICAÇÃO
Luzia de Fátima concorda. Também vítima de glaucoma congênito, ela utiliza todos os recuros disponibilizados para o cego nos estudos, mas prefere contar com a ajuda dos ledores da Biblioteca Pública. “Prefiro contar com a pessoa, o ledor, porque construímos uma relação. A gente acaba ficando amigo.”

Ela está se preparando para fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Seu objetivo é completar o antigo segundo grau. Para isso, conta com o auxílio voluntário de duas professoras aposentadas: Maria Luzia de Melo Porto e Rosália Cosenza. A primeira trabalhou a vida inteira com educação infantil e alfabetização de jovens e adultos. Com Maria Luzia, a cega aprende português. “A gente é quem ganha com isso. Fiquei sabendo por meio de uma colega e fiz a minha inscrição há dois anos.”

Rosália Cosenza era professora universitária e dá aulas de biologia para Luzia duas vezes por semana. Ser voluntária, para ela, é uma forma de ocupar o tempo que tem com a aposentadoria fazendo o que gosta e ajudando a quem, de fato, necessita. “Sou só ledora. Ensino biologia para ela. É gratificante, muito bom. Ela é muito inteligente e disciplinada, não falta um dia. É uma dedicação admirável!”

A jornalista Flávia Freitas criou uma forma didática para ensinar crianças sobre a leucemia e seus riscos (Jair Amaral/EM/D.A Press)
A jornalista Flávia Freitas criou uma forma didática para ensinar crianças sobre a leucemia e seus riscos


Esperança em poucos mililitros

Campanha 'Quinta do Bem' espalha pelas redes sociais onda de conscientização para a importância de ser um doador de medula e já conta com centenas de pessoas cadastradas

A jornalista Flávia Freitas acompanhava a prima Ana Paula, que estava internada no Hospital, quando resolveu criar uma campanha de doação de medula, em 2011. Ela já havia perdido o irmão, Anderson, vítima de leucemia, e Ana Paula, com a mesma doença, corria o mesmo risco, por não ter encontrado na família um doador compatível. A notícia, que caíra como uma bomba, foi dada numa quinta-feira, recorda Flávia. Daí, nasceu a Quinta do Bem.

A campanha havia sido criada, inicialmente, em Betim, com o objetivo de achar um doador para salvar a vida da Ana Paula. Depois, ganhou proporções maiores, bem mais do que a jornalista esperava. “Surgiu no dia em que estava de acompanhante da minha prima e ela soube que não tinha doador compatível na família. O objetivo era mobilizar e incentivar a doação de medula óssea, aumentando as chances de salvar vidas.”

Flávia escolheu, então, uma forma bem didática para divulgar a campanha. Todas as quintas-feiras, as mulheres deveriam usar lenços na cabeça e os homens, uma fita vermelha no braço. E deveriam postar fotos nas redes sociais com os adereços. “O lenço na cabeça foi escolhido por ser muito simbólico para as mulheres que fazem tratamento contra o câncer. A fita vermelha, para contemplar os homens, uma forma de eles também participarem. Também podem enviar para a página da campanha no Facebook, que é Comunique Bem Flávia Freitas.”A jornalista conta que a campanha extrapolou as redes sociais. “Já realizamos duas campanhas físicas em parceria com a Hemominas Betim. Em 2011, foram cadastradas 400 pessoas e, em 2013, 150 pessoas. Familiares e amigos participam da campanha de forma voluntária. Por meio das redes sociais, na minha página, onde a Quinta do Bem é divulgada, já não consigo mais mensurar quantas pessoas fizeram o cadastro por meio da campanha. Já são centenas.”

PALESTRAS
Com o crescimento da campanha, Flávia começou a dar palestras de forma voluntária, em escolas, universidades, empresas e instituições para o público adulto. Em maio, depois de receber convite de uma amiga, também voluntária, na Casa de Acolhida Padre Eustáquio, para falar da Quinta do Bem para crianças e adolescentes, transformou a história em revista em quadrinhos. “Em quatro páginas, a revistinha é a primeira publicação de Minas Gerais que transforma a história real de luta contra a leucemia em quadrinhos, narrando meus dois casos familiares, do meu irmão e da minha prima, que, infelizmente, faleceram por causa da doença. Era uma forma mais didática de trabalhar o tema com as crianças.”

A iniciativa pretende também, segundo Flávia, sensibilizar e informar as crianças e os jovens sobre o cadastro de doadores feitos nos hemocentros. “Isso contribui para que o público infantojuvenil seja multiplicador da campanha. O projeto foi realizado com recuros próprios. Agora, está aberto a parcerias para impressão de mais exemplares, com a finalidade de serem doados para bibliotecas, escolas, instituições de tratamento contra o câncer e outras. É maravilhoso ver o engajamento das pessoas na campanha, tornando-se doadores e multiplicando a importância da doação de medula óssea. As redes sociais possibilitam que pessoas de várias partes do Brasil e do exterior se tornem agentes ativos da campanha. É possível perceber como as redes, quando utilizadas de forma positiva, são poderosas para incentivar a mobilização social, a participação, a solidariedade e a cidadania.”

Com cerca de 100 voluntários, o grupo Força do Bem atua com crianças em hospitais, escolas e comunidades carentes (Força do Bem/Divulgação)
Com cerca de 100 voluntários, o grupo Força do Bem atua com crianças em hospitais, escolas e comunidades carentes


Disposição para fazer o bem
Da vontade de fazer o melhor para o próximo, nasceu, há sete anos anos, um grupo de pessoas chamado Força do Bem. A iniciativa foi da esteticista Cristina Pedras. Ela conta que sempre desejou se dedicar a um trabalho voluntário. Sempre que podia, arrecadava agasalhos e doava para creches, mas nunca de forma sistematizada. Até que, com a ajuda de uma de suas clientes, conseguiu marcar uma visita ao Hospital da Baleia para 12 de outubro de 2008.

Era Dia das Crianças, lembra, e Cristina precisava arrecadar muitos brinquedos. “Pedi a minhas amigas que arranjassem 10 brinquedos cada uma. A logística era essa. Conseguimos arrecadar muito. E foi assim que tudo começou. Sempre ajudei, enviando roupas e agasalhos, mas queria o olho-no-olho com as crianças. Não sei explicar. Era como se me transbordasse de amor, de vontade de fazer um carinho. Fui e descobri que haviam crianças sem brilho no olhar e que podíamos fazê-las voltar a sorrir.”

ENERGIA
Hoje, o grupo está mais forte e se revitaliza a cada dia, segundo a coordenadora Camila Vasques Freitas. A Força do Bem conta com cerca de 100 voluntários e desenvolve cinco campanhas anualmente. A primeira é de doação de material escolar, no início de cada ano. Depois, na época da Páscoa, a Força do Bem faz campanha para doação ovos de Páscoa. No inverno, o grupo investe na campanha do agasalho e no Dia das Crianças, de higiene bucal e livros infantis, além de brinquedos, que também são recolhidos no Natal.

As doações são levadas pelo grupo para as crianças internadas nos hospitais da Baleia e São Francisco, para a Escola Soldadinhos de Cristo, de Sabará, e para a Comunidade Sopa Fraterna, de Esmeraldas. “A gente vai para ajudar, mas é o inverso. A gente acorda cansada, num domingo, por exemplo, e vai, mesmo sem disposição, mas retorna das visitas outra pessoa. Chega lá, um sorriso de uma criança ou um um abraço é uma esperança, uma energia nova. A gente volta muito melhor do que foi”, conta Camila.

Alimento  para o corpo  e para a alma
Desde criança, o bancário Tarcício Carneiro Lopes Júnior desejava fazer algum trabalho voluntário, mas não sabia qual. Há oito anos, recebeu um convite de um amigo para distribuir comida para moradores de rua e nunca mais parou. Desde 2007, ele se reúne com o grupo, que faz parte de uma fraternidade espírita da capital mineira, para preparar e distribuir, no terceiro domingo de cada mês, marmitex para essa população.

“O grupo já faz esse trabalho há 10 anos e só fui conhecê-lo em 2007. Sempre tive vontade de fazer um trabalho voluntário e, quando recebi o convite, aceitei de pronto. Tomei gosto pela coisa, porque a impressão que tenho é que a gente é que está sendo beneficiado. É muito gratificante, ao mesmo tempo em que é triste”, conta.

A turma gasta, em média, R$ 350 para preparar 130 marmitex. O dinheiro para comprar arroz, feijão, legumes, verduras e banana, carne, achocolatado e leite é rateado entre eles. O trajeto é variado, do Bairro Barro Preto à Área Hospitalar. “A gente passa de carro e pergunta se eles querem jantar. Às vezes, nem comida eles querem. Tem gente que quer somente uma oração. É um soco no estômago!”

Hoje, a família de Tarcísio está toda envolvida no trabalho. Até o filho, Miguel, de 3 anos, acompanha o pai no dia da distribuição dos marmitex. “Usávamos o espaço de uma empresa com toda uma estrutura, mas ela foi vendida. Então, minha mãe cedeu uma área na casa dela. Compramos um fogão industrial e, de um tempo pra cá, nos reunimos lá. Acabei envolvendo minha mãe, meu pai e minha esposa, Luciana, no trabalho”, conta o voluntário, lembrando que o amigo de infância, Glauco, também despertou para a importância desse trabalho.

COMENTÁRIOS

Os comentários são de responsabilidade exclusiva dos autores.