Música clássica pode ser usada para evitar crises convulsivas
Cientistas dos EUA descobrem que as áreas cerebrais comprometidas pela epilepsia são ativadas pelo som de compositores eruditos
Vilhena Soares - Correio Braziliense
Publicação:12/08/2015 07:40Atualização: 12/08/2015 07:42
A ideia do experimento surgiu com base em mecanismos semelhantes da doença e do processamento cerebral da música. “Aproximadamente, 80% dos epiléticos têm a do lobo temporal, e a música é percebida nessa mesma região. Queríamos ver se e como as pessoas com esse tipo da doença sincronizam sua atividade neural com a música”, explica ao Correio Christine Charyton, professora-assistente de neurologia no Ohio State University Wexner Medical Center, nos Estados Unidos, e uma das autoras do trabalho.
A equipe utilizou um eletroencefalograma, aparelho capaz de visualizar minuciosamente o cérebro, para observar a reação de 21 pacientes com epilepsia e pessoas saudáveis enquanto ouviam músicas clássicas. As sinfonias foram tocadas com intervalos de 10 minutos de silêncio para que fosse possível comparar as duas situações e as reações dos participantes.
Como resultado, observou-se que o nível das ondas cerebrais de todo o grupo aumentava quando eles ouviam as músicas. E o mais interessante: a atividade neural dos epiléticos era maior ainda no momento das sinfonias. “Ficamos surpresos.Trabalhamos com a hipótese de que a música seria processada no cérebro de forma diferente do que o silêncio. Nós não sabíamos se isso seria o mesmo ou diferente para os epiléticos”, conta Charyton.
Para a autora, a constatação ajuda a entender melhor como funciona a epilepsia, um conhecimento a ser utilizado em tratamentos futuros para evitar ataques provocados pela doença. “Pessoas com a doença sincronizam mais as canções no lóbulo temporal. Isso pode ser útil, uma vez que o cérebro pode sincronizar com a música e não provocar uma convulsão. Nossos pacientes não têm convulsões quando escutam a música”, detalha a autora.
Mais estudos
Apesar de o estudo norte-americano ter trazido esperanças para o aperfeiçoamento de técnicas de tratamento da epilepsia com base em novas informações sobre a atividade neural dos pacientes, os autores destacam que muito ainda precisa ser estudado para que os dados possam ser usados. “Acredito que entender melhor como o cérebro reage à música fará com que, futuramente, possamos pensar nela como uma possibilidade de intervenção, não sozinha, mas incorporada a técnicas já utilizadas”, adianta Charyton.
Christian Muller, especialista em neurologia infantil e médico do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, acredita que o trabalho é interessante, mas ainda precisa responder a mais perguntas. “O que eles mostram é uma alteração na onda cerebral que leva à convulsão, porém não tem como prever como serão essas alterações. Precisamos de mais pesquisas para saber como isso pode ser usado em tratamentos, de que modo traria resultados para evitar as convulsões”, destaca.
Muller também frisa que estudar a música e o efeito dela no organismo pode render muitos frutos, principalmente para resolver problemas relacionados ao cérebro. “Fica difícil definir essa pesquisa como boa ou ruim, mas o estudo é interessante principalmente por abordar esse tema que tem sido bem explorado na área médica, a musicoterapia. Trata-se de um recurso rico, utilizado também em tratamentos para dor” exemplifica.
Efeito contrário
Adelia Henriques Souza, coordenadora do Departamento Científico de Epilepsia da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), destaca que a pesquisa precisa considerar a música também como um fator desencadeante das convulsões. “Não tem como dizermos que esse estímulo melhore as crises, já que muitas delas são causadas pelas próprias canções. É difícil estabelecer uma melhora justamente pela quantidade variada de causa das convulsões, provocadas até pelo ato de comer”, justifica.
Souza frisa ainda que existem muitos tipos de epilepsia além da tratada pelos cientistas — eles analisaram a causada por problemas no lobo temporal e que acomete principalmente os adultos. “As crianças mesmo não apresentam esse subtipo. Temos também a do lobo frontal, a do lobo parental, os locais variam bastante”, diz.
Testes com maconha
Um estudo realizado por pesquisadores do Programa Global de Epilepsia em Denver Health, nos Estados Unidos, mostrou que a maconha pode auxiliar no tratamento da epilepsia. Os cientistas acompanharam uma mãe que medicou a filha com canabidiol. A menina sofria de síndrome de Dravet, uma epilepsia severa da infância. A substância reduziu o número de convulsões de 50 para duas ou três por mês e foi utilizado combinada com medicamentos antiepilépticos. Um trabalho da mesma equipe mostrou que o THC — principal composto psicoativo da erva — apresentou melhoras em convulsões em animais.
Outra opção testada também por pesquisadores norte-americanos baseou-se no uso da estimulação cerebral profunda (ECP). Um dispositivo implantado cirurgicamente nos pacientes emite impulsos elétricos no núcleo anterior do tálamo (NAT), área cerebral ligada à propagação das convulsões. Os testes mostraram resultados positivos, reduzindo a quantidade de crises em pacientes resistentes a medicamentos antiepilépticos.
A ingestão de medicamentos é um dos principais tratamentos da doença. Eles ajudam a diminuir a atividade anormal das células nervosas, reduzindo a quantidade de crises. Outra alternativa é a cirurgia para a remoção do foco epiléptico, local em que as convulsões são desencadeadas.
Indicações diversas
A música foi utilizada para tratamentos médicos há muito tempo. Um famoso filósofo muçulmano chamado Avicena, que viveu entre 980 e 1037, prescrevia aos seus pacientes canções, em vez de opiáceos, para aliviar a dor. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu há 15 anos a musicoterapia como uma atividade importante em centros de saúde, com indicação para aplicação em diversas especialidades.
Um estudo conduzido por cientistas da American Music Therapy Association, nos Estados Unidos, mostrou que, dependendo do ritmo, a respiração, a pressão sanguínea e os batimentos cardíacos podem se tornar mais lentos ou rápidos, o que ajuda a relaxar ou agitar os humanos. Como mexe com o sistema límbico, centro responsável pelas emoções, a música pode contribuir para a socialização e o aumento da endorfina. Por isso, é indicada para o combate de problemas como estresse e ansiedade.
Saiba mais...
Pérolas de Mozart ou de Bach para amenizar a epilepsia. É o que sugere um estudo apresentado na 123ª Convenção Anual da Associação Psicológica Americana, no Canadá. Os pesquisadores mostraram que o cérebro de pessoas com a enfermidade neural fica mais ativo ao “ouvir” música clássica do que o de não epiléticos. O efeito protetivo ainda não foi totalmente destrinchado, mas os cientistas acreditam que a descoberta pode ajudar a evitar principalmente as crises convulsivas.- Jovem que sofre de epilepsia vai receber da União medicamento à base de canabidiol
- Pacientes com epilepsia ainda são vítimas de preconceito
- Epilepsia pode se manifestar em qualquer idade; na maioria dos casos existe controle com medicação
- Substância canabidiol é liberada para uso médico em bebês e crianças com epilepsia refratária
- Músicas tristes não geram apenas sentimentos negativos
- Estudo mostra que ouvir heavy metal combate depressão; preparamos uma lista para te inspirar
A ideia do experimento surgiu com base em mecanismos semelhantes da doença e do processamento cerebral da música. “Aproximadamente, 80% dos epiléticos têm a do lobo temporal, e a música é percebida nessa mesma região. Queríamos ver se e como as pessoas com esse tipo da doença sincronizam sua atividade neural com a música”, explica ao Correio Christine Charyton, professora-assistente de neurologia no Ohio State University Wexner Medical Center, nos Estados Unidos, e uma das autoras do trabalho.
A equipe utilizou um eletroencefalograma, aparelho capaz de visualizar minuciosamente o cérebro, para observar a reação de 21 pacientes com epilepsia e pessoas saudáveis enquanto ouviam músicas clássicas. As sinfonias foram tocadas com intervalos de 10 minutos de silêncio para que fosse possível comparar as duas situações e as reações dos participantes.
Como resultado, observou-se que o nível das ondas cerebrais de todo o grupo aumentava quando eles ouviam as músicas. E o mais interessante: a atividade neural dos epiléticos era maior ainda no momento das sinfonias. “Ficamos surpresos.Trabalhamos com a hipótese de que a música seria processada no cérebro de forma diferente do que o silêncio. Nós não sabíamos se isso seria o mesmo ou diferente para os epiléticos”, conta Charyton.
Para a autora, a constatação ajuda a entender melhor como funciona a epilepsia, um conhecimento a ser utilizado em tratamentos futuros para evitar ataques provocados pela doença. “Pessoas com a doença sincronizam mais as canções no lóbulo temporal. Isso pode ser útil, uma vez que o cérebro pode sincronizar com a música e não provocar uma convulsão. Nossos pacientes não têm convulsões quando escutam a música”, detalha a autora.
Mais estudos
Apesar de o estudo norte-americano ter trazido esperanças para o aperfeiçoamento de técnicas de tratamento da epilepsia com base em novas informações sobre a atividade neural dos pacientes, os autores destacam que muito ainda precisa ser estudado para que os dados possam ser usados. “Acredito que entender melhor como o cérebro reage à música fará com que, futuramente, possamos pensar nela como uma possibilidade de intervenção, não sozinha, mas incorporada a técnicas já utilizadas”, adianta Charyton.
Christian Muller, especialista em neurologia infantil e médico do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, acredita que o trabalho é interessante, mas ainda precisa responder a mais perguntas. “O que eles mostram é uma alteração na onda cerebral que leva à convulsão, porém não tem como prever como serão essas alterações. Precisamos de mais pesquisas para saber como isso pode ser usado em tratamentos, de que modo traria resultados para evitar as convulsões”, destaca.
Muller também frisa que estudar a música e o efeito dela no organismo pode render muitos frutos, principalmente para resolver problemas relacionados ao cérebro. “Fica difícil definir essa pesquisa como boa ou ruim, mas o estudo é interessante principalmente por abordar esse tema que tem sido bem explorado na área médica, a musicoterapia. Trata-se de um recurso rico, utilizado também em tratamentos para dor” exemplifica.
Efeito contrário
Adelia Henriques Souza, coordenadora do Departamento Científico de Epilepsia da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), destaca que a pesquisa precisa considerar a música também como um fator desencadeante das convulsões. “Não tem como dizermos que esse estímulo melhore as crises, já que muitas delas são causadas pelas próprias canções. É difícil estabelecer uma melhora justamente pela quantidade variada de causa das convulsões, provocadas até pelo ato de comer”, justifica.
Souza frisa ainda que existem muitos tipos de epilepsia além da tratada pelos cientistas — eles analisaram a causada por problemas no lobo temporal e que acomete principalmente os adultos. “As crianças mesmo não apresentam esse subtipo. Temos também a do lobo frontal, a do lobo parental, os locais variam bastante”, diz.
Testes com maconha
Um estudo realizado por pesquisadores do Programa Global de Epilepsia em Denver Health, nos Estados Unidos, mostrou que a maconha pode auxiliar no tratamento da epilepsia. Os cientistas acompanharam uma mãe que medicou a filha com canabidiol. A menina sofria de síndrome de Dravet, uma epilepsia severa da infância. A substância reduziu o número de convulsões de 50 para duas ou três por mês e foi utilizado combinada com medicamentos antiepilépticos. Um trabalho da mesma equipe mostrou que o THC — principal composto psicoativo da erva — apresentou melhoras em convulsões em animais.
Outra opção testada também por pesquisadores norte-americanos baseou-se no uso da estimulação cerebral profunda (ECP). Um dispositivo implantado cirurgicamente nos pacientes emite impulsos elétricos no núcleo anterior do tálamo (NAT), área cerebral ligada à propagação das convulsões. Os testes mostraram resultados positivos, reduzindo a quantidade de crises em pacientes resistentes a medicamentos antiepilépticos.
A ingestão de medicamentos é um dos principais tratamentos da doença. Eles ajudam a diminuir a atividade anormal das células nervosas, reduzindo a quantidade de crises. Outra alternativa é a cirurgia para a remoção do foco epiléptico, local em que as convulsões são desencadeadas.
Indicações diversas
A música foi utilizada para tratamentos médicos há muito tempo. Um famoso filósofo muçulmano chamado Avicena, que viveu entre 980 e 1037, prescrevia aos seus pacientes canções, em vez de opiáceos, para aliviar a dor. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu há 15 anos a musicoterapia como uma atividade importante em centros de saúde, com indicação para aplicação em diversas especialidades.
Um estudo conduzido por cientistas da American Music Therapy Association, nos Estados Unidos, mostrou que, dependendo do ritmo, a respiração, a pressão sanguínea e os batimentos cardíacos podem se tornar mais lentos ou rápidos, o que ajuda a relaxar ou agitar os humanos. Como mexe com o sistema límbico, centro responsável pelas emoções, a música pode contribuir para a socialização e o aumento da endorfina. Por isso, é indicada para o combate de problemas como estresse e ansiedade.