"Eu queria ver mais ossos": empresária relata luta contra bulimia em rede social
Mirian Bottan, 28 anos, tem mais de 7 mil seguidores no Instagram,é dona de uma marcas de roupas e já ilustrou capas de revista
Revista do CB - Correio Braziliense
Publicação:02/09/2015 15:00Atualização: 02/09/2015 10:35
Deixando de lado tabus, ela contou em uma rede social que nem a mão machucada ou a dor a fizeram parar de forçar os vômitos. O pedido desesperado por ajuda veio com o início de um quadro de alcoolismo. Hoje, com convicção de estar no caminho certo, a jovem fala, ainda, sobre a necessidade do autocompaixão e da aceitação durante o processo de cura.
Em entrevista , Mirian detalhou o drama que enfrentou e a tão sonhada recuperação. A jovem enfatizou o peso das cobranças dos pais enquanto criança, a importância da educação alimentar na escola e a preocupação em impedir que outras pessoas passem pelo mesmo sofrimento devido ao transtorno alimentar.
O senso comum a respeito da bulimia é a imagem de alguém excessivamente magro e debilitado. Você se sentia normal ou acreditava estar doente e precisar de ajuda?
Como as pessoas não têm muitas informações e conhecimento sobre a bulimia, elas confundem com a anorexia, quando, na verdade, a bulimia é a compulsão alimentar, que muita gente conhece de perto, associada ao medo de engordar. Há sinais que só quem vomita conhece bem: o rosto inchado pelas glândulas de salivas inflamadas; a gastrite; o esôfago machucado que dói; o cansaço crônico; as olheiras; a queda de cabelo e as mãos machucadas pelos dentes. As marcas no corpo não nos deixam somente com vergonha, elas nos lembram o tempo todo que, se a gente der de cara com um bolo na festinha do escritório, vai ter que lidar com mais um momento de prazer e terror. Eu me sentia doente, fraca e decepcionada comigo o tempo todo.
O texto que você escreveu destaca a ansiedade, basicamente, como a razão do início da bulimia. Acredita que outros motivos ajudaram no desenvolvimento da doença?
Sempre tem outros aspectos externos. O mais óbvio e comum é a pressão da sociedade por um padrão físico muito difícil de atingir. No meu caso, como eu era uma criança considerada esperta e bonitinha, sempre rolou aquela aposta de que “a Mirian vai dar certo”. E para mim, em um certo momento, isso significou que eu não poderia jamais estar fora dos padrões aceitos. Eu tinha que dar certo! O medo de deixar de ser “boa” gera insegurança e, consequentemente, a pessoa passa a se colocar em situações extremas, como vomitar a comida ou deixar de comer para ser magra.
Quanto tempo demorou até você entender que estava desenvolvendo um transtorno alimentar?
Eu sempre soube. Até porque comecei a vomitar depois de ler uma reportagem em que um menino quase morreu por vomitar comida. Eu sabia o que estava fazendo, mas não me importava. A ideia de comer de tudo e “não engordar” era mais atraente. Pena que eu não tinha consciência sobre as consequências.
Como foi quando os seus pais descobriram?
Eu mesma admiti porque, no fundo, queria ajuda e atenção. Quando tinha 15 anos, minha mãe percebeu que eu vomitava e me perguntou se eu estava tomando bebida alcoólica, e eu falei: “Não, eu vomito comida”. Ela ficou um pouco desnorteada. Afinal, ela era orientadora de um grupo de emagrecimento. A partir daí, começamos a buscar tratamento, mas eu sabia que não ia parar. Eu não queria parar!
Você, de fato, se sentia gorda? Pensava em fazer plástica, por exemplo?
Eu sempre me sentia gorda. Não importava se a balança apontasse 42kg, eu queria ver mais ossos. Nunca cogitei plástica porque era muito nova, mas vomitava, tomava laxante e diurético todos os dias. Cheguei a ficar em observação no hospital por tomar uma cartela inteira de diuréticos. Eu corria na esteira, na frente do espelho, até não aguentar mais e, depois dessas sessões de exercício extremo, eu levantava e ia até o espelho para olhar os ossos, mas nunca parecia estar bom o bastante. Aí eu chorava. Até hoje, tenho dificuldade em me olhar no espelho. É como se eu não conseguisse me reconhecer. Eu só tenho mais noção da minha imagem quando me vejo ao lado de outras pessoas.
Qual era o seu sentimento em relação à comida? E hoje? O que mudou?
O sentimento era de amor e ódio. Eu amava a comida quando podia estar sozinha com ela e ingerir absolutamente tudo o que eu quisesse até não aguentar mais e depois vomitar. Mas, a partir do momento que eu estivesse perto de outras pessoas, em uma situação social, em que não podia vomitar, eu sentia muito ódio da comida, de mim, das pessoas, da situação, e lutava contra aquele sentimento até o evento chegar quase ao fim. Nesse momento, quando eu sabia que faltava pouco pra ir embora, eu começava a comer tudo que podia. Chegava em casa e vomitava. Mas, nessa época, a comida pra mim era só prazer. Para me salvar, eu precisei aprender a enxergá-la como o que ela é de fato: o combustível do meu corpo. Hoje, consumo apenas alimentos de alto valor nutritivo, que controlem o nível de açúcar no meu sangue, o que ajuda a conter a compulsão.
Quando vem o clique da mudança? O que te levou a buscar ajuda?
Esse clique, na verdade, foi um processo. Eu já estava muito cansada da situação e, em 2013, passei um tempo trabalhando em casa e isso fez com que eu tivesse muitas crises. Eu vomitava duas ou três vezes por dia. Vivia cansada, não conseguia trabalhar nem sair de casa. E foi aí que eu fiz uma conta que me assustou: percebi que, em quase 14 anos, eu nunca tinha passado 20 dias sem vomitar. Além disso, passei a desenvolver um quadro de alcoolismo, para driblar a minha insegurança e conseguir interagir com as pessoas. Mas um dia, após beber uma garrafa de vinho sozinha e acordar sem me lembrar de nada, resolvi procurar ajuda de um analista, que me fez entender a raiz do problema.
Você citou que frequentou psicólogos. Esse acompanhamento te ajudou?
Eu frequentei psicólogos desde o início, aos 14 anos. Mas, sinceramente, o nosso mercado tem muitos profissionais horríveis. Eu me consultei com uma psicóloga que dizia que eu podia dormir durante as sessões, se quisesse. O interesse dela era receber os honorários e só. Passei por médicos em departamentos de transtornos alimentares de faculdades públicas que ameaçaram me internar se “os níveis de ferro nos meus exames não subissem até a próxima semana”. Ninguém nunca me explicou direito o que acontecia com o meu corpo quando eu vomitava e o que podia fazer para controlar a compulsão. Também passei por péssimos nutricionistas. Os profissionais não entendem que a dor é muito mais complexa. Eles não se conectam com o paciente. Aos 16 anos, eu tive uma psicóloga que conseguiu me ajudar porque me entendia, mas, nessa época, eu ainda era muito imatura e o comportamento da minha família, no geral, não me ajudava muito. Tive que crescer e ficar independente para conseguir mudar meus hábitos alimentares.
Por que você resolveu compartilhar a sua experiência?
Quando essa mudança no meu estilo de vida começou a acontecer, eu vi meu corpo e a minha disposição mudarem. Com isso, a compulsão alimentar diminuiu drasticamente e, de repente, tudo pareceu incrivelmente mais fácil. A ideia que eu tinha de que era impossível deixar a bulimia para trás pareceu até ridícula e passei a viver essa possibilidade. Só consegui isso por meio de algumas informações básicas que eu nunca tinha visto por aí, nem na escola nem em tratamentos e tampouco na mídia. Achei injusto pensar na quantidade de pessoas que sofrem com isso, achando que vivem sozinhas e que não vão nunca conseguir mudar a situação. Eu me lembrei de um blog que abordava o tema e me ajudou muito em 2013 e pensei: eu tenho que falar! Queria mostrar que havia uma saída que eu tinha descoberto, a duras penas, depois de achar que jamais conseguiria.
Você foi muito sincera no seu texto e revelou vários detalhes do drama que enfrentou. Como foi a reação das pessoas?
Eu até esperava que fosse rolar alguma comoção, porque a intenção com a sinceridade era justamente tocar. Sabia que se não fosse sincera nos detalhes não atingiria as pessoas que estavam vivendo a situação. Mas a resposta foi muito mais maravilhosa do que eu imaginei. Recebi tantas mensagens de apoio, de força, de carinho, que isso me incentivou ainda mais a continuar e até a começar a desenhar um projeto maior sobre isso.
E se eu tiver um amigo que passa pelo mesmo problema, o que posso fazer para ajudar?
Essa é a pergunta mais difícil. Acho que depende muito da intimidade. Tocar nesse assunto é algo que só pode ser feito se houver confiança e carinho entre as duas partes. Mas a empatia pode fazer mágica. Se você realmente se importa com essa pessoa e quer ajudá-la, sente-se com ela e pergunte como ela está. Estenda, de verdade, a mão, porque isso vai muito além da comida, é o reflexo de uma dor muito grande que está lá dentro e que, com certeza, dói bem mais do que você consegue perceber.
Jovem resolveu contar aos seguidores que lutava contra a doença e diz que recebeu muito apoio
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Mirian Bottan, 28 anos, reúne em uma de suas redes sociais mais de 7 mil seguidores. É inspiração para muitas meninas. Proprietária de uma marca de roupas, a jovem já foi apresentadora de tevê e ilustrou capas de revistas. Mirian se enquadra perfeitamente nos padrões de beleza impostos pela sociedade, mas quem a vê por fora, não imagina a vilã que, durante aproximadamente 14 anos, assombrou a vida dela. Aos 15 anos, a empresária desenvolveu bulimia e, desde então, luta contra a doença.Deixando de lado tabus, ela contou em uma rede social que nem a mão machucada ou a dor a fizeram parar de forçar os vômitos. O pedido desesperado por ajuda veio com o início de um quadro de alcoolismo. Hoje, com convicção de estar no caminho certo, a jovem fala, ainda, sobre a necessidade do autocompaixão e da aceitação durante o processo de cura.
Em entrevista , Mirian detalhou o drama que enfrentou e a tão sonhada recuperação. A jovem enfatizou o peso das cobranças dos pais enquanto criança, a importância da educação alimentar na escola e a preocupação em impedir que outras pessoas passem pelo mesmo sofrimento devido ao transtorno alimentar.
O senso comum a respeito da bulimia é a imagem de alguém excessivamente magro e debilitado. Você se sentia normal ou acreditava estar doente e precisar de ajuda?
Como as pessoas não têm muitas informações e conhecimento sobre a bulimia, elas confundem com a anorexia, quando, na verdade, a bulimia é a compulsão alimentar, que muita gente conhece de perto, associada ao medo de engordar. Há sinais que só quem vomita conhece bem: o rosto inchado pelas glândulas de salivas inflamadas; a gastrite; o esôfago machucado que dói; o cansaço crônico; as olheiras; a queda de cabelo e as mãos machucadas pelos dentes. As marcas no corpo não nos deixam somente com vergonha, elas nos lembram o tempo todo que, se a gente der de cara com um bolo na festinha do escritório, vai ter que lidar com mais um momento de prazer e terror. Eu me sentia doente, fraca e decepcionada comigo o tempo todo.
O texto que você escreveu destaca a ansiedade, basicamente, como a razão do início da bulimia. Acredita que outros motivos ajudaram no desenvolvimento da doença?
Sempre tem outros aspectos externos. O mais óbvio e comum é a pressão da sociedade por um padrão físico muito difícil de atingir. No meu caso, como eu era uma criança considerada esperta e bonitinha, sempre rolou aquela aposta de que “a Mirian vai dar certo”. E para mim, em um certo momento, isso significou que eu não poderia jamais estar fora dos padrões aceitos. Eu tinha que dar certo! O medo de deixar de ser “boa” gera insegurança e, consequentemente, a pessoa passa a se colocar em situações extremas, como vomitar a comida ou deixar de comer para ser magra.
Quanto tempo demorou até você entender que estava desenvolvendo um transtorno alimentar?
Eu sempre soube. Até porque comecei a vomitar depois de ler uma reportagem em que um menino quase morreu por vomitar comida. Eu sabia o que estava fazendo, mas não me importava. A ideia de comer de tudo e “não engordar” era mais atraente. Pena que eu não tinha consciência sobre as consequências.
Como foi quando os seus pais descobriram?
Eu mesma admiti porque, no fundo, queria ajuda e atenção. Quando tinha 15 anos, minha mãe percebeu que eu vomitava e me perguntou se eu estava tomando bebida alcoólica, e eu falei: “Não, eu vomito comida”. Ela ficou um pouco desnorteada. Afinal, ela era orientadora de um grupo de emagrecimento. A partir daí, começamos a buscar tratamento, mas eu sabia que não ia parar. Eu não queria parar!
Você, de fato, se sentia gorda? Pensava em fazer plástica, por exemplo?
Eu sempre me sentia gorda. Não importava se a balança apontasse 42kg, eu queria ver mais ossos. Nunca cogitei plástica porque era muito nova, mas vomitava, tomava laxante e diurético todos os dias. Cheguei a ficar em observação no hospital por tomar uma cartela inteira de diuréticos. Eu corria na esteira, na frente do espelho, até não aguentar mais e, depois dessas sessões de exercício extremo, eu levantava e ia até o espelho para olhar os ossos, mas nunca parecia estar bom o bastante. Aí eu chorava. Até hoje, tenho dificuldade em me olhar no espelho. É como se eu não conseguisse me reconhecer. Eu só tenho mais noção da minha imagem quando me vejo ao lado de outras pessoas.
Qual era o seu sentimento em relação à comida? E hoje? O que mudou?
O sentimento era de amor e ódio. Eu amava a comida quando podia estar sozinha com ela e ingerir absolutamente tudo o que eu quisesse até não aguentar mais e depois vomitar. Mas, a partir do momento que eu estivesse perto de outras pessoas, em uma situação social, em que não podia vomitar, eu sentia muito ódio da comida, de mim, das pessoas, da situação, e lutava contra aquele sentimento até o evento chegar quase ao fim. Nesse momento, quando eu sabia que faltava pouco pra ir embora, eu começava a comer tudo que podia. Chegava em casa e vomitava. Mas, nessa época, a comida pra mim era só prazer. Para me salvar, eu precisei aprender a enxergá-la como o que ela é de fato: o combustível do meu corpo. Hoje, consumo apenas alimentos de alto valor nutritivo, que controlem o nível de açúcar no meu sangue, o que ajuda a conter a compulsão.
Quando vem o clique da mudança? O que te levou a buscar ajuda?
Esse clique, na verdade, foi um processo. Eu já estava muito cansada da situação e, em 2013, passei um tempo trabalhando em casa e isso fez com que eu tivesse muitas crises. Eu vomitava duas ou três vezes por dia. Vivia cansada, não conseguia trabalhar nem sair de casa. E foi aí que eu fiz uma conta que me assustou: percebi que, em quase 14 anos, eu nunca tinha passado 20 dias sem vomitar. Além disso, passei a desenvolver um quadro de alcoolismo, para driblar a minha insegurança e conseguir interagir com as pessoas. Mas um dia, após beber uma garrafa de vinho sozinha e acordar sem me lembrar de nada, resolvi procurar ajuda de um analista, que me fez entender a raiz do problema.
Você citou que frequentou psicólogos. Esse acompanhamento te ajudou?
Eu frequentei psicólogos desde o início, aos 14 anos. Mas, sinceramente, o nosso mercado tem muitos profissionais horríveis. Eu me consultei com uma psicóloga que dizia que eu podia dormir durante as sessões, se quisesse. O interesse dela era receber os honorários e só. Passei por médicos em departamentos de transtornos alimentares de faculdades públicas que ameaçaram me internar se “os níveis de ferro nos meus exames não subissem até a próxima semana”. Ninguém nunca me explicou direito o que acontecia com o meu corpo quando eu vomitava e o que podia fazer para controlar a compulsão. Também passei por péssimos nutricionistas. Os profissionais não entendem que a dor é muito mais complexa. Eles não se conectam com o paciente. Aos 16 anos, eu tive uma psicóloga que conseguiu me ajudar porque me entendia, mas, nessa época, eu ainda era muito imatura e o comportamento da minha família, no geral, não me ajudava muito. Tive que crescer e ficar independente para conseguir mudar meus hábitos alimentares.
Por que você resolveu compartilhar a sua experiência?
Quando essa mudança no meu estilo de vida começou a acontecer, eu vi meu corpo e a minha disposição mudarem. Com isso, a compulsão alimentar diminuiu drasticamente e, de repente, tudo pareceu incrivelmente mais fácil. A ideia que eu tinha de que era impossível deixar a bulimia para trás pareceu até ridícula e passei a viver essa possibilidade. Só consegui isso por meio de algumas informações básicas que eu nunca tinha visto por aí, nem na escola nem em tratamentos e tampouco na mídia. Achei injusto pensar na quantidade de pessoas que sofrem com isso, achando que vivem sozinhas e que não vão nunca conseguir mudar a situação. Eu me lembrei de um blog que abordava o tema e me ajudou muito em 2013 e pensei: eu tenho que falar! Queria mostrar que havia uma saída que eu tinha descoberto, a duras penas, depois de achar que jamais conseguiria.
Você foi muito sincera no seu texto e revelou vários detalhes do drama que enfrentou. Como foi a reação das pessoas?
Eu até esperava que fosse rolar alguma comoção, porque a intenção com a sinceridade era justamente tocar. Sabia que se não fosse sincera nos detalhes não atingiria as pessoas que estavam vivendo a situação. Mas a resposta foi muito mais maravilhosa do que eu imaginei. Recebi tantas mensagens de apoio, de força, de carinho, que isso me incentivou ainda mais a continuar e até a começar a desenhar um projeto maior sobre isso.
E se eu tiver um amigo que passa pelo mesmo problema, o que posso fazer para ajudar?
Essa é a pergunta mais difícil. Acho que depende muito da intimidade. Tocar nesse assunto é algo que só pode ser feito se houver confiança e carinho entre as duas partes. Mas a empatia pode fazer mágica. Se você realmente se importa com essa pessoa e quer ajudá-la, sente-se com ela e pergunte como ela está. Estenda, de verdade, a mão, porque isso vai muito além da comida, é o reflexo de uma dor muito grande que está lá dentro e que, com certeza, dói bem mais do que você consegue perceber.