Veganos abraçam um estilo de vida que vai muito além da alimentação sem carne
Adeptos estão engajados por um mundo de consumo consciente e liberto de sofrimento animal
Ailim Cabral - Revista do CB
Publicação:14/12/2015 11:00Atualização: 14/12/2015 09:55
A recusa não tem a ver com o sabor morango e, sim, com estilo de vida: ela é vegana. Esse tipo de dúvida, sobre o que consumir ou usar, perpassa toda a rotina das pessoas que optam por não se servir de produtos de procedência animal. “Os corantes vermelhos quase sempre vêm do carmim retirado de insetos (cochonilha) e, por isso, eu prefiro não arriscar”, esclarece Janaína.
As perguntas sobre ingredientes e o hábito de checar todos os rótulos e etiquetas são algumas das formas que os veganos têm de se resguardar quanto ao consumo de produtos vetados. Diferentemente dos vegetarianos, os veganos estão atentos a aspectos da exploração dos animais que vão além da alimentação.
Produtos de higiene pessoal, maquiagem, roupas, calçados e até mesmo tatuagens podem ser livres ou não desse tipo de sofrimento. Os desenhos no corpo de Janaína, por exemplo, são feitos com tintas especiais (e por um tatuador vegano). Nesta reportagem, a advogada é também nossa modelo. A produção, do batom ao sapato, dos acessórios ao condicionador, foi montada pela mesma, com suas roupas e produtos, totalmente isentos de substratos animais na formulação e desenvolvidos por marcas que, comprovadamente, não usam cobaias.
Janaína se tornou vegetariana aos 19 anos. “Sempre gostei de animais e desse assunto. Trabalhava com proteção e fazia resgate de pets. Não quis mais compactuar com esse sistema, que submete seres à tortura”, explica. No início, enfrentou um pouco de resistência dos familiares e precisou aprender a cozinhar para garantir as refeições vegetarianas. Com o tempo, conseguiu marcar sua posição. “Eu gostava de carne, do sabor, então não foi da noite para o dia. Primeiro, parei de comer carne vermelha; depois, a de frango; e por fim, a de peixe”, detalha.
A transição para o veganismo veio um ano depois e foi menos suave. “Percebi que não estava sendo coerente, pois para produzir leite, ovos, couro e lã, por exemplo, os animais sofrem como aqueles destinados ao consumo. Vivi uma crise de abstinência, mas, depois, o meu organismo de acostumou”, explica. A partir desse mesmo dia, Janaína passou a pesquisar todas as marcas que usava. Não se desfez dos produtos de couro que já tinha, mas abriu mão de adquirir itens novos.
Para se adaptar à nova vida, a advogada buscou ajuda nas redes sociais. “Encontrei comunidades veganas no Orkut e lá eu trocava informações sobre lojas e marcas”, revela. “Se naquela época, há 8 anos, eu encontrei, hoje é mais fácil ainda. Vivo arrumada, maquiada e, quando preciso me vestir formalmente, ninguém nota a diferença entre meus sapatos e bolsas de couro sintético e os de couro animal”, completa. Para ela, só não é vegano quem não quer. “As pessoas ficam arrumando desculpas e colocando dificuldades onde não tem.”
Glossário
Veganismo
Filosofia de vida na qual não se consome nenhum produto de origem animal, incluindo ovos e leite. Além disso, os veganos não vão a rodeios, zoológicos ou frequentam atividades turísticas que envolvam exploração animal. Marcas que fazem testes em animais também são vetadas.
Vegetarianismo
Vegetarianos não consomem nenhum tipo de carne. Alguns, os vegetarianos estritos, a exemplo dos veganos, cortam da dieta ovos, leite e mel.
Ovolactovegetarianismo
Dieta que veta todo tipo de carne, mas permite a ingestão de ovos, leite e derivados.
Ovovegetarianismo
Mantém o consumo de ovo, mas não permite o consumo de leite e derivados.
Lactovegetarianismo
Exclui o ovo, mas permite a ingestão de leite e derivados.
Crudivorismo
Geralmente, um vegetariano estrito que só consome alimentos crus ou aquecidos no máximo até 42ºC. Usam alimentos em fase de germinação, com alto teor de nutrientes.
Frugivorismo
Usa somente frutos na alimentação. O conceito de frutos, nesse caso, pode incluir alguns cereais e legumes, além de oleaginosas.
Assim nascem os ativistas
Durante 27 anos, o administrador Bruno Pinheiro, 33 anos, viveu sem interesse no veganismo e até mesmo sem nenhuma empatia pelos animais. “Sempre fui muito frio com relação aos animais, não tinha emoções quanto a eles”, reconhece. Uma visita ao cinema e a chegada de um novo membro na família, mudaram a vida de Bruno “de cabeça para baixo”.
Em 2008, o administrador assistiu ao filme Marley e eu, e enquanto não se emocionou com o sucesso de bilheteria, ficou impressionado com a reação dos outros espectadores. “Tinha muita gente chorando e chorando demais, de soluçar. Eu não vivenciei nada daquilo, mas percebi que precisava sentir o que aquelas pessoas sentiam”, conta. Esse pensamento o perseguiu por muito tempo, até que, um ano depois, Bruno adotou a cadela Amora.
Foi uma experiência reveladora. “Aí, sim, eu entendi. Vi como os animais eram encantadores e passei a amar a Amora com a mesma força que amo meus filhos e isso mexeu muito comigo”, relembra. Um ano de convivência com a vira-lata teve uma consequência inesperada. De apaixonado por carnes, massas e fast-food, ele passou a questionar a procedência dos alimentos. “Como eu poderia respeitar tanto uma cadela, ser capaz de qualquer coisa por ela, e ao mesmo tempo desrespeitar os outros animais?”, pondera.
O dilema durou três meses, durante os quais Bruno chegou a pedir que amigos o convencessem a manter a dieta carnívora. Todos os argumentos, no entanto, caíram por terra ante as pesquisas do administrador. “Nenhuma das justificativas se sustentava e minha consciência não me permitia mais continuar explorando os animais. Depois de três meses de questionamentos, eu me tornei vegano.”
Diferentemente de outros veganos, Bruno não passou pela fase do vegetarianismo. “Na primeira semana, eu vivi de feijão com arroz. Só depois de um tempo encontrei opções e voltei a comer tudo que comia antes, mas em versões veganas”, ensina. A pizza, a lasanha, o hambúrguer e o cachorro-quente voltaram a fazer parte da rotina de Bruno conforme ele encontrava receitas e restaurantes veganos.
Dois anos após a adoção de Amora e um ano depois da conversão vegana, Bruno se mudou para Brasília e passou a militar em movimentos. Ao lado de amigos, fundou a Frente de Ações pela Libertação Animal (Fala), da qual é presidente. “Aquele filme e a Amora mudaram minha vida e, hoje, eu sei que o veganismo é um compromisso moral e político”, completa. A Fala promove periodicamente feirinhas com produtos livres de sofrimento animal. “Mudar é uma decisão pessoal, basta querer”, tranquiliza o administrador.
Que tipo de terráqueos somos nós?
O fato de eu ainda não ter completado a transição é muito pessoal — não foi por dificuldade em encontrar alternativas veganas”, explica a estudante Bárbara Segato Monteiro, 23 anos. Ela já fez uma série de substituições, que incluem todos os produtos de higiene pessoal. As roupas e os acessórios de couro foram todos doados. Os empecilhos enfrentados por Bárbara para se aprofundar no veganismo são dois: a rotina atribulada, que dificulta o preparo das refeições, e a marca de maquiagens preferida. “Eu não uso isso como desculpa ou algo assim, mas são algumas dificuldades que eu ainda tenho e pretendo vencer no futuro. Vou me tornar vegana eventualmente”, acredita.
Bárbara se tornou vegetariana há cerca de 7 anos, após assistir ao documentário Terráqueos. O filme defende o vegetarianismo com cenas fortes de abate de animais para consumo e impactou a então adolescente. “É muito pesado e, no mesmo dia, eu cheguei em casa dizendo para minha mãe que era vegetariana”, lembra. O processo foi gradual, pois a jovem não conhecia vegetarianos e não sabia como equilibrar a alimentação. Primeiro abiu mão da carne vermelha e passou a comer arroz, frango e batata todos os dias. O resultado foi uma anemia que levou a jovem ao consultório de uma nutricionista. “Eu deixei bem claro que não voltaria atrás na minha decisão e, então, montamos uma dieta que atendesse às minhas necessidades”, lembra. Pouco tempo depois, todos os tipos de carne estavam fora da alimentação.
A estudante começou a se envolver com a causa e a participar de eventos pela cidade. No início, achava o veganismo uma opção radical, mas quanto mais se informava, mais entendia. “Comecei a refletir e pensar: ‘Por que não?’.” Há mais ou menos um ano, começou uma mudança gradativa. “Eu vi que era possível e comecei a fazer as substituições aos poucos. Não quis ser brusca como da primeira vez, que tive anemia. Estou respeitando meu tempo e minhas limitações”, pondera.
Algumas vezes, Bárbara elege dias da semana para ser totalmente vegana e, aos poucos, vai inserindo os novos hábitos na rotina. “É necessário mais comprometimento do que ser vegetariana. Estou me preparando para dar esse passo, mas ainda não consegui me desfazer dos produtos que tenho e que dão tão certo com o meu tom de pele e são muito bons. Nesse caso específico, a estética ainda fala um pouco mais forte, mas não me cobro, sei que o dia de me tornar vegana vai chegar”, resume.
No caso dela, a compaixão pelos animais foi só a porta de entrada para um universo maior. Descobriu, por exemplo, o impacto ambiental causado pela indústria alimentar. “A criação de animais não é sustentável — é a causa da maior parte da devastação de todos os ecossistemas do planeta”, aponta. “E isso me chocou muito.” O lado ambiental passou a ser o cartão de visita da jovem sempre que alguém, interessado em conversar, questiona os motivos de suas escolhas. “Começo falando do meio ambiente, porque nem todos se importam com o que os animais sentem. Mas todos estão sujeitos aos impactos ambientais.”
Empreender para solucionar
A coordenadora da Sociedade Vegetariana Brasileira e ativista da Associação Protetora dos Animais do DF (ProAnima), Joseth Souza, confirma a teoria da advogada Janaína Almeida. Por meio da ProAnima, ela e outros veganos estão montando um guia de alimentação vegana na capital — a lista já conta com mais de 150 estabelecimentos. “Quando terminarmos esse, vamos fazer outro só de lojas de calçados, roupas, produtos de higiene e de beleza. Mas é fácil encontrar opções em sites veganos, que mostram quais marcas se alinham”, afirma.
Joseth esclarece que é necessário se informar constantemente e atualizar as listas de marcas e empresas. “É sempre bom checar, porque as marcas mudam, ficam períodos sem testes em animais e depois voltam”, explica. A ativista acrescenta que aderir ao estilo de vida é mais fácil e mais barato do que as pessoas supõem e que os brasilienses têm muitas opções à disposição.
A variedade de produtos e serviços do gênero no Distrito Federal se justifica pelo alto número de simpatizantes da causa. Segundo dados de 2012 apurados pelo Ibope, cerca de 10% da população do Distrito Federal se diz vegetariana, o que equivale a cerca de 256 mil pessoas. “Usamos esse dado porque foi a primeira pesquisa feita na área e ainda não temos um recorte específico dos veganos”, completa Joseth.
Hoje, existem lojas em Brasília que comercializam pastas e escovas de dente, xampus e condicionadores, cremes hidratantes, sabonetes e desodorantes veganos. O jornalista Thiago Dutra Vilela, 25 anos, se tornou vegano e diante da deficiência que encontrou no mercado brasiliense, montou o próprio negócio para atender o nicho.
Ao conhecer o dono de um hortifruti que queria transformar o estabelecimento em uma lanchonete vegana, enxergou uma oportunidade e se tornou sócio no negócio. “Eu já tinha emprego, mas quis entrar nessa, principalmente por ser vegano e querer fazer parte da expansão desse estilo de vida na cidade. Quando começamos, ainda não existia nenhum restaurante vegano em Brasília”, explica. Além disso, o antigo hortifruti contava com uma espécie de empório. Com a transformação do lugar, os sócios optaram por “veganizar” o mercadinho.
Como a maioria, Thiago foi vegetariano antes de vegano. Ao entrar na faculdade, teve contato com textos sobre os direitos dos animais e sobre a senciência, a capacidade de sofrer ou sentir prazer. “Fui estudando e percebi que não era possível acreditar que os animais não têm sentimentos. Assim, tive uma consciência mais ética de que eles são seres vivos e não existem para servir os humanos. Devem viver da forma mais independente possível”, defende.
Muitos são os motivos para uma pessoa mudar de hábitos, acredita o empreendedor. Entre eles, a saúde física, a preocupação com o meio ambiente e o sentimento de compaixão pelos animais. “O meu caso é o último”, reconhece. “Vi que deixar de comer carne não era o suficiente. Não fazia sentido eu me ver como um protetor dos animais e continuar consumindo produtos de origem animal. Eu já tinha uma ética e estava bem informado”, reflete.
A busca por informação é fundamental, defende Joseth. A ativista afirma que a internet é uma grande aliada, pois o vegano precisa sempre se reciclar. “É necessário sempre pesquisar as marcas. Não avaliamos só se a roupa não de lã, couro ou seda, mas também no que a empresa está envolvida. As marcas de cerveja, por exemplo, não têm componentes animais em seus produtos, mas muitas delas patrocinam rodeios e também devem ser boicotadas”, argumenta. Por isso, Joseth prefere encarar o veganismo como uma espécie de processo constante de avaliação de serviços e produtos. “É a única arma que temos para tentar mudar esses costumes tão nocivos.”
Saiba mais...
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A recusa não tem a ver com o sabor morango e, sim, com estilo de vida: ela é vegana. Esse tipo de dúvida, sobre o que consumir ou usar, perpassa toda a rotina das pessoas que optam por não se servir de produtos de procedência animal. “Os corantes vermelhos quase sempre vêm do carmim retirado de insetos (cochonilha) e, por isso, eu prefiro não arriscar”, esclarece Janaína.
Da cabeça aos pés, Janaína Almeida é vegana, incluindo a maquiagem e as peças de roupa usadas nesta foto
As perguntas sobre ingredientes e o hábito de checar todos os rótulos e etiquetas são algumas das formas que os veganos têm de se resguardar quanto ao consumo de produtos vetados. Diferentemente dos vegetarianos, os veganos estão atentos a aspectos da exploração dos animais que vão além da alimentação.
Produtos de higiene pessoal, maquiagem, roupas, calçados e até mesmo tatuagens podem ser livres ou não desse tipo de sofrimento. Os desenhos no corpo de Janaína, por exemplo, são feitos com tintas especiais (e por um tatuador vegano). Nesta reportagem, a advogada é também nossa modelo. A produção, do batom ao sapato, dos acessórios ao condicionador, foi montada pela mesma, com suas roupas e produtos, totalmente isentos de substratos animais na formulação e desenvolvidos por marcas que, comprovadamente, não usam cobaias.
Janaína se tornou vegetariana aos 19 anos. “Sempre gostei de animais e desse assunto. Trabalhava com proteção e fazia resgate de pets. Não quis mais compactuar com esse sistema, que submete seres à tortura”, explica. No início, enfrentou um pouco de resistência dos familiares e precisou aprender a cozinhar para garantir as refeições vegetarianas. Com o tempo, conseguiu marcar sua posição. “Eu gostava de carne, do sabor, então não foi da noite para o dia. Primeiro, parei de comer carne vermelha; depois, a de frango; e por fim, a de peixe”, detalha.
A transição para o veganismo veio um ano depois e foi menos suave. “Percebi que não estava sendo coerente, pois para produzir leite, ovos, couro e lã, por exemplo, os animais sofrem como aqueles destinados ao consumo. Vivi uma crise de abstinência, mas, depois, o meu organismo de acostumou”, explica. A partir desse mesmo dia, Janaína passou a pesquisar todas as marcas que usava. Não se desfez dos produtos de couro que já tinha, mas abriu mão de adquirir itens novos.
Para se adaptar à nova vida, a advogada buscou ajuda nas redes sociais. “Encontrei comunidades veganas no Orkut e lá eu trocava informações sobre lojas e marcas”, revela. “Se naquela época, há 8 anos, eu encontrei, hoje é mais fácil ainda. Vivo arrumada, maquiada e, quando preciso me vestir formalmente, ninguém nota a diferença entre meus sapatos e bolsas de couro sintético e os de couro animal”, completa. Para ela, só não é vegano quem não quer. “As pessoas ficam arrumando desculpas e colocando dificuldades onde não tem.”
Glossário
Veganismo
Filosofia de vida na qual não se consome nenhum produto de origem animal, incluindo ovos e leite. Além disso, os veganos não vão a rodeios, zoológicos ou frequentam atividades turísticas que envolvam exploração animal. Marcas que fazem testes em animais também são vetadas.
Vegetarianismo
Vegetarianos não consomem nenhum tipo de carne. Alguns, os vegetarianos estritos, a exemplo dos veganos, cortam da dieta ovos, leite e mel.
Ovolactovegetarianismo
Dieta que veta todo tipo de carne, mas permite a ingestão de ovos, leite e derivados.
Ovovegetarianismo
Mantém o consumo de ovo, mas não permite o consumo de leite e derivados.
Lactovegetarianismo
Exclui o ovo, mas permite a ingestão de leite e derivados.
Crudivorismo
Geralmente, um vegetariano estrito que só consome alimentos crus ou aquecidos no máximo até 42ºC. Usam alimentos em fase de germinação, com alto teor de nutrientes.
Frugivorismo
Usa somente frutos na alimentação. O conceito de frutos, nesse caso, pode incluir alguns cereais e legumes, além de oleaginosas.
"Sempre fui muito frio com relação aos animais, não tinha emoções quanto a eles" - Bruno Vieira, hoje vegano e ativista
Assim nascem os ativistas
Durante 27 anos, o administrador Bruno Pinheiro, 33 anos, viveu sem interesse no veganismo e até mesmo sem nenhuma empatia pelos animais. “Sempre fui muito frio com relação aos animais, não tinha emoções quanto a eles”, reconhece. Uma visita ao cinema e a chegada de um novo membro na família, mudaram a vida de Bruno “de cabeça para baixo”.
Em 2008, o administrador assistiu ao filme Marley e eu, e enquanto não se emocionou com o sucesso de bilheteria, ficou impressionado com a reação dos outros espectadores. “Tinha muita gente chorando e chorando demais, de soluçar. Eu não vivenciei nada daquilo, mas percebi que precisava sentir o que aquelas pessoas sentiam”, conta. Esse pensamento o perseguiu por muito tempo, até que, um ano depois, Bruno adotou a cadela Amora.
Foi uma experiência reveladora. “Aí, sim, eu entendi. Vi como os animais eram encantadores e passei a amar a Amora com a mesma força que amo meus filhos e isso mexeu muito comigo”, relembra. Um ano de convivência com a vira-lata teve uma consequência inesperada. De apaixonado por carnes, massas e fast-food, ele passou a questionar a procedência dos alimentos. “Como eu poderia respeitar tanto uma cadela, ser capaz de qualquer coisa por ela, e ao mesmo tempo desrespeitar os outros animais?”, pondera.
O dilema durou três meses, durante os quais Bruno chegou a pedir que amigos o convencessem a manter a dieta carnívora. Todos os argumentos, no entanto, caíram por terra ante as pesquisas do administrador. “Nenhuma das justificativas se sustentava e minha consciência não me permitia mais continuar explorando os animais. Depois de três meses de questionamentos, eu me tornei vegano.”
Diferentemente de outros veganos, Bruno não passou pela fase do vegetarianismo. “Na primeira semana, eu vivi de feijão com arroz. Só depois de um tempo encontrei opções e voltei a comer tudo que comia antes, mas em versões veganas”, ensina. A pizza, a lasanha, o hambúrguer e o cachorro-quente voltaram a fazer parte da rotina de Bruno conforme ele encontrava receitas e restaurantes veganos.
Dois anos após a adoção de Amora e um ano depois da conversão vegana, Bruno se mudou para Brasília e passou a militar em movimentos. Ao lado de amigos, fundou a Frente de Ações pela Libertação Animal (Fala), da qual é presidente. “Aquele filme e a Amora mudaram minha vida e, hoje, eu sei que o veganismo é um compromisso moral e político”, completa. A Fala promove periodicamente feirinhas com produtos livres de sofrimento animal. “Mudar é uma decisão pessoal, basta querer”, tranquiliza o administrador.
Bárbara se tornou vegetariana há cerca de 7 anos, após assistir ao documentário Terráqueos
Que tipo de terráqueos somos nós?
O fato de eu ainda não ter completado a transição é muito pessoal — não foi por dificuldade em encontrar alternativas veganas”, explica a estudante Bárbara Segato Monteiro, 23 anos. Ela já fez uma série de substituições, que incluem todos os produtos de higiene pessoal. As roupas e os acessórios de couro foram todos doados. Os empecilhos enfrentados por Bárbara para se aprofundar no veganismo são dois: a rotina atribulada, que dificulta o preparo das refeições, e a marca de maquiagens preferida. “Eu não uso isso como desculpa ou algo assim, mas são algumas dificuldades que eu ainda tenho e pretendo vencer no futuro. Vou me tornar vegana eventualmente”, acredita.
Bárbara se tornou vegetariana há cerca de 7 anos, após assistir ao documentário Terráqueos. O filme defende o vegetarianismo com cenas fortes de abate de animais para consumo e impactou a então adolescente. “É muito pesado e, no mesmo dia, eu cheguei em casa dizendo para minha mãe que era vegetariana”, lembra. O processo foi gradual, pois a jovem não conhecia vegetarianos e não sabia como equilibrar a alimentação. Primeiro abiu mão da carne vermelha e passou a comer arroz, frango e batata todos os dias. O resultado foi uma anemia que levou a jovem ao consultório de uma nutricionista. “Eu deixei bem claro que não voltaria atrás na minha decisão e, então, montamos uma dieta que atendesse às minhas necessidades”, lembra. Pouco tempo depois, todos os tipos de carne estavam fora da alimentação.
A estudante começou a se envolver com a causa e a participar de eventos pela cidade. No início, achava o veganismo uma opção radical, mas quanto mais se informava, mais entendia. “Comecei a refletir e pensar: ‘Por que não?’.” Há mais ou menos um ano, começou uma mudança gradativa. “Eu vi que era possível e comecei a fazer as substituições aos poucos. Não quis ser brusca como da primeira vez, que tive anemia. Estou respeitando meu tempo e minhas limitações”, pondera.
Algumas vezes, Bárbara elege dias da semana para ser totalmente vegana e, aos poucos, vai inserindo os novos hábitos na rotina. “É necessário mais comprometimento do que ser vegetariana. Estou me preparando para dar esse passo, mas ainda não consegui me desfazer dos produtos que tenho e que dão tão certo com o meu tom de pele e são muito bons. Nesse caso específico, a estética ainda fala um pouco mais forte, mas não me cobro, sei que o dia de me tornar vegana vai chegar”, resume.
No caso dela, a compaixão pelos animais foi só a porta de entrada para um universo maior. Descobriu, por exemplo, o impacto ambiental causado pela indústria alimentar. “A criação de animais não é sustentável — é a causa da maior parte da devastação de todos os ecossistemas do planeta”, aponta. “E isso me chocou muito.” O lado ambiental passou a ser o cartão de visita da jovem sempre que alguém, interessado em conversar, questiona os motivos de suas escolhas. “Começo falando do meio ambiente, porque nem todos se importam com o que os animais sentem. Mas todos estão sujeitos aos impactos ambientais.”
Empreender para solucionar
A coordenadora da Sociedade Vegetariana Brasileira e ativista da Associação Protetora dos Animais do DF (ProAnima), Joseth Souza, confirma a teoria da advogada Janaína Almeida. Por meio da ProAnima, ela e outros veganos estão montando um guia de alimentação vegana na capital — a lista já conta com mais de 150 estabelecimentos. “Quando terminarmos esse, vamos fazer outro só de lojas de calçados, roupas, produtos de higiene e de beleza. Mas é fácil encontrar opções em sites veganos, que mostram quais marcas se alinham”, afirma.
Thiago Dutra Vilela, 25 anos, se tornou vegano e diante da deficiência que encontrou no mercado brasiliense, montou o próprio negócio para atender o nicho
A variedade de produtos e serviços do gênero no Distrito Federal se justifica pelo alto número de simpatizantes da causa. Segundo dados de 2012 apurados pelo Ibope, cerca de 10% da população do Distrito Federal se diz vegetariana, o que equivale a cerca de 256 mil pessoas. “Usamos esse dado porque foi a primeira pesquisa feita na área e ainda não temos um recorte específico dos veganos”, completa Joseth.
Hoje, existem lojas em Brasília que comercializam pastas e escovas de dente, xampus e condicionadores, cremes hidratantes, sabonetes e desodorantes veganos. O jornalista Thiago Dutra Vilela, 25 anos, se tornou vegano e diante da deficiência que encontrou no mercado brasiliense, montou o próprio negócio para atender o nicho.
Ao conhecer o dono de um hortifruti que queria transformar o estabelecimento em uma lanchonete vegana, enxergou uma oportunidade e se tornou sócio no negócio. “Eu já tinha emprego, mas quis entrar nessa, principalmente por ser vegano e querer fazer parte da expansão desse estilo de vida na cidade. Quando começamos, ainda não existia nenhum restaurante vegano em Brasília”, explica. Além disso, o antigo hortifruti contava com uma espécie de empório. Com a transformação do lugar, os sócios optaram por “veganizar” o mercadinho.
Como a maioria, Thiago foi vegetariano antes de vegano. Ao entrar na faculdade, teve contato com textos sobre os direitos dos animais e sobre a senciência, a capacidade de sofrer ou sentir prazer. “Fui estudando e percebi que não era possível acreditar que os animais não têm sentimentos. Assim, tive uma consciência mais ética de que eles são seres vivos e não existem para servir os humanos. Devem viver da forma mais independente possível”, defende.
Muitos são os motivos para uma pessoa mudar de hábitos, acredita o empreendedor. Entre eles, a saúde física, a preocupação com o meio ambiente e o sentimento de compaixão pelos animais. “O meu caso é o último”, reconhece. “Vi que deixar de comer carne não era o suficiente. Não fazia sentido eu me ver como um protetor dos animais e continuar consumindo produtos de origem animal. Eu já tinha uma ética e estava bem informado”, reflete.
A busca por informação é fundamental, defende Joseth. A ativista afirma que a internet é uma grande aliada, pois o vegano precisa sempre se reciclar. “É necessário sempre pesquisar as marcas. Não avaliamos só se a roupa não de lã, couro ou seda, mas também no que a empresa está envolvida. As marcas de cerveja, por exemplo, não têm componentes animais em seus produtos, mas muitas delas patrocinam rodeios e também devem ser boicotadas”, argumenta. Por isso, Joseth prefere encarar o veganismo como uma espécie de processo constante de avaliação de serviços e produtos. “É a única arma que temos para tentar mudar esses costumes tão nocivos.”