Um em cada quatro médicos possui sinais de depressão

Pesquisa afirma que problema decorre do estresse resultante da preparação para a carreira

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Isabela de Oliveira - Correio Braziliense Publicação:24/12/2015 10:00Atualização:24/12/2015 10:56
Fundação Americana para a Prevenção do Suicídio estima que de 300 a 400 médicos cometam suicídio anualmente (JOE RAEDLE )
Fundação Americana para a Prevenção do Suicídio estima que de 300 a 400 médicos cometam suicídio anualmente
Mais de um em cada quatro médicos nos estágios iniciais de suas carreiras têm sinais de depressão, revela um estudo conduzido pela Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. O problema resulta, em parte, da exaustão do treinamento para a carreira médica. A notícia não é ruim apenas para os jovens especialistas, mas também os pacientes que atenderão no futuro: segundo os resultados, médicos deprimidos tendem a cometer mais erros e oferecer cuidados de qualidade inferior.

Publicado no Journal os the American Medical Association, o estudo detalha a revisão de 54 pesquisas internacionais produzidas ao longo de 50 anos. Juntas, somam dados de sintomas de depressão em mais de 17,5 mil residentes médicos. Através da coleta e combinação de informações, os autores concluíram que 28,8% por cento dos profissionais em formação têm sinais de depressão.

Um levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) com 7,7 mil médicos revelou que 44% deles sofriam de depressão ou ansiedade. Outros 57% apresentavam estafa e desânimo com o emprego. Em relação à população geral, a prevalência de distúrbios psíquicos entre médicos é quase 11 pontos porcentuais maior. Além disso, um em cada cinco especialistas sofre com doenças cardíacas, percentual idêntico ao de médicos com alterações no sistema circulatório; 21,8% apresentam mau funcionamento do aparelho digestivo.

A Fundação Americana para a Prevenção do Suicídio estima que de 300 a 400 médicos cometam suicídio anualmente. Ou seja: praticamente uma morte por dia. Especialista em Clínica Médica, Rafael de Deus Pires conta um pouco da rotina dos médicos. Pires é um dos fundadores da primeira Liga Acadêmica de Saúde e Espiritualidade do Brasil.

Por que o senhor escolheu esta profissão?

Desde pequeno, na infância ainda, já me interessava pela medicina e pelo fato de poder ajudar as pessoas a se curarem. Mas foi com a dedicação e atenção de meu Tio e amigo, Dr. Antonio Luiz de Deus, me mostrando consultas, a rotina de hospital e o agradecimento e carinho dos pacientes pelo seu desvelo, que eu me apaixonei definitivamente pela profissão.

Em termos de relacionamento com a sociedade e expectativas de seus pacientes, o que a universidade não consegue mostrar?

Essa é uma pergunta muito importante e a discussão sobre esse tema em geral ainda é pouco abordado. Quando o é, não é feito com a profundidade com que se deveria. Existem fortes correntes nacionais e internacionais que estudam e buscam a humanização da área de saúde e é incrivelmente contraditório como grande parte das Faculdades de Medicina e principalmente seus docentes ainda não valorizaram isso. A humanização inclui o atendimento interessado no bem estar do paciente, interessado em abordar questões psicológicas, pessoais e espirituais. O paciente quer um atendimento humanizado, ele quer que perguntemos a ele fatores importantes que não seja apenas a dor física. É exatamente isso que a maioria das universidades e faculdades não ensinam. Pensando nisso fundamos a Primeira Liga Acadêmica de saúde e espiritualidade do País em Goiânia, a LIASE-GO. Agora, elas ja se espalharam pelo Brasil inteiro.

O médico descansa da profissão ou é médico 24 horas, sempre abordado na rua para "consultas rápidas" com amigos e parentes, ou até mesmo pacientes?

Costumo dizer que sim. Uma vez médico, sempre médico. Mas isso não significa que temos que estar disponíveis para a medicina e seus desdobramentos 24 horas por dia. Devemos, sim, estar disponíveis 24 horas por dia para os casos urgentes, que requiram nossa perícia, conhecimento e experiência. Não funciona assim no pronto-socorro (PS)? Temos o direito de greve desde que o PS continue funcionando.Acontece também com o advogado que, em uma festa, é abordado por conhecidos solicitando orientações pertinentes a fato urgente. Não é o mesmo? Às vezes estamos cansados, querendo fazer outra coisa, por menor que seja, que não seja medicina. Mas sempre sobra um pouquinho de bom humor para, pelo menos, ouvir rapidamente a queixa do sofredor e dar uma orientação segura. Devemos lembrar que na maioria das vezes essas queixas são problemas facilmente resolvíveis e economiza um bom tempo na vida tão corrida das pessoas. E também cabe ao médico saber até onde chegar com aquela queixa, ou mesmo resumir o assunto encaminhando para o consultório os casos que requiram mais profundidade. Não devemos ter receio de dizer não, quando realmente não dá ou quando estamos cansados, basta o fazer de uma forma que não ofenda e deixando para resolver o problema em um momento mais oportuno.

E como o senhor administra isso, como presta atenção em outras coisas da vida que não sejam medicina?


O problema principal é saber organizar a vida e, principalmente, ter disciplina. É um trabalho diário e árduo, embora gratificante. Conseguir ter disciplina é o essencial na vida de todos. A partir daí é que conseguimos o tão almejado tempo para a família, passeios, cursos e atividades altruístas. Tirar o foco do projeto principal e realizar outros miniprojetos é fundamental para o sucesso, pois renovamos nossas baterias. Eu, mesmo, adoro culinária, dança, espiritualidade, esporte e cervejas artesanais.

Nem sempre estamos e bom humor. Como o senhor lida com isso nas consultas?

Eu gosto e faço questão de ser quem eu sou. Claro que se estou cansado, não preciso descontar no paciente minha cara fechada. Ele saberá que eu estou cansado, mas alegre e interessado em atendê-lo. Não sei dizer como me percebem, mas sinto alguma coisa no final da consulta, quando me fazem agradecimentos sinceros. E isso é muito gratificante. Para muitos pacientes, realmente aparentamos ser super-humanos, mas não somos. Somos tão doentes e falhos quanto qualquer um. O que faz a diferença é o médico saber a hora de ser o paciente. Então, nesse momento é que entendemos o que é a dor alheia.

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