Experimento consegue fazer com que machos sem o cromossomo Y se reproduzam
No futuro, estudo pode ajudar homens inférteis
Roberta Machado - Correio Braziliense
Publicação:04/02/2016 09:57Atualização: 04/02/2016 10:05
Brasília – Exclusividade dos machos, o cromossomo Y se tornou, para os homens, um símbolo de virilidade que os diferencia das mulheres. No entanto, um estudo mostra que eles podem cumprir o papel de reprodutores mesmo sem essa parcela genética. Pesquisadores da Universidade do Havaí criaram com sucesso uma linhagem de ratos machos sem o cromossomo Y e que, ainda assim, foram capazes de se reproduzir. Com a ajuda de uma técnica de fertilização in vitro, as células reprodutoras dos bichos deram origem a uma prole de filhotes saudáveis. O trabalho, publicado na revista Science, revela novos aspectos do processo genético envolvido na reprodução humana e na diferenciação sexual.
Na nova pesquisa, os cientistas resolveram ir além. “Nós ficamos interessados em descobrir se esses dois genes poderiam ser substituídos por outros, codificados em cromossomos que não fossem o Y”, conta Monika Ward, professora do Instituto de Pesquisa em Biogênese da Faculdade de Medicina John A. Burns e autora do trabalho. “Descobrir isso nos ensinaria um pouco sobre a evolução genética do cromossomo Y e sobre a redundância entre genes codificados no Y e em outras partes do genoma”, ressalta.
Prole saudável
O grupo procurou dois genes que poderiam substituir o Sry e o Eif2s3y nos ratos desprovidos do cromossomo masculino, chegando ao Eif2s3x e ao Sox9. O primeiro está na mesma família do Eif2s3y e tem uma sequência muito parecida com a contraparte masculina. Já o Sox9 foi uma escolha natural por ter relação com o Sry durante o desenvolvimento fetal. Em machos comuns, o Sry tem a função de ativar o Sox9, levando ao processo de amadurecimento do indivíduo. Depois que os ratos tiveram o cromossomo Y completamente removido, a dose das sequências correspondentes foi aumentada por meio de uma técnica de edição genética.
Os animais modificados, ressaltam os pesquisadores, não poderiam se reproduzir por conta própria. Os ratos sem o cromossomo Y não eram capazes de produzir esperma na sua forma madura, portanto, nunca fecundariam uma fêmea como um macho comum. Foi necessário fecundar as células reprodutoras dos roedores por meio de um método de fertilização chamado ROSI. Dos 13 animais usados no experimento, nove deram origem a uma prole saudável. As fêmeas que nasceram a partir dos machos modificados eram férteis e tiveram filhos que também eram capazes de procriar. Já os machos nascidos no experimento não produziam espermatozoides da mesma forma que seus pais, mas também poderiam ter filhotes por meio do método ROSI.
O experimento demonstrou que, embora o cromossomo Y seja fundamental para a espermatogênese e para a reprodução natural, a fertilização assistida ainda pode ser realizada a partir de machos totalmente desprovidos desses genes. Os filhotes nascidos a partir dos animais modificados são a prova de que o genoma esconde mecanismos alternativos para a determinação sexual e para a produção de células reprodutivas, mesmo que esses genes estejam normalmente adormecidos.
Aplicações “Não precisa ter o cromossomo, é preciso ter os genes que determinam que o indivíduo vai ser do sexo masculino e que haverá a organogênese dos órgãos reprodutivos normais. É isso que você precisa garantir de alguma forma. Se não há o cromossomo e os genes importantes dele, você precisa suprir o que está faltando”, resume Maria Cátira Bortolini, professora do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Para a especialista, que não participou do estudo, compreender a influência de cada gene sobre um indivíduo é o maior desafio atual da genética, e o trabalho publicado na Science explica apenas uma fração dessa complicada dinâmica. “Identificar esses genes e saber exatamente o que eles fazem para a determinação de um fenótipo importante relacionado com a reprodução é fundamental para compreender os processos que regem a vida na natureza”, ressalta Maria Cátira.
O grupo pretende continuar a pesquisa sobre as funções do cromossomo Y e compreender melhor o mecanismo dos genes masculinos. Um dos alvos dos pesquisadores é o par Eif2s3y e Eif2s3x, cujo papel na determinação sexual ainda não é bem conhecido. Outros genes envolvidos na fertilidade masculina também serão analisados pelos cientistas ao nível molecular. “Queremos ver se podemos estender a nossa abordagem transgênica e usar os últimos avanços no campo das células-tronco para gerar proles somente a partir de fêmeas”, adianta Mônica, para quem a técnica poderia ser aplicada para a preservação de espécies.
O sucesso do experimento com ratos também representa uma possível alternativa para homens que sofrem de azoospermia, como é chamada a incapacidade de produzir gametas maduros. A condição afeta 1% das pessoas do sexo masculino em todo o mundo, impedindo-as de terem filhos. “A alternativa para eles ainda é o banco de sêmen”, ressalta Artur Dzik, diretor da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH) e do Serviço de Esterilidade do Hospital Pérola Byington. “Esse tipo de estudo pode levar a uma explicação para esse problema e, o que é ainda mais importante, pode abrir uma alternativa terapêutica para esses casais”, analisa.
Experimental
ROSI é a sigla em inglês para Injeção de Espermátide Redonda. Nessa técnica, a célula haploide que não se transformou em espermatozoide é injetada no oócito, a célula que dá origem ao óvulo. O método experimental chegou a ser usado para a fertilização humana há quase duas décadas, mas a taxa reduzida de sucesso obtida levou especialistas a abandonarem o método. O risco de nascimento de crianças com problemas de saúde também foi considerado alto, resultando até mesmo no banimento da técnica. Recentemente, pesquisadores japoneses chamaram a atenção ao divulgar o nascimento de 14 crianças saudáveis de pais inférteis, criadas a partir de uma forma aperfeiçoada da ROSI.
Saiba mais...
O estudo foi desenvolvido com base numa pesquisa anterior realizada pelo mesmo grupo de cientistas. Em 2013, os pesquisadores provaram que a maior parte do cromossomo Y não era necessária para a reprodução. Por meio de experimentos com roedores, eles mostraram que bastavam dois genes masculinos para o desenvolvimento de uma prole: o Sry, fator que age na formação dos órgãos sexuais em mamíferos, e o Eif2s3y, essencial para a proliferação dos espermatogônios, como são chamadas as células que dão origem aos espermatozoides. Os animais que só tinham essa pequena parcela do Y foram capazes de gerar uma prole com a ajuda da fertilização in vitro.Na nova pesquisa, os cientistas resolveram ir além. “Nós ficamos interessados em descobrir se esses dois genes poderiam ser substituídos por outros, codificados em cromossomos que não fossem o Y”, conta Monika Ward, professora do Instituto de Pesquisa em Biogênese da Faculdade de Medicina John A. Burns e autora do trabalho. “Descobrir isso nos ensinaria um pouco sobre a evolução genética do cromossomo Y e sobre a redundância entre genes codificados no Y e em outras partes do genoma”, ressalta.
Prole saudável
O grupo procurou dois genes que poderiam substituir o Sry e o Eif2s3y nos ratos desprovidos do cromossomo masculino, chegando ao Eif2s3x e ao Sox9. O primeiro está na mesma família do Eif2s3y e tem uma sequência muito parecida com a contraparte masculina. Já o Sox9 foi uma escolha natural por ter relação com o Sry durante o desenvolvimento fetal. Em machos comuns, o Sry tem a função de ativar o Sox9, levando ao processo de amadurecimento do indivíduo. Depois que os ratos tiveram o cromossomo Y completamente removido, a dose das sequências correspondentes foi aumentada por meio de uma técnica de edição genética.
Testes com ratos mostraram que podem haver soluções para homens que não produzem gametas
O experimento demonstrou que, embora o cromossomo Y seja fundamental para a espermatogênese e para a reprodução natural, a fertilização assistida ainda pode ser realizada a partir de machos totalmente desprovidos desses genes. Os filhotes nascidos a partir dos animais modificados são a prova de que o genoma esconde mecanismos alternativos para a determinação sexual e para a produção de células reprodutivas, mesmo que esses genes estejam normalmente adormecidos.
Aplicações “Não precisa ter o cromossomo, é preciso ter os genes que determinam que o indivíduo vai ser do sexo masculino e que haverá a organogênese dos órgãos reprodutivos normais. É isso que você precisa garantir de alguma forma. Se não há o cromossomo e os genes importantes dele, você precisa suprir o que está faltando”, resume Maria Cátira Bortolini, professora do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Para a especialista, que não participou do estudo, compreender a influência de cada gene sobre um indivíduo é o maior desafio atual da genética, e o trabalho publicado na Science explica apenas uma fração dessa complicada dinâmica. “Identificar esses genes e saber exatamente o que eles fazem para a determinação de um fenótipo importante relacionado com a reprodução é fundamental para compreender os processos que regem a vida na natureza”, ressalta Maria Cátira.
O grupo pretende continuar a pesquisa sobre as funções do cromossomo Y e compreender melhor o mecanismo dos genes masculinos. Um dos alvos dos pesquisadores é o par Eif2s3y e Eif2s3x, cujo papel na determinação sexual ainda não é bem conhecido. Outros genes envolvidos na fertilidade masculina também serão analisados pelos cientistas ao nível molecular. “Queremos ver se podemos estender a nossa abordagem transgênica e usar os últimos avanços no campo das células-tronco para gerar proles somente a partir de fêmeas”, adianta Mônica, para quem a técnica poderia ser aplicada para a preservação de espécies.
O sucesso do experimento com ratos também representa uma possível alternativa para homens que sofrem de azoospermia, como é chamada a incapacidade de produzir gametas maduros. A condição afeta 1% das pessoas do sexo masculino em todo o mundo, impedindo-as de terem filhos. “A alternativa para eles ainda é o banco de sêmen”, ressalta Artur Dzik, diretor da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH) e do Serviço de Esterilidade do Hospital Pérola Byington. “Esse tipo de estudo pode levar a uma explicação para esse problema e, o que é ainda mais importante, pode abrir uma alternativa terapêutica para esses casais”, analisa.
Experimental
ROSI é a sigla em inglês para Injeção de Espermátide Redonda. Nessa técnica, a célula haploide que não se transformou em espermatozoide é injetada no oócito, a célula que dá origem ao óvulo. O método experimental chegou a ser usado para a fertilização humana há quase duas décadas, mas a taxa reduzida de sucesso obtida levou especialistas a abandonarem o método. O risco de nascimento de crianças com problemas de saúde também foi considerado alto, resultando até mesmo no banimento da técnica. Recentemente, pesquisadores japoneses chamaram a atenção ao divulgar o nascimento de 14 crianças saudáveis de pais inférteis, criadas a partir de uma forma aperfeiçoada da ROSI.