Casa desorganizada pode indicar depressão e ansiedade
O ambiente bagunçado também provoca doenças físicas. Diabetes, obesidade e males respiratórios estão entre elas
Isabela de Oliveira - Correio Braziliense
Publicação:25/02/2016 15:00Atualização: 15/02/2016 12:47
Resultados de um estudo publicado recententemente na Environment and Behavior por pesquisadores da Universidade de New South Wales, na Austrália, mostram que ambientes desordenados provocam estresse e favorecem escapadas indulgentes da dieta. A equipe de Lenny Vartanian descobriu que, em uma cozinha bagunçada, mulheres comem duas vezes mais biscoitos do que participantes do mesmo sexo em um ambiente organizado.
Em outra etapa da pesquisa, metade das 98 participantes foi instruída a relatar épocas de descontrole na vida, enquanto as restantes falaram sobre fases de controle. Os dois grupos foram orientados a entrar no cômodo bagunçado. O resultado foi inesperado: mulheres que relembram momentos de controle comeram cerca de 100 calorias menos do que as que recordaram os episódios inversos. Segundo Vartanian, o estudo tem conclusões relevantes para profissionais de saúde e quem deseja perder peso. “Os resultados mostram que ambientes mais organizados levam as pessoas a comerem menos e que, mesmo que o indivíduo esteja em um local caótico, recordar momentos de autocontrole poderá ajudá-lo a resistir melhor à pressão”, conclui o autor.
Esse é apenas um dos prejuízos de um ambiente desordenado no organismo. Um exemplo da necessidade fisiológica de um lar em ordem vem do sistema digestivo, que, funcionando perfeitamente, processa e separa meticulosamente os nutrientes. “Como médico integrativo, percebo que pacientes que descrevem a vida como bagunçada, desorganizada ou ineficiente muitas vezes apresentam sintomas de inchaço, congestão, inflamação e má digestão. Se deixados sem tratamento, esses sintomas podem progredir para condições mais graves para a saúde”, diz Isaac Eliaz, pesquisador e médico na Clínica Amitabha, na Califórnia (EUA).
Cérebro confuso
Segundo Eliaz, ambientes desorganizados geram estresse por conterem uma grande quantidade de informações que confundem o cérebro. Além disso, atuam como um lembrete visual constante de que o trabalho está inacabado. O estresse perene, ainda que sutil, potencializa a hipertensão, aumenta a taxa de mau colesterol, favorece o tabagismo, o diabetes e o sedentarismo, fatores de risco para doenças cardíacas. “O estresse é uma mola mestra que interfere em todos esses fatores. Em episódios agudos, os picos hormonais de adrenalina, noradrenalina e corticoides, especialmente cortisol, se normalizam quando a situação passa. Mas, no estresse constante, esses níveis hormonais são mantidos e aumentam os riscos (à saúde)”, diz Lázaro Fernandes de Miranda, coordenador da Cardiologia do Hospital Santa Lúcia, em Brasília.
Além da obesidade, dos problemas digestivos e das doenças cardiovasculares, o estresse está envolvido nos distúrbios do sono, em doenças autoimunes e cânceres. “Evitar as fontes de tensão prolonga a expectativa de vida. Deixa-se de sofrer com o impacto da conjunção de todos os fatores de risco para doenças”, aconselha Miranda. Eliaz completa que a desordem e a sujeira incentivam a proliferação de fungos, bactérias e toxinas no ambiente doméstico. “Esses patógenos podem causar inflamação, doenças respiratórias e acúmulo de toxinas, proporcionando doenças crônicas no futuro”, alerta.
Efeito na longevidade
A longo prazo, os cuidados com a casa impactam na longevidade de um indivíduo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2012, 38 milhões de pessoas morreram prematuramente (antes dos 70 anos) em decorrência de doenças crônicas, como diabetes, cardiopatias e acidentes cerebrovasculares. Estudos científicos têm mostrado que o estresse crônico pode provocar o envelhecimento precoce e as complicações geradas por ele. Em junho, pesquisadores da Universidade da Califórnia, em São Francisco (EUA), divulgaram que mulheres submetidas a essa condição têm, no corpo, níveis “significativamente” mais baixos do hormônio Klotho, que regula o envelhecimento e melhora o funcionamento do cérebro.
Risco quando vira hábito
Casos crônicos de desorganização em casa refletem estados de desorganização mental e podem sinalizar, ou até mesmo causar, a depressão, alerta a especialista em terapia familiar sistêmica Lisa Clerot. “Podemos encontrar nessas pessoas outros tipos de desordens emocionais, como ansiedade, estresse, baixa autoestima e fuga da realidade”, acrescenta a psicóloga. Segundo ela, o verdadeiro problema só surge quando a desordem deixa de incomodar. “Em momentos isolados, é normal considerarmos estar em um lugar bagunçado. Mas, quando a situação é incorporada à rotina e não mais é percebida, se torna patológica. O problema está sempre no excesso e na habitualidade”, explica Clerot.
Aurélio Melo, professor no Departamento de Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, considera a falta ânimo um elo entre depressão e bagunça. “Nem todos desorganizados são deprimidos e nem todos deprimidos são desorganizados, mas é uma situação que pode ser provocada pela doença, pois o paciente abandona a si mesmo, o seu espaço e prefere ambientes escuros, visto que a escuridão reflete a dinâmica psíquica”, diz.
O psicólogo cita os acumuladores como evidência da relação entre transtornos mentais e ambientes desordenado. O distúrbio consiste na dificuldade dolorosa de se desfazer de objetos, independentemente do valor real deles. O comportamento tem efeitos deletérios emocionais, físicos, sociais, financeiros e até mesmo legais para o paciente e familiares. “São indivíduos que perdem a objetividade ao se desligarem do exterior para se ocupar com suas fantasias e obsessões. Nesse sentido, a opinião de pessoas próximas é importante: ignorar completamente o que pensam de você é sinal de rompimento com a vida social”, analisa Melo.
Silvio Yasui, psicólogo e professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), reforça que não é a desorganização em si, mas alterações comportamentais profundas relacionadas a ela que sinalizam uma patologia. “Explico: alguém desorganizado cotidianamente fica mais desorganizado a ponto de não mais conseguir encontrar a sua organização e se angustia por isso. Isso é uma mudança que pode apontar para algum sofrimento psíquico cuja expressão é a intensificação da bagunça”, diferencia. O mesmo vale, segundo o especialista, para indivíduos obsessivos com a ordem.
“Nomear este ou aquele aspecto da vida de uma pessoa com o estigma de uma doença mental é uma operação complicada e com sérias consequências. Hoje, temos uma certa epidemia de diagnósticos psiquiátricos que mais atrapalham do que ajudam”, opina. Para ele, é possível ser feliz sendo metódico e mais relaxado. “Boa parte dos gênios era bastante desorganizada e, talvez, seja mais comum os muito organizados sofrerem com esse mundo caótico em que vivemos. No fundo, é importante as pessoas serem felizes como são”, defende.
Saiba mais...
Uma vez que o homem é criador e criatura do ambiente em que vive, residências refletem o estado emocional, físico e mental de quem as habita. Ainda que observar as características domésticas possa ser um passatempo divertido, episódios crônicos de pilhas de louça suja e roupas espalhadas podem reverberar sofrimento mental e físico. A desordem que atrapalha afazeres mais simples do dia, como pagar contas antes do vencimento ou encontrar as chaves de casa, é um alerta, segundo especialistas, para um ciclo vicioso relacionado a transtornos mentais como depressão e ansiedade, além de problemas respiratórios, doenças cardiovasculares e obesidade.- Desorganização complica o dia a dia, estressa e desanima; saiba como planejar suas atividades
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Resultados de um estudo publicado recententemente na Environment and Behavior por pesquisadores da Universidade de New South Wales, na Austrália, mostram que ambientes desordenados provocam estresse e favorecem escapadas indulgentes da dieta. A equipe de Lenny Vartanian descobriu que, em uma cozinha bagunçada, mulheres comem duas vezes mais biscoitos do que participantes do mesmo sexo em um ambiente organizado.
Em outra etapa da pesquisa, metade das 98 participantes foi instruída a relatar épocas de descontrole na vida, enquanto as restantes falaram sobre fases de controle. Os dois grupos foram orientados a entrar no cômodo bagunçado. O resultado foi inesperado: mulheres que relembram momentos de controle comeram cerca de 100 calorias menos do que as que recordaram os episódios inversos. Segundo Vartanian, o estudo tem conclusões relevantes para profissionais de saúde e quem deseja perder peso. “Os resultados mostram que ambientes mais organizados levam as pessoas a comerem menos e que, mesmo que o indivíduo esteja em um local caótico, recordar momentos de autocontrole poderá ajudá-lo a resistir melhor à pressão”, conclui o autor.
Esse é apenas um dos prejuízos de um ambiente desordenado no organismo. Um exemplo da necessidade fisiológica de um lar em ordem vem do sistema digestivo, que, funcionando perfeitamente, processa e separa meticulosamente os nutrientes. “Como médico integrativo, percebo que pacientes que descrevem a vida como bagunçada, desorganizada ou ineficiente muitas vezes apresentam sintomas de inchaço, congestão, inflamação e má digestão. Se deixados sem tratamento, esses sintomas podem progredir para condições mais graves para a saúde”, diz Isaac Eliaz, pesquisador e médico na Clínica Amitabha, na Califórnia (EUA).
Cérebro confuso
Segundo Eliaz, ambientes desorganizados geram estresse por conterem uma grande quantidade de informações que confundem o cérebro. Além disso, atuam como um lembrete visual constante de que o trabalho está inacabado. O estresse perene, ainda que sutil, potencializa a hipertensão, aumenta a taxa de mau colesterol, favorece o tabagismo, o diabetes e o sedentarismo, fatores de risco para doenças cardíacas. “O estresse é uma mola mestra que interfere em todos esses fatores. Em episódios agudos, os picos hormonais de adrenalina, noradrenalina e corticoides, especialmente cortisol, se normalizam quando a situação passa. Mas, no estresse constante, esses níveis hormonais são mantidos e aumentam os riscos (à saúde)”, diz Lázaro Fernandes de Miranda, coordenador da Cardiologia do Hospital Santa Lúcia, em Brasília.
Além da obesidade, dos problemas digestivos e das doenças cardiovasculares, o estresse está envolvido nos distúrbios do sono, em doenças autoimunes e cânceres. “Evitar as fontes de tensão prolonga a expectativa de vida. Deixa-se de sofrer com o impacto da conjunção de todos os fatores de risco para doenças”, aconselha Miranda. Eliaz completa que a desordem e a sujeira incentivam a proliferação de fungos, bactérias e toxinas no ambiente doméstico. “Esses patógenos podem causar inflamação, doenças respiratórias e acúmulo de toxinas, proporcionando doenças crônicas no futuro”, alerta.
Efeito na longevidade
A longo prazo, os cuidados com a casa impactam na longevidade de um indivíduo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2012, 38 milhões de pessoas morreram prematuramente (antes dos 70 anos) em decorrência de doenças crônicas, como diabetes, cardiopatias e acidentes cerebrovasculares. Estudos científicos têm mostrado que o estresse crônico pode provocar o envelhecimento precoce e as complicações geradas por ele. Em junho, pesquisadores da Universidade da Califórnia, em São Francisco (EUA), divulgaram que mulheres submetidas a essa condição têm, no corpo, níveis “significativamente” mais baixos do hormônio Klotho, que regula o envelhecimento e melhora o funcionamento do cérebro.
Risco quando vira hábito
Casos crônicos de desorganização em casa refletem estados de desorganização mental e podem sinalizar, ou até mesmo causar, a depressão, alerta a especialista em terapia familiar sistêmica Lisa Clerot. “Podemos encontrar nessas pessoas outros tipos de desordens emocionais, como ansiedade, estresse, baixa autoestima e fuga da realidade”, acrescenta a psicóloga. Segundo ela, o verdadeiro problema só surge quando a desordem deixa de incomodar. “Em momentos isolados, é normal considerarmos estar em um lugar bagunçado. Mas, quando a situação é incorporada à rotina e não mais é percebida, se torna patológica. O problema está sempre no excesso e na habitualidade”, explica Clerot.
Aurélio Melo, professor no Departamento de Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, considera a falta ânimo um elo entre depressão e bagunça. “Nem todos desorganizados são deprimidos e nem todos deprimidos são desorganizados, mas é uma situação que pode ser provocada pela doença, pois o paciente abandona a si mesmo, o seu espaço e prefere ambientes escuros, visto que a escuridão reflete a dinâmica psíquica”, diz.
O psicólogo cita os acumuladores como evidência da relação entre transtornos mentais e ambientes desordenado. O distúrbio consiste na dificuldade dolorosa de se desfazer de objetos, independentemente do valor real deles. O comportamento tem efeitos deletérios emocionais, físicos, sociais, financeiros e até mesmo legais para o paciente e familiares. “São indivíduos que perdem a objetividade ao se desligarem do exterior para se ocupar com suas fantasias e obsessões. Nesse sentido, a opinião de pessoas próximas é importante: ignorar completamente o que pensam de você é sinal de rompimento com a vida social”, analisa Melo.
Silvio Yasui, psicólogo e professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), reforça que não é a desorganização em si, mas alterações comportamentais profundas relacionadas a ela que sinalizam uma patologia. “Explico: alguém desorganizado cotidianamente fica mais desorganizado a ponto de não mais conseguir encontrar a sua organização e se angustia por isso. Isso é uma mudança que pode apontar para algum sofrimento psíquico cuja expressão é a intensificação da bagunça”, diferencia. O mesmo vale, segundo o especialista, para indivíduos obsessivos com a ordem.
“Nomear este ou aquele aspecto da vida de uma pessoa com o estigma de uma doença mental é uma operação complicada e com sérias consequências. Hoje, temos uma certa epidemia de diagnósticos psiquiátricos que mais atrapalham do que ajudam”, opina. Para ele, é possível ser feliz sendo metódico e mais relaxado. “Boa parte dos gênios era bastante desorganizada e, talvez, seja mais comum os muito organizados sofrerem com esse mundo caótico em que vivemos. No fundo, é importante as pessoas serem felizes como são”, defende.