Personagens criados por realidade virtual são usados para amenizar os sintomas da depressão

Segundo cientistas britânicos, a técnica de personificação permite aos pacientes serem menos rígidos com as próprias fraquezas

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Paloma Oliveto - Correio Brazilienze Publicação:08/03/2016 15:00Atualização:08/03/2016 09:45
Difusão da metodologia é dificultada pelo fato de poucos profissionais da saúde mental terem familiaridade com plataformas virtuais (CB / D.A Press)
Difusão da metodologia é dificultada pelo fato de poucos profissionais da saúde mental terem familiaridade com plataformas virtuais
Quando o mundo real torna-se um fardo pesado demais para carregar, o virtual pode entrar em cena para ajudar a repartir o peso. Pesquisadores investem na tecnologia para complementar o tratamento de pessoas com distúrbios psiquiátricos, como ansiedade, transtorno bipolar, fobias e depressão. Os resultados, embora preliminares, mostram que a ferramenta melhora os sintomas, ajudando os pacientes a enfrentarem diretamente os males que os incomodam. Especialistas alertam, porém, que poucos profissionais da saúde mental têm familiaridade com plataformas virtuais, o que dificulta a difusão da metodologia.

Cientistas da Universidade College London, na Inglaterra, apresentaram mais evidências de que a realidade virtual pode auxiliar indivíduos com depressão. Chris Brewin, pesquisador da instituição e principal autor do trabalho, publicado na edição de fevereiro do British Journal of Psychiatry Open, explica que pessoas que sofrem do problema geralmente são muito críticas com elas mesmas, o que influencia negativamente o tratamento. “Essa é uma característica importante da depressão. Os pacientes são relutantes em ter autocompaixão, sentem que não merecem isso, chegam a ter aversão, e nós sabemos que a autocrítica elevada bloqueia as emoções positivas, afetando o humor, a conectividade com o mundo e a autoestima”, observa.

Para superar o comportamento aversivo em relação à autocompaixão, os pesquisadores apostaram na personificação virtual, uma estratégia que tem surtido bons efeitos em experimentos com veteranos de guerra. A criação e a identificação com avatares — os personagens que representam os pacientes na plataforma computadorizada — está ajudando ex-soldados a lidarem com ansiedade e transtorno pós-traumático nos Estados Unidos. “Quando o avatar substitui o corpo real em experiências de imersão na realidade virtual, geralmente gera uma ilusão de pertencimento desse corpo virtual. Algumas pessoas chegam a mudar a percepção de tamanho, sentindo-se mais altas ou mais baixas, por exemplo, ou mesmo com uma cor de pele diferente da que realmente tem”, exemplifica.

Devido a essa possibilidade de identificação, os cientistas desenvolveram, durante um mês, um teste de imersão virtual, aplicado em 15 voluntários de 23 a 61 anos e diagnosticados com depressão. Os participantes usaram um capacete especial para enxergar sob a perspectiva de um avatar de tamanho real. Ao olhar no espelho, em vez da própria imagem, viam a do personagem. “Assistir a esse corpo virtual se movendo da mesma forma que o próprio corpo produz a ilusão de que aquele é o corpo do paciente. Isso é o que chamamos de personificação”, explica Brewin.

Autocrítica

As sessões duravam oito minutos e eram realizadas três vezes por semana. No início, os voluntários foram treinados para, no corpo de um avatar adulto, interagir com uma criança virtual em desespero. À medida que o paciente conversava com a criança, ela parava de chorar, respondendo positivamente à atitude de compaixão. Minutos depois, era a vez de o participante ocupar o corpo virtual dessa criança e interagir com o avatar adulto, que o consolava com palavras e gestos gentis.

Os resultados foram medidos por meio de três estratégias de avaliação, inclusive uma escala de autocompaixão e autocrítica, na qual o participante tinha de imaginar alguns cenários, como “Você chega em casa e percebe que esqueceu as chaves no trabalho”, e dizer como se comportariam. Os pesquisadores também avaliaram o bem-estar em geral dos pacientes e o nível de aceitação com a compaixão alheia — um dos questionários, por exemplo, perguntava se a pessoa se sentia envergonhada quando era alvo de comiseração.

Esses testes foram aplicados duas semanas antes e depois da intervenção virtual. No fim, nove dos 15 participantes reportaram redução da depressão um mês depois do tratamento. Desses, quatro tiveram diminuição significa dos sintomas. “Entre essas pessoas, houve um aumento substancial da autocompaixão, com consequente redução de autocrítica”, conta Chris Brewin. “Alguns pacientes disseram notar benefícios muito positivos sobre o humor. Uma participante disse que a experiência permitiu que ela percebesse e aceitasse que todos somos humanos e vulneráveis, e que está tudo bem em se sentir vulnerável quando adulto. Isso demonstra que ela compreendeu a compaixão e que sofrer é parte da condição humana”, exemplifica o pesquisador.

Brewin conta que esse impacto da realidade virtual sobre pessoas com problemas psicológicos foi detectado outras vezes. “Em outros estudos, pacientes de diversas condições apresentaram resultados semelhantes, o que nos leva a crer que o cenário virtual poderá ajudar no tratamento de uma variedade de distúrbios, como alucinação, paranoia e até dor. Essas técnicas são extremamente promissoras”, observa.

Fobias
Para Elias Aboujaoude, psiquiatra da Universidade de Stanford (EUA) e não participante do estudo, a realidade virtual pode revolucionar o tratamento de alguns tipos de transtorno, especialmente as fobias. “Muitas pessoas têm medo de cobra, de viajar de avião e de cachorro, por exemplo. Essa tecnologia pode ser usada para simular essas situações, o que pode ser bem difícil ou até impossível de se fazer na vida real. Ao confrontar suas fobias no mundo virtual, os pacientes podem se livrar delas”, diz.

O pesquisador afirma que outra aplicação promissora é para o estresse pós-traumático, em que as vítimas de eventos estressantes são colocadas diante da situação desencadeadora do trauma, contudo em um ambiente seguro. Vice-presidente do Departamento de Psiquiatria da Universidade do Sul da Califórnia em Los Angeles (EUA), o psiquiatra David A. Baron lembra que, em uma época na qual a realidade virtual faz parte da vida de todos, em maior ou menor grau, os especialistas não podem desprezá-la como ferramenta no tratamento de diversas condições psiquiátricas e psicológicas.

Contudo, ele afirma que, no meio médico, ainda há preconceito em relação a essa tecnologia. “As novas gerações de psiquiatras e de outros profissionais da área de saúde que cresceram com entretenimento interativo se sentem muito bem com novidades, mas reportam não ter tempo para conhecer e testar novas técnicas. Era importante que a realidade virtual fosse abordada nos cursos de graduação”, diz. “Essas tecnologias estão aqui para ficar. Os psiquiatras precisam se sentir confortáveis com elas, inclusive para ajudar a testá-las nos consultórios”, avalia.

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