Parto domiciliar ainda é visto com receio no Brasil, mas Reino Unido oferece R$ 16 mil para mulheres que fizerem essa opção
Pesquisa 'Nascer no Brasil' mostra que apenas 5% dos partos que acontecem no país são naturais, ou seja, sem nenhuma intervenção
Valéria Mendes - Saúde Plena
Publicação:01/03/2016 09:30Atualização: 01/03/2016 10:22
A escolha do local de parto é um direito reprodutivo básico que contempla o respeito à autonomia e ao protagonismo da mulher. No Brasil, país campeão mundial em cesariana, o tema é ainda motivo de muita controvérsia entre os especialistas e não tem o apoio das sociedades de ginecologia e conselhos de medicina do país. No entanto, tanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) quanto a Federação Internacional de Ginecologistas e Obstetras (FIGO) reconhecem que, quando assistido por profissionais capacitados e habilitados, o parto em casa traz benefícios para as mulheres.
O assunto ganhou destaque na semana passada depois que o The Times divulgou que o National Health Service (NHS), o SUS do Reino Unido, ofereceria £ 3.000 (ou cerca de R$ 16.000) para as mães que optassem por dar à luz em casa. A reportagem pode ser lida na íntegra aqui.
A reportagem do jornal inglês afirma que 90% das mulheres que dão à luz a cada ano na Inglaterra têm seus bebês no hospital, mas apenas uma em cada quatro gestantes escolheu por isso. O NHS quer estimular que as mulheres, cientes de todas as suas opções, possam decidir pelo parto que mais lhe dá segurança. Obviamente o direito ao parto hospitalar está garantido para as que assim desejarem.
No caso do Brasil, em que uma em cada quatro mulheres relata ter sido vítima de violência obstétrica, que 12,5% dos bebês nascem prematuramente e que, na rede privada, a taxa de cesariana é de 84.6% frente a uma recomendação da OMS de, no máximo 15%, a decisão do NHS pode ajudar o país a encarar com menos preconceito e medo a ideia do parto domiciliar.
Todos esses números colocam o país num cenário delicado em relação não apenas ao excesso de cesarianas, mas também no abuso de intervenções no parto normal – como episiotomia de rotina, manobra de Kristeller, ocitocina sintética, anestesia (leia mais aqui). Por tudo isso, algumas brasileiras com receio de serem vítimas dessas práticas arraigadas na assistência obstétrica têm se sentido mais seguras optando pelo parto em casa.
A advogada Daniela Coelho Wykret, 34 anos, é mãe de Arthur, 2 anos e 3 meses, e de Heitor, 4 meses. O nascimento do primeiro filho foi em ambiente hospitalar e, quando ela engravidou do segundo, optou pelo parto em casa. “A mulher tem que ter o parto onde ela se sentir segura e eu queria a tranquilidade e o conforto de estar num ambiente meu, que não alterasse a rotina do meu outro filho. Mesmo eu tendo tido uma boa experiência com o parto hospitalar, a instituição do hospital tem um ar de hostilidade e a mulher não está isenta de intervenção. O hospital tem uma logística de funcionamento, tem a troca de plantão, as coisas têm que fluir com uma agilidade maior. Eu queria fugir da burocracia hospitalar e dos protocolos institucionais. E trabalho de parto não é rápido. Os meus dois partos duraram 17 horas cada um”, conta a advogada.
Daniela afirma que a experiência do parto domiciliar nem se compara com a hospitalar. “Você deita na sua cama, toma banho no seu banheiro”, cita. O nascimento do caçula, que veio ao mundo numa segunda-feira pela manhã, teve a participação do irmão. “O Arthur dormiu a noite toda. Quando ele acordou eu já estava na banheira, na fase mais latente do trabalho de parto. Na hora do expulsivo, ele estava na beirada da banheira e viu o Heitor nascer. Foi muito emocionante. Ficamos nós quatro curtindo o momento. O Heitor mamou primeiro. Em seguida, o Arthur mamou também”, relembra.
Parto domiciliar na Grande BH
Em Belo Horizonte e região metropolitana a opção pelo parto domiciliar já é uma realidade. Iniciado em 27 de dezembro de 2013, o programa do Hospital Sofia Feldman já soma 83 acompanhamentos. A taxa de transferência é de 11,7% e a principal razão (14%) é o desejo da mulher pela anestesia. Outros motivos são retenção placentária, hemorragia pós-parto e alteração nos batimentos cardíacos do bebê.
Para ter um parto em casa, a gestação tem que ser de baixo risco, ou seja, a mulher não pode ter pressão alta ou diabetes, ter o líquido amniótico normal, gravidez única, posição normal do bebê, feto em crescimento regular, nem ter positivo o teste que constata a existência da bactéria estreptococos, que pode causar infecções graves em mulheres grávidas e em recém-nascidos.
Outra exigência é que o domicílio precisar estar distante de, no máximo 40 minutos, de uma unidade hospitalar com equipamento necessário em caso de urgência. “As gestantes que querem o parto domiciliar querem fugir do sistema”, afirma Sintia Nascimento.
Além disso, segundo a enfermeira obstetra, a mulher se sente mais segura no ambiente domiciliar e, com isso, reduz-se o risco de intervenção desnecessária. “A fisiologia do corpo é respeitada e os estudos têm mostrado uma evolução no trabalho de parto mais rápida e também que a mulher que tem o parto em casa tem uma satisfação maior pela experiência do que as que tiveram seus bebês no hospital”, afirma.
Seis equipes integram o programa de parto domiciliar do Sofia Feldman. “Temos quatro instrutoras internacionais de urgências obstétricas. Para cada parto, a equipe é formada por duas enfermeiras obstetras, uma para mãe e outra para o bebê. O monitoramento é feito da mesma forma do que é realizado no hospital”, explica Sintia Nascimento.
A assistência é prestada 100% pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e toda a equipe é capacitada para emergências obstétricas e de pré-natal. No dia seguinte ao nascimento, as enfermeiras voltam à casa para fazer os testes do olho, do coraçãozinho e da bilirrubina (que detecta icterícia) no bebê.
A pesquisa 'Nascer no Brasil' mostra que apenas 5% dos partos que acontecem no país são naturais, ou seja, sem nenhuma intervenção.
"A experiência do parto domiciliar nem se compara com a hospitalar" - Daniela Coelho Wykret, 24 anos, teve Heitor (foto) em casa. O primeiro filho, Arthur, nasceu de parto natural hospitalar
O assunto ganhou destaque na semana passada depois que o The Times divulgou que o National Health Service (NHS), o SUS do Reino Unido, ofereceria £ 3.000 (ou cerca de R$ 16.000) para as mães que optassem por dar à luz em casa. A reportagem pode ser lida na íntegra aqui.
Saiba mais...
Enfermeira obstetra da equipe de parto domiciliar do Hospital Sofia Feldman, em Belo Horizonte, Sintia Nascimento dos Reis, afirma que as evidências científicas mostram que, para as gestantes de baixo risco, não existe diferença de desfecho materno e neonatal do ambiente hospitalar em relação ao domicílio. - Parto na água é experiência prazerosa e encontro com a natureza do corpo feminino
- Grávidas precisam se informar para evitar episiotomia desnecessária e 'ponto do marido' no parto vaginal
- O parto de Kate Middleton e as reflexões sobre dar à luz no Brasil
- Agora é lei: presença de doulas está garantida em maternidades de BH
- Empresa na Inglaterra vai dar folga para funcionárias que estiverem menstruadas
A reportagem do jornal inglês afirma que 90% das mulheres que dão à luz a cada ano na Inglaterra têm seus bebês no hospital, mas apenas uma em cada quatro gestantes escolheu por isso. O NHS quer estimular que as mulheres, cientes de todas as suas opções, possam decidir pelo parto que mais lhe dá segurança. Obviamente o direito ao parto hospitalar está garantido para as que assim desejarem.
No caso do Brasil, em que uma em cada quatro mulheres relata ter sido vítima de violência obstétrica, que 12,5% dos bebês nascem prematuramente e que, na rede privada, a taxa de cesariana é de 84.6% frente a uma recomendação da OMS de, no máximo 15%, a decisão do NHS pode ajudar o país a encarar com menos preconceito e medo a ideia do parto domiciliar.
"Ficamos nós quatro curtindo o momento" - Daniela, o marido e os dois filhos
Todos esses números colocam o país num cenário delicado em relação não apenas ao excesso de cesarianas, mas também no abuso de intervenções no parto normal – como episiotomia de rotina, manobra de Kristeller, ocitocina sintética, anestesia (leia mais aqui). Por tudo isso, algumas brasileiras com receio de serem vítimas dessas práticas arraigadas na assistência obstétrica têm se sentido mais seguras optando pelo parto em casa.
A advogada Daniela Coelho Wykret, 34 anos, é mãe de Arthur, 2 anos e 3 meses, e de Heitor, 4 meses. O nascimento do primeiro filho foi em ambiente hospitalar e, quando ela engravidou do segundo, optou pelo parto em casa. “A mulher tem que ter o parto onde ela se sentir segura e eu queria a tranquilidade e o conforto de estar num ambiente meu, que não alterasse a rotina do meu outro filho. Mesmo eu tendo tido uma boa experiência com o parto hospitalar, a instituição do hospital tem um ar de hostilidade e a mulher não está isenta de intervenção. O hospital tem uma logística de funcionamento, tem a troca de plantão, as coisas têm que fluir com uma agilidade maior. Eu queria fugir da burocracia hospitalar e dos protocolos institucionais. E trabalho de parto não é rápido. Os meus dois partos duraram 17 horas cada um”, conta a advogada.
Daniela afirma que a experiência do parto domiciliar nem se compara com a hospitalar. “Você deita na sua cama, toma banho no seu banheiro”, cita. O nascimento do caçula, que veio ao mundo numa segunda-feira pela manhã, teve a participação do irmão. “O Arthur dormiu a noite toda. Quando ele acordou eu já estava na banheira, na fase mais latente do trabalho de parto. Na hora do expulsivo, ele estava na beirada da banheira e viu o Heitor nascer. Foi muito emocionante. Ficamos nós quatro curtindo o momento. O Heitor mamou primeiro. Em seguida, o Arthur mamou também”, relembra.
Parto domiciliar na Grande BH
Em Belo Horizonte e região metropolitana a opção pelo parto domiciliar já é uma realidade. Iniciado em 27 de dezembro de 2013, o programa do Hospital Sofia Feldman já soma 83 acompanhamentos. A taxa de transferência é de 11,7% e a principal razão (14%) é o desejo da mulher pela anestesia. Outros motivos são retenção placentária, hemorragia pós-parto e alteração nos batimentos cardíacos do bebê.
Para ter um parto em casa, a gestação tem que ser de baixo risco, ou seja, a mulher não pode ter pressão alta ou diabetes, ter o líquido amniótico normal, gravidez única, posição normal do bebê, feto em crescimento regular, nem ter positivo o teste que constata a existência da bactéria estreptococos, que pode causar infecções graves em mulheres grávidas e em recém-nascidos.
Outra exigência é que o domicílio precisar estar distante de, no máximo 40 minutos, de uma unidade hospitalar com equipamento necessário em caso de urgência. “As gestantes que querem o parto domiciliar querem fugir do sistema”, afirma Sintia Nascimento.
Além disso, segundo a enfermeira obstetra, a mulher se sente mais segura no ambiente domiciliar e, com isso, reduz-se o risco de intervenção desnecessária. “A fisiologia do corpo é respeitada e os estudos têm mostrado uma evolução no trabalho de parto mais rápida e também que a mulher que tem o parto em casa tem uma satisfação maior pela experiência do que as que tiveram seus bebês no hospital”, afirma.
Seis equipes integram o programa de parto domiciliar do Sofia Feldman. “Temos quatro instrutoras internacionais de urgências obstétricas. Para cada parto, a equipe é formada por duas enfermeiras obstetras, uma para mãe e outra para o bebê. O monitoramento é feito da mesma forma do que é realizado no hospital”, explica Sintia Nascimento.
A assistência é prestada 100% pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e toda a equipe é capacitada para emergências obstétricas e de pré-natal. No dia seguinte ao nascimento, as enfermeiras voltam à casa para fazer os testes do olho, do coraçãozinho e da bilirrubina (que detecta icterícia) no bebê.
A pesquisa 'Nascer no Brasil' mostra que apenas 5% dos partos que acontecem no país são naturais, ou seja, sem nenhuma intervenção.
Daniela teve parto em casa com a equipe do Hospital Sofia Feldman