Você sabe por que o intestino é chamado de 'segundo cérebro'?
Intestino abriga milhares de neurônios e, além de metabolizar nutrientes essenciais para a saúde e excretar o que não serve, tem atividade endócrina, imunológica e neurológica
“Ele é chamado de segundo cérebro, pois tem uma complexa rede nervosa e neuronal em permanente comunicação com o cérebro. Recentemente, foi descoberto que o intestino contém células capazes de identificar o sabor dos alimentos. Existe uma comunicação constante do intestino com o cérebro e vice-versa. Um exemplo da influência do cérebro no intestino é que, em situações de estresse e ansiedade, as pessoas sofrem as alterações intestinais, aumentando a necessidade de ir várias vezes ao toalete ou apresentando reações opostas, como a paralisação do seu funcionamento”, indica a nutricionista Caroline Fernandes, especialista em saúde da mulher e nutrição gestacional.
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“Entre as numerosas funções que desempenha, ele recebe os nutrientes essenciais à nutrição, metaboliza-os (transforma em substâncias úteis), produz energia para o funcionamento de todo o corpo (inclusive o cérebro), participa de funções endócrinas (hormonais), cuida de nossa proteção (função imunológica) e excreta aquilo que não precisamos por meio das fezes. As funções são tão diversas e complexas que é chamado de segundo cérebro, pois comanda e faz interação com muitos outros órgãos”, esclarece.
E, apesar de as funções digestivas e absortivas serem as mais conhecidas, o professor acrescenta que o intestino ainda tem outras funções importantes. “Sem as funções do intestino, não temos a nutrição necessária para viver. Por meio do que comemos, obtemos energia, elementos essenciais à função de diversos órgãos (fígado, rins, cérebro, sistema imune, como o baço) e água. A entrada de água no organismo se dá apenas pelo que comemos. Água é o principal constituinte do corpo humano. Dessa forma, o intestino também ajuda a manter nossa colemia, ou seja, a quantidade de sangue que circula em nosso corpo. Por isso desidratamos quando temos diarreia e vômitos”, explica Campos.
‘Conversa’
Mas como se dá na prática essa conversa do cérebro com o intestino? De acordo com o coloproctologista, o órgão mais inteligente do sistema digestório/excretor é o intestino delgado, pois suas funções não dependem do sistema nervoso central (SNC). Como explica o médico, “o intestino executa suas tarefas sob a mediação de numerosos estímulos nervosos transmitidos pelo sistema nervoso entérico (SNE). Essa interação entre SNC e SNE gera motilidade intestinal (ou a inibe), modula a produção de secreções intestinais e de uma infinidade dos chamados entero-hormônios, com ação local e sistêmica. Um exemplo disso é a serotonina (5-hidroxitriptamina), que é encontrada e produzida por células intestinais, sanguíneas (plaquetas) e em do SNC. Ao interagir com nervos que saem e chegam ao intestino, a serotonina age como um neurotransmissor, transmitindo, de um lado, sensações como náuseas e desconforto e, de outro, é capaz de gerar motilidade e secreções intestinais”, explica.
O coloproctologista esclarece também que a serotonina é precursora da melatonina (hormônio do sono), havendo um predomínio de serotonina quando estamos em estado de alerta e da melatonina nos períodos de sono. “Ambas participam de sensações de bem-estar, otimismo, bom humor e funções de atenção e raciocínio”.
Já no intestino grosso, temos a chamada microbiota intestinal, ou seja, um grupo numeroso e diversificado de bactérias boas e ruins que convivem ali. Aproximadamente, 70% das células imunes estão presentes na mucosa intestinal. “Um intestino saudável, com a presença de bactérias boas, dificulta a proliferação e crescimento de micro-organismos oportunistas e patogênicos (os que causam doenças). Um tema muito discutido atualmente é a importância da microbiota intestinal – ela é formada geralmente por fatores como nascimento por parto normal, aleitamento materno e consumo adequado de dieta equilibrada e saudável”, diz a nutricionista.
Em situação de alimentação saudável, serão fornecidos substratos para que as ‘bactérias do bem’ se desenvolvam, haverá boa regulação do sistema imune e boa homeostase, ou seja, tudo em equilíbrio e funcionando bem. “Mas, ao adotar uma dieta desequilibrada, ela poderá levar ao desequilíbrio imunológico e à inflamação, causando distensão abdominal, dor, flatulência, constipação ou diarreia”, acrescenta Caroline.
PROBIÓTICOS
A especialista ressalta que um estudo realizado com mulheres saudáveis que ingeriram bebidas contendo probióticos (bactérias boas que atuam na melhora da função intestinal) mostrou por meio do exame de ressonância magnética que a oferta desse tipo de produto, em pouco tempo, pode modificar a reação emocional perante determinada situação.
“O intestino comporta-se também como um órgão endócrino. As células intestinais produzem, secretam e ativam peptídeos que agem no controle do apetite e saciedade e podem trazer benefícios, como a redução de peso corporal, melhorando o controle glicêmico e a sensibilidade à insulina.” Na prática, explica a nutricionista, significa que “a insulina vai agir de maneira mais eficiente no organismo. O pâncreas vai secretar menos insulina, e isso acarretará melhor controle da glicose no organismo”.
O médico Fábio Campos acrescenta que todas essas funções complexas são exercidas por todo o intestino. “Enquanto o delgado cuida mais das funções abortivas de nutrientes, o intestino grosso (cólon) tem mais funções excretoras. Mas a parte imunológica é exercida por todo o intestino. No cólon, a presença de inúmeras bactérias faz a maior parte da fermentação bacteriana sobre os carboidratos, gerando energia e substâncias essenciais ao organismo. É quando a microbiota intestinal se altera que podem surgir afecções como infecção intestinal e algumas doenças intestinais (síndrome do cólon irritável, doença de Crohn, retocolite ulcerativa etc.)”, indica Campos.
O QUE É NORMAL E O QUE É UM ALERTA DO ORGANISMO
O coloproctologista Fábio Guilherme Campos, presidente da Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SBCP) e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) alerta sobre os principais sintomas de que o organismo não vai bem e situações que são consideradas comuns pelos especialistas:
» ALERTAS
•Mudança brusca ou progressiva do hábito intestinal habitual e a presença de produtos patológicos nas fezes (muco e sangue);
•Uma diarreia que dure de uma a duas semanas deve ser investigada. Mas quando essa diarreia for recorrente por mais tempo, deverá ser cuidadosamente avaliada por um médico, a fim de detectar alguma doença que justifique o sintoma;
» SITUAÇÕES COMUNS
•O funcionamento intestinal de uma pessoa varia bastante. Pode-se ter como funcionamento normal um indivíduo que evacua de três a quatro vezes por dia até um indivíduo que demore de dois a três dias para evacuar;
•O importante é que, ao evacuar, a pessoa não tenha desconforto (dores abdominais, dor no reto, sangramento, necessidade de fazer muita força para evacuar) com essa
alteração intestinal.
» PROBLEMAS GRAVES
•O intestino também adoece. As doenças inflamatórias do intestino são a doença de Crohn, a retocolite ulcerativa; do megacólon, chapisco e idiopático; doença diverticular dos cólons, doenças funcionais, pólipos intestinais etc.
•O câncer do intestino é o câncer colorretal (do intestino grosso). Um tumor no intestino delgado é considerado raro.
•Frequentemente, a maioria dessas doenças é tratada por medicamentos, orientações alimentares e até cirurgia. Num determinado momento da evolução da doença, orientações alimentares podem se tornar fundamentais para controlar os sintomas.
•O exame mais frequentemente indicado para avaliar todo o intestino grosso é a colonoscopia. A colonoscopia não avalia o intestino delgado. Esse é mais bem avaliado por outro exame, que se chama enteroscopia, mas sua indicação é bem mais rara.
» SAÚDE INTESTINAL
•Para manter o intestino saudável, é preciso ter uma alimentação variada, contendo diferentes fontes de nutrientes (carboidratos, proteínas e gorduras), associada à ingestão frequente de água e líquidos (1,5 a 2 litros por dia). Muito importante também é a atenção aos estímulos intestinais, ou seja, responder à vontade de evacuar. Uma quantidade diária de 25g a 30g de fibras variadas deve ser adaptada à dieta.
•Evite alimentos industrializados, embutidos e conservas. Esses alimentos são irritantes da mucosa intestinal.
•Deve-se praticar atividade física regular; respeitar o funcionamento do intestino, não deixar a vontade de ir ao banheiro “passar” porque não está em casa e não gosta de usar outros banheiros. Não usar laxantes indiscriminadamente e sem orientação médica.
Duas de três brasileiras sofrem com alterações
Na prática, quem mais sofre com alterações intestinais são as mulheres, que relatam intestino preso. Para se ter uma ideia, duas a cada três brasileiras relatam ter problemas com o órgão. Os mais comuns são gases (57%), inchaço (56%), sensação de peso (46%) e prisão de ventre (26%). Mas o que leva a tanta indisposição? As causas mais comuns incluem má alimentação (77%), sedentarismo (45%), cansaço e falta de tempo (52%), longos períodos assentadas (40%) e estresse e aborrecimento (61%). Porém, o problema intestinal também pode ser invertido, se tornando solto e causando a diarreia.
Esses dados foram apresentados durante o 2º Congresso Brasileiro Pre, Pro e Simbióticos, em São Paulo, no fim de 2015. O Estudo SIM (saúde intestinal da mulher) coletou dados de 3.029 mulheres, em 10 cidades brasileiras de diversas regiões, e foi desenvolvido pela Federação Brasileira de Gastroenterologia. O objetivo era saber a quantas andava a saúde do intestino feminino e como a mulher reage aos problemas relacionados a esse órgão.
A nutricionista Caroline Fernandes salienta que o mapa desenhado pelo SIM deu um panorama interessante do perfil da saúde das brasileiras. “Desse estudo surgiu um dado alarmante, pois dois terços delas relataram problemas intestinais nos 15 dias anteriores ao questionário. As principais causas apontadas foram má alimentação (77%), estresse (61% eixo cérebro-intestino, indicando que o estresse emocional age sobre o intestino, causando diarreia ou prisão de ventre) e sedentarismo (45%).”
Queixas comuns
As principais queixasm segundo a nutricionista, foram gases, desconforto abdominal, sensação de peso e intestino preso. Das mulheres que relataram alteração no tempo de trânsito intestinal, 89% disseram que isso refletia em alterações do humor; 79%, que os problemas intestinais impactavam a vida sexual e, consequentemente, a autoestima, pois não conseguiam aproveitar o momento e ficavam inseguras, com medo de soltar gases durante a relação sexual.
“A maioria das mulheres relatou que não procurava ajuda médica, pois não considerava o problema como doença”, comenta a especialista, ressaltando que isso faz refletir sobre a importância da saúde intestinal. “Geralmente, as pessoas apontam para o intestino dizendo que ele é preguiçoso, que não funciona. Mas o intestino está ligado a todas as funções do corpo. É preciso que as pessoas se conscientizem da importância de cuidar desse órgão. É necessário cuidar da alimentação, praticar atividade física e investir na qualidade dos relacionamentos, diminuindo o estresse e a ansiedade.”
Um órgão maravilhoso
Doutoranda em microbiologia, Giulia Enders lançou em 2014 O discreto charme do intestino – tudo sobre um órgão maravilhoso, um livro que conta detalhadamente e de forma bem didática todo o caminho que os alimentos fazem desde que os colocamos na boca. Giulia aborda em sua publicação temas como a relação entre o funcionamento do intestino, depressão e sobrepeso; fala de alergias e intolerância; como os órgãos transportam os alimentos e o papel de cada um no processo de digestão dos alimentos; e, por fim, fala das bactérias presentes no organismo e seu papel na nossa saúde. Leitura interessante para quem quer compreender como seu corpo funciona.