Uma em cada cinco crianças nascidas no Brasil não faz o teste do pezinho; entenda a importância do exame
Diversas doenças, entre elas o hipotireoidismo congênito, que pode levar crianças ao retardo mental, são detectadas pelo simples exame feito no bebê ao nascer
Pedro Cerqueira
Publicação:29/03/2016 07:58Atualização: 29/03/2016 08:11
Estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa e Ensino Médico (Ipemed) mostrou que uma em cada cinco crianças nascidas no Brasil não faz o teste do pezinho, que serve para identificar algumas doenças, entre elas o hipotireoidismo congênito. A doença se caracteriza pela baixa produção dos hormônios T3 e T4 pela tireoide, os principais responsáveis pela regulação do metabolismo no organismo, que atuam desde a produção de energia para as atividades diárias até o desenvolvimento cerebral. A grande preocupação a respeito do hipotireoidismo congênito é que, se não for diagnosticado e tratado a tempo, pode causar, entre outros quadros, sequelas neurológicas permanentes.
Porém, em alguns locais do país a cobertura do teste do pezinho está bem abaixo dessa média. “Infelizmente, deixamos de diagnosticar muitos casos porque o Brasil é um país muito grande, com áreas cujo acesso geográfico é difícil, além de lugares onde o alcance aos serviços de saúde é difícil. O trabalho reflete bem nossa situação social”, explica o especialista, listando os locais em que a cobertura do teste do pezinho é menos abrangente: regiões mais remotas, como o Norte; bolsões de pobreza no Nordeste; e populações de vilas e favelas, onde não existe um bom suporte de saúde.
E como melhorar esse quadro? Para Cristiano, a principal ação seria estruturar melhor a assistência básica em saúde. Ele conta que as crianças que nascem em hospital têm acesso ao teste do pezinho, mas no Brasil ainda existe um índice elevado de crianças que nascem fora do ambiente hospitalar, principalmente em lugares mais carentes. “Essas crianças teriam que ser atingidas pela rede básica, pelos postos de saúde, pelos agentes comunitários de saúde. Elas estão sem cobertura de um cuidado que é simples, desde que esteja estruturado no sistema de saúde”, explica o endocrinologista.
DECISÃO POLÍTICA
Além disso, a pesquisa também mapeou onde está faltando a cobertura. Para o especialista, com vontade política e investimento do estado é possível ir atrás desses bolsões onde existem falhas na cobertura e fazer uma busca ativa desses casos. Na opinião dele, é muito mais barato estruturar um programa com esse perfil do que depois bancar todos os custos de um indivíduo com retardo mental, “fora a questão humana de se ter uma criança nesse estado que poderia ter sido tratada”.
Sintomas são similares aos de outras patologias
Como os sintomas do hipotireoidismo podem ser confundidos com os de outras doenças – como autismo, déficit de atenção, hiperatividade, ou mesmo com outras doenças que levam a sequelas neurológicas, como toxoplasmose, rubéola congênita e a microcefalia –, foi incluído no rol de doenças investigadas pelo teste do pezinho, junto com outras enfermidades cujo diagnóstico clínico é difícil. Os sintomas mais comuns são sonolência, preguiça, pele seca, intestino preso e ganho de peso. “Numa criança que não fez o teste do pezinho, ainda que visite regularmente um pediatra, pode passar até três consultas para que o médico perceba os sintomas da doença”, explica o endocrinologista pediátrico.
Outra dificuldade é que nessa faixa etária, nos menores de 3 anos, é muito difícil notar os sintomas porque a criança ainda não fala e não faz nenhuma atividade cognitiva mais exigente. Nesses casos, o médico deve ficar atento se o bebê tem desinteresse, se não pega objetos, se não senta ou se não balbucia nenhuma palavra. O médico relata que o acompanhamento da criança nos primeiros anos de vida está focado em três pontos principais: ganho de peso, crescimento e desenvolvimento.
RETARDO MENTAL
O problema é que, quando aparecem os sintomas na criança de até 3 anos, ela já está sequelada. Por isso o diagnóstico tem que ser feito antes da manifestação dos sintomas, por meio do teste do pezinho. Cristiano Albuquerque explica que, dependendo do tempo em que foi feito o diagnóstico, o retardo mental pode chegar até a um nível grave. Se for feito no início, pode resultar num retardo leve ou moderado, que atinge principalmente a parte cognitiva, caracterizada pela dificuldade de aprendizado, no comportamento agitado da criança, na memória e até por problemas de coordenação motora.
“São crianças que não vão conseguir ter o aprendizado escolar normal, não vão conseguir ler, por exemplo. Mas é lógico que, com o tratamento, com o estímulo adequado, com o fonoaudiólogo e o terapeuta ocupacional, podem melhorar. Parte do tecido nervoso cerebral não se regenera, por mais que você estimule”, relata Cristiano. A recuperação é considerável porque uma parte do cérebro ainda está a se formar, então quando o tratamento é iniciado, completa-se a formação daquela parte normal e uma pequena parte do que já foi lesado pode se recuperar.
O especialista afirma que se o retardo mental estiver num grau leve, com o tratamento a criança passa a falar, a sentar, a andar, recuperando grande parte dos problemas já instalados. Apesar disso, algumas sequelas cognitivas persistem, como uma criança que demora um pouco mais a aprender, demora para fazer uma conta, a ler um texto com fluência, mas capaz de concluir essas ações. O retardo grave, em que criança não consegue falar e andar, é muito raro.
Centro de referência está na UFMG
Quando se fala em hipotireoidismo congênito em Minas Gerais, é preciso citar o trabalho realizado pelo Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (Nupad), da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, conveniado pela Secretaria Estadual de Saúde para fazer o teste do pezinho e o controle do hipotireoidismo em todo o estado. Todas as amostras do teste do pezinho são encaminhadas para o Nupad, onde são processadas. Se o exame der positivo para hipotireoidismo, uma equipe de assistência social é acionada para identificar a criança no mesmo dia, entrando em contato com a família e agendando uma consulta em Belo Horizonte. Se a família for do interior, sem qualquer custo vem para a capital e fica hospedada numa casa de apoio. Uma ambulância leva a criança para a consulta e ela já sai dali com o remédio na mão. “Essa criança é acompanhada durante toda a infância. É um tratamento de Primeiro Mundo”, garante o endocrinologista Cristiano Albuquerque.
HIPOTIREOIDISMO ADQUIRIDO
. Além da forma congênita, existe o hipotireoidismo adquirido, cuja abordagem é diferente. Ele pode se manifestar em qualquer idade, mas é mais comum que ocorra na adolescência, além de ser mais prevalente no sexo feminino. Diferente do congênito, o hipotireoidismo adquirido é uma doença autoimune, geralmente de herança familiar, onde o organismo produz anticorpos que reconhecem a tireoide como um invasor. Esses anticorpos destroem as células da tireoide, que vai reduzindo a produção dos hormônios.
. O diagnóstico do hipotireoidismo adquirido é feito a partir dos seguintes sintomas: dificuldade de crescimento; prostração e sonolência excessiva; problemas escolares, como a dificuldade de raciocínio; e problemas físicos, como queda de cabelo, pele seca e intestino preso. Felizmente, na fase em que o hipotireoidismo adquirido se manifesta a formação do tecido cerebral já está concluída. Após os 3 anos de idade, o hipotireoidismo compromete o sistema nervoso, mas não de forma definitiva, afastando o risco de dano cerebral. O tratamento reverte totalmente os sintomas e não deixa sequelas.
TRATAMENTO
. Quando diagnosticado o hipotireoidismo, o tratamento é feito por meio de um hormônio sintetizado, a levotiroxina, que tem o mesmo efeito do T4 e do T3 e é praticamente isento de efeitos colaterais;
. É um comprimido que deve ser tomado em jejum para fazer a reposição do hormônio que a tireoide deveria produzir;
. O tratamento é para o resto da vida e vai fazer com que o indivíduo tenha uma vida normal;
. O medicamento para um mês custa em média entre R$ 15 e R$ 20, e está disponível no SUS para as pessoas que não têm condição de custear o tratamento.
A grande preocupação a respeito do hipotireoidismo congênito é que, se não for diagnosticado e tratado a tempo, pode causar, entre outros quadros, sequelas neurológicas permanentes
Saiba mais...
O endocrinologista pediátrico Cristiano Túlio Maciel Albuquerque, professor do Ipemed e coordenador do setor de endocrinologia dos hospitais infantis João Paulo II e São Camilo, em Belo Horizonte, avalia como alta a cobertura média nacional de 80% do exame do pezinho. Porém, devido à gravidade das sequelas do hipotireoidismo congênito, considera esse número abaixo do desejável. A pesquisa mostrou que existe um caso de hipotireoidismo congênito para quase 4 mil nascidos. Se imaginarmos o número de crianças que nascem no país, é um número muito grande de casos que acabam passando sem ser diagnosticados. Por isso a situação é preocupante até em Minas Gerais, onde a cobertura está em torno de 95%. “Hoje, em Minas Gerais, existem 3 mil crianças em tratamento. Se não fosse o teste do pezinho, seriam 3 mil crianças com retardo mental”, enumera o especialista.Porém, em alguns locais do país a cobertura do teste do pezinho está bem abaixo dessa média. “Infelizmente, deixamos de diagnosticar muitos casos porque o Brasil é um país muito grande, com áreas cujo acesso geográfico é difícil, além de lugares onde o alcance aos serviços de saúde é difícil. O trabalho reflete bem nossa situação social”, explica o especialista, listando os locais em que a cobertura do teste do pezinho é menos abrangente: regiões mais remotas, como o Norte; bolsões de pobreza no Nordeste; e populações de vilas e favelas, onde não existe um bom suporte de saúde.
E como melhorar esse quadro? Para Cristiano, a principal ação seria estruturar melhor a assistência básica em saúde. Ele conta que as crianças que nascem em hospital têm acesso ao teste do pezinho, mas no Brasil ainda existe um índice elevado de crianças que nascem fora do ambiente hospitalar, principalmente em lugares mais carentes. “Essas crianças teriam que ser atingidas pela rede básica, pelos postos de saúde, pelos agentes comunitários de saúde. Elas estão sem cobertura de um cuidado que é simples, desde que esteja estruturado no sistema de saúde”, explica o endocrinologista.
DECISÃO POLÍTICA
Além disso, a pesquisa também mapeou onde está faltando a cobertura. Para o especialista, com vontade política e investimento do estado é possível ir atrás desses bolsões onde existem falhas na cobertura e fazer uma busca ativa desses casos. Na opinião dele, é muito mais barato estruturar um programa com esse perfil do que depois bancar todos os custos de um indivíduo com retardo mental, “fora a questão humana de se ter uma criança nesse estado que poderia ter sido tratada”.
Sintomas são similares aos de outras patologias
Como os sintomas do hipotireoidismo podem ser confundidos com os de outras doenças – como autismo, déficit de atenção, hiperatividade, ou mesmo com outras doenças que levam a sequelas neurológicas, como toxoplasmose, rubéola congênita e a microcefalia –, foi incluído no rol de doenças investigadas pelo teste do pezinho, junto com outras enfermidades cujo diagnóstico clínico é difícil. Os sintomas mais comuns são sonolência, preguiça, pele seca, intestino preso e ganho de peso. “Numa criança que não fez o teste do pezinho, ainda que visite regularmente um pediatra, pode passar até três consultas para que o médico perceba os sintomas da doença”, explica o endocrinologista pediátrico.
Outra dificuldade é que nessa faixa etária, nos menores de 3 anos, é muito difícil notar os sintomas porque a criança ainda não fala e não faz nenhuma atividade cognitiva mais exigente. Nesses casos, o médico deve ficar atento se o bebê tem desinteresse, se não pega objetos, se não senta ou se não balbucia nenhuma palavra. O médico relata que o acompanhamento da criança nos primeiros anos de vida está focado em três pontos principais: ganho de peso, crescimento e desenvolvimento.
RETARDO MENTAL
O problema é que, quando aparecem os sintomas na criança de até 3 anos, ela já está sequelada. Por isso o diagnóstico tem que ser feito antes da manifestação dos sintomas, por meio do teste do pezinho. Cristiano Albuquerque explica que, dependendo do tempo em que foi feito o diagnóstico, o retardo mental pode chegar até a um nível grave. Se for feito no início, pode resultar num retardo leve ou moderado, que atinge principalmente a parte cognitiva, caracterizada pela dificuldade de aprendizado, no comportamento agitado da criança, na memória e até por problemas de coordenação motora.
“São crianças que não vão conseguir ter o aprendizado escolar normal, não vão conseguir ler, por exemplo. Mas é lógico que, com o tratamento, com o estímulo adequado, com o fonoaudiólogo e o terapeuta ocupacional, podem melhorar. Parte do tecido nervoso cerebral não se regenera, por mais que você estimule”, relata Cristiano. A recuperação é considerável porque uma parte do cérebro ainda está a se formar, então quando o tratamento é iniciado, completa-se a formação daquela parte normal e uma pequena parte do que já foi lesado pode se recuperar.
O especialista afirma que se o retardo mental estiver num grau leve, com o tratamento a criança passa a falar, a sentar, a andar, recuperando grande parte dos problemas já instalados. Apesar disso, algumas sequelas cognitivas persistem, como uma criança que demora um pouco mais a aprender, demora para fazer uma conta, a ler um texto com fluência, mas capaz de concluir essas ações. O retardo grave, em que criança não consegue falar e andar, é muito raro.
Centro de referência está na UFMG
Quando se fala em hipotireoidismo congênito em Minas Gerais, é preciso citar o trabalho realizado pelo Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (Nupad), da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, conveniado pela Secretaria Estadual de Saúde para fazer o teste do pezinho e o controle do hipotireoidismo em todo o estado. Todas as amostras do teste do pezinho são encaminhadas para o Nupad, onde são processadas. Se o exame der positivo para hipotireoidismo, uma equipe de assistência social é acionada para identificar a criança no mesmo dia, entrando em contato com a família e agendando uma consulta em Belo Horizonte. Se a família for do interior, sem qualquer custo vem para a capital e fica hospedada numa casa de apoio. Uma ambulância leva a criança para a consulta e ela já sai dali com o remédio na mão. “Essa criança é acompanhada durante toda a infância. É um tratamento de Primeiro Mundo”, garante o endocrinologista Cristiano Albuquerque.
HIPOTIREOIDISMO ADQUIRIDO
. Além da forma congênita, existe o hipotireoidismo adquirido, cuja abordagem é diferente. Ele pode se manifestar em qualquer idade, mas é mais comum que ocorra na adolescência, além de ser mais prevalente no sexo feminino. Diferente do congênito, o hipotireoidismo adquirido é uma doença autoimune, geralmente de herança familiar, onde o organismo produz anticorpos que reconhecem a tireoide como um invasor. Esses anticorpos destroem as células da tireoide, que vai reduzindo a produção dos hormônios.
. O diagnóstico do hipotireoidismo adquirido é feito a partir dos seguintes sintomas: dificuldade de crescimento; prostração e sonolência excessiva; problemas escolares, como a dificuldade de raciocínio; e problemas físicos, como queda de cabelo, pele seca e intestino preso. Felizmente, na fase em que o hipotireoidismo adquirido se manifesta a formação do tecido cerebral já está concluída. Após os 3 anos de idade, o hipotireoidismo compromete o sistema nervoso, mas não de forma definitiva, afastando o risco de dano cerebral. O tratamento reverte totalmente os sintomas e não deixa sequelas.
TRATAMENTO
. Quando diagnosticado o hipotireoidismo, o tratamento é feito por meio de um hormônio sintetizado, a levotiroxina, que tem o mesmo efeito do T4 e do T3 e é praticamente isento de efeitos colaterais;
. É um comprimido que deve ser tomado em jejum para fazer a reposição do hormônio que a tireoide deveria produzir;
. O tratamento é para o resto da vida e vai fazer com que o indivíduo tenha uma vida normal;
. O medicamento para um mês custa em média entre R$ 15 e R$ 20, e está disponível no SUS para as pessoas que não têm condição de custear o tratamento.