Um terço da população mundial se alimenta de forma inadequada, ou para mais ou para menos

Segundo consórcio de cientistas, um terço da população mundial segue dieta com excesso ou carência de calorias, ficando suscetível a problemas como obesidade e anemia. O relatório com dados de 193 países ressalta os progressos brasileiros

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Isabela de Oliveira - Correio Braziliense Publicação:28/06/2016 15:00Atualização:14/06/2016 16:43
A baixa adesão ao aleitamento explica o aumento de sobrepeso, que, segundo o relatório, atinge 7,3% das crianças brasileiras (AFP PHOTO)
A baixa adesão ao aleitamento explica o aumento de sobrepeso, que, segundo o relatório, atinge 7,3% das crianças brasileiras
Uma a cada três pessoas no mundo sofre com a má nutrição causada pela dieta com excesso ou carência calórica, revela o Relatório Nutrição Mundial 2016 (GNR), divulgado hoje por um consórcio internacional de cientistas formado por entidades da sociedade civil, governos e doadores privados. As consequências da alimentação desequilibrada somam perdas anuais de 10% do Produto Interno Bruto (PIB), um prejuízo maior do que o provocado pela crise mundial de 2008, por exemplo. O documento, que une dados de 193 países, aponta o Brasil como um exemplo que conseguiu, ao longo de décadas, melhorar os seus índices.

A chave foi o compromisso político e ações de organizações civis com saúde e direitos humanos, indica o relatório. Por exemplo, o país conseguiu reduzir a baixa estatura infantil, que saiu de 19% em 1989 para 7% em 2007. Isso coloca o Brasil em 15º lugar no ranking de 132 países no qual Alemanha ocupa a primeira posição (1,3%). Em Timor-Leste, por outro lado, 57,7% das crianças não crescem como deveriam. Globalmente, 159 milhões de meninos e meninas tinham baixa estatura em 2014. Com exceção de África e Oceania, o número têm diminuído no planeta.

Além disso, no Brasil de hoje, crianças abaixo do peso adequado não somam 2% do total da população infantil. O percentual posiciona o país no 17º lugar entre 130 nações, das quais Austrália tem os melhores índices: lá, não existem, segundo os dados coletados, crianças desnutridas. Sudão, por sua vez, tem os piores índices, com 22,7% dos pequenos excessivamente magros.

Esses esforços fizeram com que o Brasil cumprisse, em 2014, o primeiro objetivo do milênio: reduzir a miséria e a fome. Apesar disso, no mundo inteiro, inclusive aqui, a quantidade de crianças gordinhas se aproxima daquelas abaixo do peso ideal: em 2014, 50 milhões (7,5%) estavam abaixo do peso, enquanto 41 milhões (6,1%) estavam muito acima.
O sucesso das estatísticas brasileiras deve-se, dizem os autores, ao levantamento relativamente eficiente de dados. Foi por causa do mapa da fome desenhado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) ainda nos anos de 1990 que os programas de erradicação da fome puderam ser melhor organizados. Naquela época, o levantamento mostrou que existiam 32 milhões de brasileiros — ou 20% da população — em extrema necessidade. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2013, eram 7,2 milhões de brasileiros passando fome.

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Amamentação
Outro trunfo brasileiro apontado no relatório é a amamentação exclusiva até os 6 meses de idade, que saiu de 2% em 1986 para 39% em 2006. Houve, para isso, um esforço que começou nos anos de 1980, com o combate, por parte do governo, à publicidade da indústria alimentícia de substitutos do leite materno como matriz de todos nutrientes necessários ao bebê. Para frear a ação, em 1988, o Brasil adotou o próprio código de comercialização de substitutos do leite materno. Em 2006, o código virou lei.

Apesar disso, o aleitamento exclusivo ainda é baixo no país, se comparado com outras nações, como Ruanda, que tem 87% de adesão a esse tipo de amamentação. Além de violações à lei de 2006, como publicidade ilegal e rotulação inadequada dos substitutos do leite, Henrique Gomes, especialista em gastroenterologia pediátrica da Pediatria em Casa, em Brasília, destaca que brasileiras ainda têm percepções equivocadas sobre s amamentação.

“A maioria delas tem condições de amamentar, mas muitas ainda acreditam que têm ‘o leite fraco’ e deixam de alimentar seus filhos com essa fonte nutricional aos três meses, por exemplo. Acontece que, às vezes, o bebê não sabe pegar no bico do peito e fazer a sucção como deveria. Ele suga ar, não leite, o que machuca a mãe e dificulta que a criança consiga se alimentar direito. O resultado: a mulher abandona a amamentação por achar que não consegue fazer aquilo bem. Mas existem muitas formas de ela conseguir apoio para vencer essa dificuldade, que é normal”, detalha.

Sobrepeso infantil
O baixo aleitamento explica o aumento de sobrepeso, que, segundo o relatório, atinge 7,3% das crianças brasileiras. Com isso, o Brasil fica na 74ª posição na lista de 126 países classificados da menor para a maior prevalência de excesso de peso infantil. Com 23,4% dos pequenos mais gordinhos, a Albânia é a nação mais afetada por essa forma de má nutrição.

“Essas estatísticas têm relação com o que a mãe faz nos primeiros meses de vida, quando deixa de amamentar para dar farináceos, como maisena, e outros alimentos que não são necessariamente indicados ao bebê. Essa criança cresce mais gordinha e tem chances de se tornar um adulto também acima do peso”, explica Henrique Gomes. Os índices de sobrepeso ou obesidade brasileiros são parecidos com de outros 14 países, entre eles Argentina, Austrália, Colômbia, Alemanha, México, Estados Unidos e Uruguai.

Apesar da obesidade crescente, uma parcela importante dos brasileiros adultos está anêmica: 19,6% das mulheres em idade reprodutiva não têm glóbulos vermelhos suficientemente saudáveis, o que é uma das características da anemia. Isso coloca o Brasil em 44º lugar entre 185 nações. Com uma taxa de 11,9%, Estados Unidos são os melhores colocados nesse quesito, enquanto Senegal fica na lanterna com 57,5%.

Papel feminino
O relatório mostra que o empoderamento da mulher constitui um dos fatores importantes da má nutrição: mães com 18 anos ou menos são mais propensas a gerarem filhos de menor estatura, assim como crianças nascidas de mulheres sem ensino médio. Se as tendências atuais se mantiverem, o mundo não cumprirá as metas globais nutricionais firmadas na Assembleia Mundial de Saúde, da Organização Mundial de Saúde.

Presidente da Healthy Caribbean Coalition, um aglomerado com mais de 40 organizações não governamentais baseadas no Caribe e voltadas para a prática de atitudes saudáveis na região, Trevor Hassel observa que a má nutrição afeta sobretudo as populações vulneráveis. “A ingestão excessiva de energia com a redução da atividade física gerou uma epidemia de obesidade e sobrepeso relacionada com doenças não transmissíveis. Metas globais ambiciosas e de desenvolvimento sustentável devem ser definidas para abordar o tema”, diz Hassel. “Isso exige vontade política e liderança da mais alta ordem, apoiada por uma sociedade civil informada e capacitada e comprometida, além de um setor privado”.

Avante
A altura média no país aumentou 3cm de 1950 a 1980. No mesmo período, ingleses e norte-americanos cresceram 1cm. As medidas traduzem biologicamente o histórico do padrão de vida de um povo, permitindo que economistas façam, a partir delas, uma avaliação alternativa às medidas monetárias, tradicionalmente utilizadas para avaliar o desenvolvimento humano de um país.



Juventude sedentária
“Os exercícios físicos, além de promoverem a saúde do corpo, também são um fator protetor no desenvolvimento da saúde mental. Eles estimulam o sistema nervoso: os órgãos e os músculos enviam informações ao cérebro, ativando regiões como o sistema de recompensa, que libera serotonina e outras substâncias que geram prazer. O problema é que os adolescentes, sobretudo, são mais questionadores sobre os exercícios do que as crianças. Enquanto a criança faz esportes por ser legal e divertido, essa mesma diversão não motiva o adolescente, e isso aumenta a chance de sedentarismo, um hábito que pode ficar enraizado para toda a vida. Manter o peso ou a saúde mental, nesse sentido, às vezes não são considerados com a consciência que deveriam. Então, o interessante é apelar para a estética. É preciso dizer aos jovens que trabalhar esse aspecto vai ajudá-los a crescer melhor, e isso é uma vantagem. Os objetivos devem sempre atender os interesses deles, especialmente nessa fase da vida em que o corpo fica mais preguiçoso por desviar o eixo de gasto energético para o crescimento.”

Getúlio Bernardo Morato Filho, médico do adolescente e do esporte

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