Pesquisa sugere ingestão de micronutrientes para tratar depressão e hiperatividade
A abordagem polêmica é adotada por dois médicos brasileiros e, segundo estudos, pode reduzir as doses de medicações tradicionais
Isabela de Oliveira - Correio Braziliense
Publicação:12/07/2016 13:30Atualização: 12/07/2016 13:32
Na América do Sul, apenas dois médicos estão aptos a aplicar o protocolo de Walsh: o neurologista Raimundo Santos, no Rio de Janeiro, e o psiquiatra Honório Roberto Yamaguti, de São Paulo. “A ciência exige que tenhamos mente aberta e estejamos abertos a novos conhecimentos, e muitos estudos têm apontado um caminho promissor para esse tipo de tratamento”, diz Yamaguti. Ele pretende levar a abordagem para o Sistema Único de Saúde (SUS). Por enquanto, os exames são feitos apenas em laboratórios dos Estados Unidos pelo valor médio de US$ 300.
Com Carl Pfeiffer — indicado ao Prêmio Nobel por estudos em nutrigenômica e medicina molecular na década de 1980 —, Walsh listou um conjunto de sinais e sintomas que guiam a avaliação clínica. “Ao detectar o problema, pego o protocolo específico e introduzo nutrientes. Observo ao longo das semanas se o paciente responde e, se piorar, vou para o caminho oposto. Medicamentos psiquiátricos nunca perderão o seu lugar, nem durante esse procedimento. O papel deles em crises e em surtos é incontestável por agirem mais rápido para aliviar os sintomas do que os nutrientes. A importância deles é evidente, mas precisamos saber onde ela está”, diz Yamaguti.
A abordagem é polêmica e até perigosa, considera Antonio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). “Não existem recomendações internacionais que incluam essa estratégia como um tipo de tratamento. Também não há comprovação científica de que ela ofereça benefícios. Tudo isso pode ser achismo”, diz o psiquiatra. Segundo Emmanuel Fortes, terceiro vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), a estratégia não é incomum na medicina. “Médicos sempre usaram vitaminas D e C, e complexo B, em seus pacientes, o que não dispensa o tratamento clássico. Pode até acontecer de a pessoa diminuir as doses do medicamento, mas não há ainda correlação com os suplementos”, pondera Fortes, também coordenador da Câmara Técnica de Psiquiatria do CFM.
Neurotransmissores
Os estudos de Walsh, contudo, indicam ligação entre melhora e suplementação, apesar dos medicamentos. Um estudo que durou 12 meses e foi publicado em 2010 no Jornal do Australasian College of Nutritional and Environmental Medicine (ACNEM) mostrou que 44,9% de 567 pacientes com transtornos mentais diversos tiveram melhoras com medicação e suplementação. No grupo não tratado com os micronutrientes, 19% das pessoas relataram progresso. Walsh acredita que a sobrecarga ou a deficiência de micronutrientes altera o funcionamento dos neurotransmissores no cérebro, causando doenças.
Mas nem sempre os neurotransmissores estão envolvidos (veja arte). Em 2014, o cientista mostrou, no Congresso da Associação Americana de Psiquiatria, que a depressão pode ser dividida em cinco subtipos, sendo que três não estão relacionados com o neurotransmissor serotonina. “Isso significa que nem todos os casos de depressão devem ser tratados com medicamentos inibidores seletivos da recaptação da serotonina, drogas que aumentam a disponibilidade desse neurotransmissor”, diz. A análise contou com 300 mil amostras de testes de sangue e urina e 200 mil históricos médicos de 2,8 mil pacientes.
Coordenador do Ambulatório de Transtornos do Humor do Hospital Universitário de Brasília (HUB), o psiquiatra Fabiano Gomes diz que ainda é cedo para determinar como esses micronutrientes funcionam no organismo. “Sabemos que a dieta predispõe e/ou agrava os sintomas de doenças mentais, mas não sabemos exatamente como isso ocorre. Pode ser que seja uma influência na composição da microbiota, que interfere no metabolismo do organismo, mas pode também ser melhorando o funcionamento cerebral”, especula Gomes, membro da International Society for Nutritional Psychiatry Research.
Prevenção
Na incerteza, o especialista recomenda que as estratégias sejam preventivas. “Alguns colegas prescrevem, sim, micronutrientes. Mas essa não é uma abordagem amplamente difundida. Como coadjuvante, acredito que seja válida”, diz. Apesar dos efeitos cada vez mais estudados dos suplementos, a nutricionista Mariana Melendez Araújo, especialista em pesquisa clínica pela Faculdade de Medicina de Harvard (EUA), também não aconselha o tratamento de transtornos psiquiátricos apenas com nutrientes. “O medicamento tem ação curativa, enquanto o nutriente, ação protetora. O trabalho deve ser multidisciplinar e profiláxico. Se a pessoa sabe que tem histórico familiar para certas doenças da mente, deve fazer de tudo para evitar o adoecimento. A resposta pode estar na alimentação, mas antes que a doença se instale”, defende.
Walsh também prefere prevenir a remediar. “Crianças com distúrbios do comportamento são as que mais se beneficiam, porque o ambiente em que elas crescem é crucial para o desenvolvimento de problemas futuros. Mais tempo vivendo em desequilíbrio significa um problema agravado. Claro que há casos impossíveis, como o do assassino Charles Manson (fundador de um grupo que cometeu uma série de assassinatos que chocou os Estados no fim da década de 1960), que eu pude analisar. Independentemente da família, ele apresentaria o comportamento nocivo.”
Dimitri Gabriel Homar, diretor-presidente da regional Brasília da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), compartilha da opinião de que o tratamento nutricional de pacientes com graus acentuados da doença é mais difícil. “Esse ajuste deve ser feito desde cedo, com nutroterapia, não dieta. Nesse sentido, acho o trabalho de Walsh muito válido.”
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“Oferecer a mesma prescrição de medicamentos para indivíduos diferentes é como dizer que todos calçam o mesmo número de sapato”, diz o engenheiro químico William Walsh, cientista norte-americano que defende o tratamento e a cura de doenças psiquiátricas pelo equilíbrio de micronutrientes no organismo. Não que Walsh seja contra a ingestão de drogas psiquiátricas. “Mas nem todos os pacientes precisam usá-las e muitos dos que necessitam poderiam se beneficiar com doses menores”, ressalta o cientista, criador de um protocolo de tratamento de doenças mentais baseado na influência de alimentos e de suplementação sobre a epigenética, processo que regula a atividade dos genes sem alterar o código de DNA.Na América do Sul, apenas dois médicos estão aptos a aplicar o protocolo de Walsh: o neurologista Raimundo Santos, no Rio de Janeiro, e o psiquiatra Honório Roberto Yamaguti, de São Paulo. “A ciência exige que tenhamos mente aberta e estejamos abertos a novos conhecimentos, e muitos estudos têm apontado um caminho promissor para esse tipo de tratamento”, diz Yamaguti. Ele pretende levar a abordagem para o Sistema Único de Saúde (SUS). Por enquanto, os exames são feitos apenas em laboratórios dos Estados Unidos pelo valor médio de US$ 300.
Com Carl Pfeiffer — indicado ao Prêmio Nobel por estudos em nutrigenômica e medicina molecular na década de 1980 —, Walsh listou um conjunto de sinais e sintomas que guiam a avaliação clínica. “Ao detectar o problema, pego o protocolo específico e introduzo nutrientes. Observo ao longo das semanas se o paciente responde e, se piorar, vou para o caminho oposto. Medicamentos psiquiátricos nunca perderão o seu lugar, nem durante esse procedimento. O papel deles em crises e em surtos é incontestável por agirem mais rápido para aliviar os sintomas do que os nutrientes. A importância deles é evidente, mas precisamos saber onde ela está”, diz Yamaguti.
A abordagem é polêmica e até perigosa, considera Antonio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). “Não existem recomendações internacionais que incluam essa estratégia como um tipo de tratamento. Também não há comprovação científica de que ela ofereça benefícios. Tudo isso pode ser achismo”, diz o psiquiatra. Segundo Emmanuel Fortes, terceiro vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), a estratégia não é incomum na medicina. “Médicos sempre usaram vitaminas D e C, e complexo B, em seus pacientes, o que não dispensa o tratamento clássico. Pode até acontecer de a pessoa diminuir as doses do medicamento, mas não há ainda correlação com os suplementos”, pondera Fortes, também coordenador da Câmara Técnica de Psiquiatria do CFM.
Neurotransmissores
Os estudos de Walsh, contudo, indicam ligação entre melhora e suplementação, apesar dos medicamentos. Um estudo que durou 12 meses e foi publicado em 2010 no Jornal do Australasian College of Nutritional and Environmental Medicine (ACNEM) mostrou que 44,9% de 567 pacientes com transtornos mentais diversos tiveram melhoras com medicação e suplementação. No grupo não tratado com os micronutrientes, 19% das pessoas relataram progresso. Walsh acredita que a sobrecarga ou a deficiência de micronutrientes altera o funcionamento dos neurotransmissores no cérebro, causando doenças.
Mas nem sempre os neurotransmissores estão envolvidos (veja arte). Em 2014, o cientista mostrou, no Congresso da Associação Americana de Psiquiatria, que a depressão pode ser dividida em cinco subtipos, sendo que três não estão relacionados com o neurotransmissor serotonina. “Isso significa que nem todos os casos de depressão devem ser tratados com medicamentos inibidores seletivos da recaptação da serotonina, drogas que aumentam a disponibilidade desse neurotransmissor”, diz. A análise contou com 300 mil amostras de testes de sangue e urina e 200 mil históricos médicos de 2,8 mil pacientes.
Coordenador do Ambulatório de Transtornos do Humor do Hospital Universitário de Brasília (HUB), o psiquiatra Fabiano Gomes diz que ainda é cedo para determinar como esses micronutrientes funcionam no organismo. “Sabemos que a dieta predispõe e/ou agrava os sintomas de doenças mentais, mas não sabemos exatamente como isso ocorre. Pode ser que seja uma influência na composição da microbiota, que interfere no metabolismo do organismo, mas pode também ser melhorando o funcionamento cerebral”, especula Gomes, membro da International Society for Nutritional Psychiatry Research.
Prevenção
Na incerteza, o especialista recomenda que as estratégias sejam preventivas. “Alguns colegas prescrevem, sim, micronutrientes. Mas essa não é uma abordagem amplamente difundida. Como coadjuvante, acredito que seja válida”, diz. Apesar dos efeitos cada vez mais estudados dos suplementos, a nutricionista Mariana Melendez Araújo, especialista em pesquisa clínica pela Faculdade de Medicina de Harvard (EUA), também não aconselha o tratamento de transtornos psiquiátricos apenas com nutrientes. “O medicamento tem ação curativa, enquanto o nutriente, ação protetora. O trabalho deve ser multidisciplinar e profiláxico. Se a pessoa sabe que tem histórico familiar para certas doenças da mente, deve fazer de tudo para evitar o adoecimento. A resposta pode estar na alimentação, mas antes que a doença se instale”, defende.
Walsh também prefere prevenir a remediar. “Crianças com distúrbios do comportamento são as que mais se beneficiam, porque o ambiente em que elas crescem é crucial para o desenvolvimento de problemas futuros. Mais tempo vivendo em desequilíbrio significa um problema agravado. Claro que há casos impossíveis, como o do assassino Charles Manson (fundador de um grupo que cometeu uma série de assassinatos que chocou os Estados no fim da década de 1960), que eu pude analisar. Independentemente da família, ele apresentaria o comportamento nocivo.”
Dimitri Gabriel Homar, diretor-presidente da regional Brasília da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), compartilha da opinião de que o tratamento nutricional de pacientes com graus acentuados da doença é mais difícil. “Esse ajuste deve ser feito desde cedo, com nutroterapia, não dieta. Nesse sentido, acho o trabalho de Walsh muito válido.”