Nova droga traz benefícios cognitivos a pacientes com mal de Alzheimer

Anticorpo consegue reduzir o acúmulo da proteína beta amiloide no cérebro, uma das possíveis causas do mal degenerativo. Testes em larga escala devem começar daqui a quatro anos

Diminuir Fonte Aumentar Fonte Imprimir Corrigir Notícia Enviar
Vilhena Soares - Correio Braziliense Publicação:09/09/2016 15:00Atualização:10/09/2016 08:57
Clique na imagem para ampliá-la e saiba mais
Clique na imagem para ampliá-la e saiba mais
O mal de Alzheimer é uma das doenças que mais intrigam os especialistas, devido, principalmente, às dúvidas que permanecem a respeito de sua origem. Uma das hipóteses mais estudadas é a de que a enfermidade ocorre devido ao acúmulo da proteína beta amiloide no cérebro, um sinal observado em vários pacientes nos estágios iniciais do problema neurodegenerativo. Por isso, diversas tentativas de tratamento buscam uma forma de reverter essa aglomeração.
Uma das drogas atualmente testadas contra o acúmulo de beta amiloide é o aducanumab, anticorpo produzido naturalmente pelo organismo humano que, depois de clonado e reproduzido em laboratório, se transforma em medicamento injetável. Na edição desta semana da revista especializada Nature, pesquisadores dos Estados Unidos apresentam resultados animadores sobre os efeitos dessa terapia: ela conseguiu diminuir as placas da proteína tanto em ratos quanto em humanos diagnosticados há pouco tempo com Alzheimer.

“Evidências genéticas, neuropatológicas e biológicas sugerem fortemente que a segmentação de beta amiloide poderia ser benéfica para pacientes com Alzheimer, mas, até agora, as tentativas terapêuticas com esse objetivo não obtiveram sucesso”, lembram no estudo os autores, liderados por Alfred Sandrock, pesquisador da Universidade de Stanford, na Califórnia. “A falta de sucesso pode se dever à incapacidade dos anticorpos para engatar adequadamente em seu alvo ou no destino adequado no cérebro”, completam.

Testes

O que tornou o aducanumab promissor foram estudos anteriores que mostraram, justamente, sua capacidade de se ligar às placas de beta amiloide. Na nova pesquisa, o objetivo principal dos cientistas era testar sua segurança. Inicialmente, isso foi feito com ratos. A droga foi injetada em animais modificados geneticamente para apresentar acúmulo de beta amiloide. Exames posteriores mostraram que as células de defesa conseguiram penetrar no cérebro dos animais e reduzir a quantidade de placas.

O passo seguinte foi testar a terapia em humanos. Em um estudo do tipo duplo cego — no qual nem os cientistas nem os pacientes sabem quais participantes são de fato tratados e quais recebem placebo —, as doses de aducanumab foram injetadas mensalmente em 165 pessoas que apresentavam comprometimento cognitivo ou demência leves e cujos exames de imagem mostravam um pequeno acúmulo da proteína no cérebro.

Após 54 semanas de tratamento, constatou-se a redução das placas de beta amiloide. Além disso, doses mais elevadas do anticorpo foram associadas a uma queda maior no acúmulo de proteína e a um declínio cognitivo mais lento dos participantes. “Os resultados de estudos clínicos fornecem um suporte robusto para a hipótese biológica de que o tratamento com aducanumab reduz placas de beta amiloide no cérebro e, o mais importante, mostram que a redução das placas traz benefício clínico”, ressaltaram os autores no trabalho.

Cautela
Para Amauri Araújo Godinho, neurologista e neurocirurgião do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, destaca que os especialistas partiram de uma hipótese antiga que ainda está sob investigação. “Sabemos muito pouco sobre o Alzheimer. O acúmulo de beta amiloide já foi visto em pacientes com essa doença, mas esse é só um achado anatômico. Não sabemos se esses depósitos são a causa da doença ou se apenas um processo metabólico gerado por ela”, explica.

O especialista, que não participou do estudo, acredita que, apesar dos resultados positivos, mais análises precisarão ser realizadas. “O cérebro não possui anticorpos que lutam contra o acúmulo de beta amiloide por causa de uma barreira hematoencefálica, que impede que isso ocorra. Por isso, esses cientistas criaram um anticorpo para exercer essa função, que parece ter mostrado uma redução, mas isso é algo que só saberemos depois da morte dos pacientes testados. Somente uma análise cerebral completa mostrará, com certeza, que esses ganhos realmente ocorreram”, esclarece. “Mas isso não deixa de ser um resultado animador. Eu espero que dê certo”, completa o brasileiro.

Para os cientistas envolvidos no trabalho, o fato de os testes de segurança já terem apresentado um resultado tão positivo é realmente animador, mas sabem que o caminho a ser percorrido ainda é longo. Outras drogas tiveram um desempenho semelhante nessa fase e acabaram falhando nos testes de fase 3, quando a eficácia do medicamento é avaliada em grandes grupos de pacientes (leia Palavra de especialista). Esse teste de fogo para o aducanumab deve ocorrer por volta de 2020.


Entusiasmo controlado

“Este estudo é empolgante porque mostra um tratamento com anticorpos para a doença de Alzheimer que reduziu robustamente a beta amiloide em um pequeno grupo de pessoas em fases muito precoces da doença. Estou cautelosamente otimista, tentando não ficar muito animada, porque muitas drogas se comportaram da mesma forma nessa fase inicial de testes e, em seguida, passaram a falhar em ensaios maiores. Teremos que esperar e ver se os resultados relatados nesse trabalho se repetirão em uma próxima etapa, como mais pessoas, um tipo de ensaio que está em andamento em todo o mundo com outros tipos de drogas.”

Tara Spires-Jones, diretora interina do Centro de Cognição e Sistemas Neurais da Universidade de Edimburgo (Escócia),
em depoimento à Nature

COMENTÁRIOS

Os comentários são de responsabilidade exclusiva dos autores.