Mulheres estupradas pelo parceiro costumam não denunciar a violência sofrida
Vítimas carregam as sequelas psicológicas do sexo forçado. Pesquisa da ONU com 10 mil asiáticos indica que 24% deles admitem ter praticado o crime
Paulo Lima - Correio Brasiliense
Publicação:12/09/2013 10:30Atualização: 11/09/2013 10:09
Levantamento da Organização das Nações Unidas (ONU) com pouco mais de 10 mil homens de seis países da região Ásia-Pacífico indicou que 24% deles admitem ter estuprado uma mulher, incluindo a parceira, ao menos uma vez na vida (veja infográfico). No Brasil, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 41,2 mil casos de abuso sexual foram denunciados em 2010 — 168% a mais do que em 2005. Apesar do crescimento das queixas, especialistas acreditam que as vítimas do estupro cometido dentro de casa — que representa boa parte dos casos — continuam caladas.
Entre os resultados do silêncio e da violência, segundo o psiquiatra forense Talvane de Moraes, está o impacto negativo à saúde mental. As mulheres violentadas ficam tão fragilizadas que os estragos chegam a comprometer o recomeço daquelas que optam pela separação. “É o que chamamos de estresse pós-traumático, quando a mulher não consegue superar o ocorrido, influenciando de forma negativa a vida sexual futura, já que pensa não poder encontrar ninguém que a trate com carinho”, explica o membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). “Se a pessoa tiver histórico de baixa autoestima, pode até atentar contra a própria vida”, complementa.
Emma Fulu, especialista em pesquisa de parcerias para a prevenção da violência em Bangkok, na Tailândia, chama atenção para outra implicação à saúde da mulher causada pelo parceiro que pratica a violência sexual fora de casa. “Se pensarmos nas implicações significativas para infecções causadas por doenças sexualmente transmissíveis em razão da penetração no estupro, a mulher fica ainda mais vulnerável. E isso incluiu o HIV”, alerta a participante do estudo publicado na Lancet.
Apoio psicológico, incluindo a reeducação do comportamento sexual, faz parte do apoio necessário à vítima do abuso sexual. Segundo Talvane de Moraes, a maioria se sente inibida, achando que outros homens repetirão a violência. “O indicado é a psicoterapia e, nos casos de depressão profunda, podem ser receitados medicamentos.” O psiquiatra também chama a atenção para o comprometimento psicológico e social do abusador. “São geralmente pessoas que acham que não têm condições para entrar em um jogo de sedução. Por isso, recorrem à força física para ter uma relação sexual”, explica.
Ana Carla* diz que fala sobre o assunto com as amigas e que muitas delas vivem o mesmo problema. “Mas não vou colocar meu casamento a perder por causa disso. Sei que é considerado crime, mas, assim como tantas outras, é melhor passar uma borracha até a noite seguinte”, confessa. De acordo com Aparecida Gonçalves, secretária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres (SPM), o silêncio também passa por questões econômicas e culturais. “A maioria não denuncia porque tem medo. Ainda existe a questão cultural de servir, de o sexo ser uma obrigação. Mas tem que existir a concepção de que a relação sem consentimento é crime e deve ser levada às autoridades competentes.”
“Interesse universal”
A sondagem feita pela ONU durou quatro anos. Agentes visitaram lares de áreas urbanas e rurais de Bangladesh, Camboja, China, Indonésia, Papua-Nova Guiné e Sri Lanka. Eles não perguntaram aos 10 mil participantes se haviam cometido algum estupro, mas, por exemplo, se já haviam forçado uma mulher que não era a esposa ou namorada a ter relações sexuais.
Onze por cento dos entrevistados relataram ter cometido o crime ao menos uma vez na vida. A taxa subiu para 24% quando foram consideradas a esposa, a noiva ou a namorada. Os pesquisadores constaram ainda que homens com histórico de vitimização, especialmente abuso sexual na infância ou coagidos sexualmente, tinham mais probabilidade de cometer o crime.
Emma Fulu avalia que os resultados são uma prova robusta da extensão, da natureza e do efeito da violência praticada contra as mulheres, o que faz necessário o reforço na prevenção desse tipo de crime. “Essa é uma pesquisa com resultados notáveis e de interesse universal porque metade da população do mundo vive nas regiões estudadas, e, embora os países sejam culturalmente diversos, não teve diferenciações significativas quanto ao abuso sexual. Seguimos normas éticas e de segurança internacionais rigorosas que permitiram aos homens responderem às perguntas sobre estupro. Se o crime vem acontecendo dentro de casa, é preciso repensar a estrutura da família”, avalia.
* Nome fictício a pedido da entrevistada
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“Fico retraída e me esquivo, mas, no fim, acabo cedendo. Boa parte das vezes machuca, e isso acontece com mais frequência quando ele bebe. Para evitar discussões, fico imóvel. Só tenho vontade de que acabe logo.” Casada há 10 anos e mãe de três filhos, Ana Carla* é violentada por quem ama. A história de abuso sexual na casa em Valparaíso, em Goiás, repete-se nos lares do Brasil e do resto do mundo e causa, além de danos físicos, sequelas emocionais, como pânico, angústia profunda e depressão.- Mais de um terço dos assassinatos de mulheres são cometidos pelo companheiro
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Levantamento da Organização das Nações Unidas (ONU) com pouco mais de 10 mil homens de seis países da região Ásia-Pacífico indicou que 24% deles admitem ter estuprado uma mulher, incluindo a parceira, ao menos uma vez na vida (veja infográfico). No Brasil, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 41,2 mil casos de abuso sexual foram denunciados em 2010 — 168% a mais do que em 2005. Apesar do crescimento das queixas, especialistas acreditam que as vítimas do estupro cometido dentro de casa — que representa boa parte dos casos — continuam caladas.
Entre os resultados do silêncio e da violência, segundo o psiquiatra forense Talvane de Moraes, está o impacto negativo à saúde mental. As mulheres violentadas ficam tão fragilizadas que os estragos chegam a comprometer o recomeço daquelas que optam pela separação. “É o que chamamos de estresse pós-traumático, quando a mulher não consegue superar o ocorrido, influenciando de forma negativa a vida sexual futura, já que pensa não poder encontrar ninguém que a trate com carinho”, explica o membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). “Se a pessoa tiver histórico de baixa autoestima, pode até atentar contra a própria vida”, complementa.
Emma Fulu, especialista em pesquisa de parcerias para a prevenção da violência em Bangkok, na Tailândia, chama atenção para outra implicação à saúde da mulher causada pelo parceiro que pratica a violência sexual fora de casa. “Se pensarmos nas implicações significativas para infecções causadas por doenças sexualmente transmissíveis em razão da penetração no estupro, a mulher fica ainda mais vulnerável. E isso incluiu o HIV”, alerta a participante do estudo publicado na Lancet.
Apoio psicológico, incluindo a reeducação do comportamento sexual, faz parte do apoio necessário à vítima do abuso sexual. Segundo Talvane de Moraes, a maioria se sente inibida, achando que outros homens repetirão a violência. “O indicado é a psicoterapia e, nos casos de depressão profunda, podem ser receitados medicamentos.” O psiquiatra também chama a atenção para o comprometimento psicológico e social do abusador. “São geralmente pessoas que acham que não têm condições para entrar em um jogo de sedução. Por isso, recorrem à força física para ter uma relação sexual”, explica.
Ana Carla* diz que fala sobre o assunto com as amigas e que muitas delas vivem o mesmo problema. “Mas não vou colocar meu casamento a perder por causa disso. Sei que é considerado crime, mas, assim como tantas outras, é melhor passar uma borracha até a noite seguinte”, confessa. De acordo com Aparecida Gonçalves, secretária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres (SPM), o silêncio também passa por questões econômicas e culturais. “A maioria não denuncia porque tem medo. Ainda existe a questão cultural de servir, de o sexo ser uma obrigação. Mas tem que existir a concepção de que a relação sem consentimento é crime e deve ser levada às autoridades competentes.”
“Interesse universal”
A sondagem feita pela ONU durou quatro anos. Agentes visitaram lares de áreas urbanas e rurais de Bangladesh, Camboja, China, Indonésia, Papua-Nova Guiné e Sri Lanka. Eles não perguntaram aos 10 mil participantes se haviam cometido algum estupro, mas, por exemplo, se já haviam forçado uma mulher que não era a esposa ou namorada a ter relações sexuais.
Onze por cento dos entrevistados relataram ter cometido o crime ao menos uma vez na vida. A taxa subiu para 24% quando foram consideradas a esposa, a noiva ou a namorada. Os pesquisadores constaram ainda que homens com histórico de vitimização, especialmente abuso sexual na infância ou coagidos sexualmente, tinham mais probabilidade de cometer o crime.
Emma Fulu avalia que os resultados são uma prova robusta da extensão, da natureza e do efeito da violência praticada contra as mulheres, o que faz necessário o reforço na prevenção desse tipo de crime. “Essa é uma pesquisa com resultados notáveis e de interesse universal porque metade da população do mundo vive nas regiões estudadas, e, embora os países sejam culturalmente diversos, não teve diferenciações significativas quanto ao abuso sexual. Seguimos normas éticas e de segurança internacionais rigorosas que permitiram aos homens responderem às perguntas sobre estupro. Se o crime vem acontecendo dentro de casa, é preciso repensar a estrutura da família”, avalia.
* Nome fictício a pedido da entrevistada