Cientistas dos EUA criam anel vaginal que evita a gravidez e reduz os riscos de infecção pelo HIV

Para especialistas, o dispositivo pode funcionar como um método extra de prevenção também contra herpes simples

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Bruna Sensêve - Correio Braziliense Publicação:14/11/2013 13:00Atualização:14/11/2013 13:34
Com a estratégia de liberar gradativamente pequenas quantidades de hormônios já em contato com o organismo feminino, o anel vaginal se tornou uma alternativa para mulheres que não se adaptam à pílula anticoncepcional ou a métodos mais invasivos para evitar a gravidez, como o dispositivo intrauterino (DIU) e os implantes epidérmicos. Uma nova proposta promete turbinar a tática com um combo protetor contra infecções pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e da herpes simples 2 (HSV-2). A intenção é manter a função contraceptiva do dispositivo, conferindo a ele uma ação tripla. Especialistas alertam, porém, que esse dispositivo, se comercializado, não é capaz de substituir o uso da camisinha, que evita o contágio de uma gama maior de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs).

Clique para ampliar e entender o efeito do anel vaginal (Valdo Virgo / CB / DA Press)
Clique para ampliar e entender o efeito do anel vaginal
O trabalho é liderado por pesquisadores da Conrad — uma organização voltada para a pesquisa científica e sem fins lucrativos ligada ao Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Escola de Medicina de Eastern Virginia, nos Estados Unidos. O grupo é especializado em tecnologias de prevenção multifuncional (MPTs, em inglês), isto é, dispositivos de barreira usados com um gel ou um filme que têm uma combinação de anticoncepcionais, microbicidas e ou propriedades de anti-infecções sexualmente transmissíveis. O composto, portanto, atua com diferentes mecanismos que agem para evitar a gravidez, o HIV e ou outras DSTs.

Esse é o caso do anel vaginal apresentado ontem na Reunião Anual e Exposição da Associação Americana de Cientistas Farmacêuticos (AAPS) de 2013, em San Antonio, no estado norte-americano do Texas. A substância usada nos anéis intravaginais é composta por levonorgestrel (contraceptivo) e tenofovir (antirretroviral e microbicida). Os experimentos consistiram na liberação desse composto em células humanas in vitro, além de estudos farmacocinéticos em coelhos e ovelhas durante três meses — período máximo de permanência do dispositivo no organismo.

Os níveis de droga absorvidos foram comparados aos observados em outros estudos com o gel de tenofovir. Os dados coletados mostraram que as taxas de tenofovir entregues no tecido alvo a partir do anel intravaginal são similares ou superiores ao que foi constatado nos experimentos com o gel. A liberação do agente contraceptivo também foi consistente com os níveis esperados e já observados como eficientes para a contracepção.

“Até agora, o tenofovir é o único microbicida que foi comprovadamente eficaz na redução da infecção pelo HIV quando usado topicamente. É importante desenvolver uma variedade de mecanismos de entrega dele a fim de atender as necessidades de diferentes mulheres”, diz Meredith Clark, pesquisadora principal do projeto. “O anel é o primeiro dispositivo a ser testado em mulheres que vai oferecer contracepção, bem como a prevenção do HIV e herpes.” Clark divulgou os dados pré-clínicos que precedem os testes em humanos, previstos para o próximo ano. A especialista destaca ainda o potencial do dispositivo para permanecer no corpo por um período muito maior que o anel convencional: 90 dias em vez de 30.

Riscos permanecem
A intenção é de que a aderência ao tratamento preventivo aumente com a aprovação do novo método. De acordo com especialistas, o uso do gel microbicida tem sido pouco aceito pelas mulheres devido à forma de entrega do composto. O ginecologista do Hospital Sírio-Libanês Alexandre Pupo Nogueira considera que os cientistas uniram duas estratégias de proteção muito interessantes, contracepção e anti-infecção, mas, segundo ele, é preciso reforçar que o tenofovir não é capaz de eliminar o risco de contágio. “Com o anel, existem a contracepção e alguma prevenção contra o HIV e o herpes, mas um benefício que não é 100% e isso os próprios pesquisadores colocam.”

Nogueira ressalta ainda que, ao pensar em DSTs, não se pode considerar somente o HIV e o herpes. “Temos outras DSTs, como a hepatite B e a gonorreia. Há doenças que são menos importantes do ponto de vista social, mas que têm bastante significância para o paciente. A clamídia, por exemplo, pode obstruir a trompa e levar à esterilidade.” O especialista considera que, enquanto não houver um método que seja tão eficaz quanto a camisinha na prevenção de todas as DSTs, estratégias como a proposta pela Conrad precisam ser tratadas como uma proteção extra.

Para o ginecologista, ainda é prematuro considerar a aplicação em humanos, já que os testes ainda não foram iniciados. O processo de testes clínicos é longo e ele estima que são necessários mais de cinco anos para que o anel de tripla proteção chegue às prateleiras. O que precisa ser avaliado pelos cientistas, segundo Nogueira, é se o tenofovir consegue o mesmo nível de proteção do gel com o anel intravaginal. “Ainda assim, vejo com muito bons olhos a busca por alternativas de prevenção à infecção pelo HIV. É a medicina e a ciência funcionando na sua forma mais pura, ou seja, devagar, vamos ganhando conhecimento que é aplicado no dia a dia e desenvolvendo métodos cada vez melhores para prevenir, identificar e tratar as doenças.”

Além do anel intravaginal, a Conrad testará um tipo de diafragma apenas com o gel tenofovir. O método pode ser mais favorável à utilização da substância. O diafragma também é um anel flexível, mas recoberto por uma película de borracha ou silicone, e colocado pela mulher dentro da vagina até cinco horas antes da relação sexual. Utilizados em conjunto, o diafragma e o gel oferecem contracepção e potencial para reduzir infecções por HIV e HSV-2, como um sistema de fornecimento por demanda de proteção imediata. Os dispositivos multifuncionais também serão apresentados, nesta semana, na Conferência Internacional sobre Planejamento Familiar, em Addis Abeba, na Etiópia

Infecção reduzida
Um grande estudo denominado Caprisa 004, divulgado em março de 2010, analisou o nível de proteção que um gel com 1% de antirretroviral poderia conferir a mulheres quando aplicado antes e depois da relação sexual. Cerca de 900 jovens foram consideradas em risco de contrair a infecção pelo HIV e a elas foi oferecida a utilização do gel, sendo que metade das pacientes recebeu o microbicida e a outra metade, placebo. As participantes tiveram que aplicar a primeira dose do gel dentro de 12 horas antes da relação sexual e a segunda dose 12 horas depois. Os resultados apontaram que o risco de infecção pelo HIV foi reduzido de 39% a 54% e chegou a 51% de proteção contra o HSV-2.

Autonomia feminina
“Na realidade, com essa estratégia, você aumenta o interesse da mulher em usar o método preventivo porque ele vai ter a função de reduzir, ao mesmo tempo, as infecções do HIV e do herpes, além de contar com o efeito contraceptivo. Obviamente não substitui o preservativo. Devemos considerar um fator de autonomia feminina importante. Colocar o anel parte de uma decisão da mulher, enquanto o preservativo é uma decisão do homem. A frente de trabalho que desenvolve novas tecnologias para prevenção visa deter a epidemia. Com isso, seremos capazes de diminuir a transmissão a ponto que consigamos estabilizar o número de pacientes com o HIV, tratá-los adequadamente e reduzir a transmissão.”

Alberto Chebabo,
infectologista do Laboratório Exame e do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da Universidade do Rio de Janeiro

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