Mais de um terço dos assassinatos de mulheres são cometidos pelo companheiro
Novo protocolo vai orientar governos a melhorar atendimento às vítimas de agressão
Vilhena Soares - Correio Braziliense
Publicação:21/06/2013 12:40Atualização: 21/06/2013 12:45
O maior inimigo de uma mulher pode estar dentro da casa dela. É o que mostram dados divulgados em um levantamento feito por membros da Organização Mundial da Saúde (OMS), em parceria com o Conselho Sul-Africano de Pesquisa Médica (MRC, na sigla em inglês) e a Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres (LSHTM, também em inglês). Segundo o trabalho, em todo o planeta, 38% dos assassinatos de mulheres são cometidos pelos parceiros íntimos das vítimas. Além disso, 30% da população feminina mundial já sofreu algum tipo de abuso físico ou sexual do parceiro, do marido ou do namorado, sendo que 42% delas sofreram lesões consideradas graves. Publicado na edição desta semana da revista Science, o relatório utilizou 141 estudos feitos em 81 países.
Segundo Karen Devries, epidemiologista social da LSHTM e uma das responsáveis pelo trabalho, apesar de haver diferenças regionais nos índices, o problema é observado em níveis muito altos em todas as regiões do globo (veja mapa abaixo). “Houve muitos estudos dedicados a medir o fenômeno. Nosso trabalho é a síntese global mais abrangente. As diferenças constatadas refletem muitos fatores, incluindo questões socioeconômicas e culturais, possibilidade de acesso à educação secundária, oportunidades de emprego e normas sociais sobre a aceitabilidade da violência”, diz ao Correio.
Ela explica que, além de mostrar a dimensão do problema, o levantamento busca apontar caminhos para reduzi-lo. “Realizamos essa pesquisa para ajudar a informar e a orientar os esforços políticos para diminuir a violência contra mulheres e meninas”, acrescenta. Assim, o levantamento mostra, segundo ela, que a violência não é inevitável, podendo ser prevenida. Na África do Sul, por exemplo, um programa de fortalecimento econômico e social para as mulheres reduziu as agressões por parceiro íntimo em mais da metade.
Outras medidas adotadas por governos que se mostram eficazes são serviços sociais, como abrigos, atendimento psicológico e jurídico. Acompanhamento pré-natal e testes de HIV também são estratégias que podem resultar em impactos positivos, quando realizados em ambientes privados e por profissionais treinados para abordar o assunto da violência doméstica com as pacientes. No caso de agressão sexual, ambientes de cuidados de saúde devem estar preparados para dar uma resposta abrangente às mulheres, para que elas possam lidar física e emocionalmente com as consequências.
O impacto do mal sobre a saúde das mulheres também preocupa. É comum, entre as vítimas, problemas graves como quebra de ossos, contusões, contratempos na gravidez e depressão, além de outras doenças mentais. Devries enfatiza que, por conta disso, é urgente a necessidade de um melhor atendimento, que identifique o problema, já que muitas buscam cuidados médicos sem revelar a causa de seus ferimentos. “A OMS está emitindo novas diretrizes para os serviços de saúde, para que os profissionais da área possam proporcionar um melhor apoio para as vítimas. Mas ainda há muito trabalho a ser feito a fim de entender a melhor forma de prevenir a violência por parceiro íntimo em diferentes contextos”, informa Devries.
Alerta importante
Para Ana Paula Portella, socióloga da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a pesquisa é de grande importância, pois se trata de um trabalho feito por especialistas que buscaram mostrar índices globais. “Esse grupo responsável tem muitos trabalhos feitos na área. Já fiz pesquisas com algumas das participantes, que têm muito conhecimento em estudos de gênero. Acredito que um panorama como esse vai ajudar a implantar as políticas necessárias nos locais certos, pelos órgãos responsáveis de cada região, e observar se eles realmente funcionam”, destaca.
A especialista também concorda com as medidas recomendadas no relatório, e acredita que programas de combate à violência e apoio às vítimas são necessários. “Muitos países têm adotado ações, mas precisamos que esses serviços aumentem, que o atendimento seja mais especializado e que as vítimas, por exemplo, tenham abrigo caso precisem sair de casa. Por isso é importante investir na educação, para que elas possam evoluir e ter uma independência financeira”, destaca Portella.
Brasil
No Brasil, de acordo com a Secretaria de Proteção à Mulher (SPM), 70% dos casos de agressão contra as mulheres são cometidos pelo companheiro ou cônjuge da vítima. Acrescentando ainda outros vínculos afetivos, como ex-marido, namorado e ex-namorado, o índice sobre para 89%. Uma das ferramentas utilizadas para prestar apoio é o Disque 180, número de telefone criado para receber denúncias de maus tratos e informações das vítimas que buscam se livrar se um agressor, e que também disponibiliza os serviços para mulheres que vivem no exterior. O Ministério da Saúde também possui centros de atendimento à violência doméstica para mulheres e adolescentes em todo o país, preparados para receber denúncias e dar apoio às famílias que sofrem com os abusos dentro de casa. Procurada, a SPM não quis falar com a reportagem.
Para Pedro Bodê, coordenador do Centro de Estudos de Segurança Pública e de Direitos Humanos da Universidade Federal do Paraná (UFPR), os números são preocupantes, já que a violência que ocorre dentro de casa pode desencadear outras agressões. “A violência frequente em ambiente doméstico, contra crianças e mulheres, ocorre no que chamamos, sociologicamente, de espaços de responsabilidade primária. É lá que outros atos podem ser desencadeados, já que as crianças têm suas primeiras experiências nesse ambiente e podem ficar traumatizadas com o que presenciam”, destaca.
As medidas de saúde, recomendadas no relatório, podem ajudar a combater esses altos números de violência, mas devem ser feitos em conjunto, acredita o especialista. “Medidas que tratam o alcoolismo, por exemplo, são importantes, já que muitos homens agridem a mulher por conta desse problema. Mas elas devem ser combinadas com outras, como acesso a abrigo em caso de fim de relacionamento, estudo, atendimento especializado em centros médicos, entre outras. Esses serviços são essenciais para que esses números que observamos agora possam ser reduzidos”, destaca Bodê.
Além de mostrar a dimensão do problema, o levantamento busca apontar caminhos para reduzi-lo
Segundo Karen Devries, epidemiologista social da LSHTM e uma das responsáveis pelo trabalho, apesar de haver diferenças regionais nos índices, o problema é observado em níveis muito altos em todas as regiões do globo (veja mapa abaixo). “Houve muitos estudos dedicados a medir o fenômeno. Nosso trabalho é a síntese global mais abrangente. As diferenças constatadas refletem muitos fatores, incluindo questões socioeconômicas e culturais, possibilidade de acesso à educação secundária, oportunidades de emprego e normas sociais sobre a aceitabilidade da violência”, diz ao Correio.
Ela explica que, além de mostrar a dimensão do problema, o levantamento busca apontar caminhos para reduzi-lo. “Realizamos essa pesquisa para ajudar a informar e a orientar os esforços políticos para diminuir a violência contra mulheres e meninas”, acrescenta. Assim, o levantamento mostra, segundo ela, que a violência não é inevitável, podendo ser prevenida. Na África do Sul, por exemplo, um programa de fortalecimento econômico e social para as mulheres reduziu as agressões por parceiro íntimo em mais da metade.
"Realizamos essa pesquisa para ajudar a informar e a orientar os esforços
políticos para diminuir a violência contra mulheres e meninas”
Karen Devries,
epidemiologista social da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres
políticos para diminuir a violência contra mulheres e meninas”
Karen Devries,
epidemiologista social da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres
Outras medidas adotadas por governos que se mostram eficazes são serviços sociais, como abrigos, atendimento psicológico e jurídico. Acompanhamento pré-natal e testes de HIV também são estratégias que podem resultar em impactos positivos, quando realizados em ambientes privados e por profissionais treinados para abordar o assunto da violência doméstica com as pacientes. No caso de agressão sexual, ambientes de cuidados de saúde devem estar preparados para dar uma resposta abrangente às mulheres, para que elas possam lidar física e emocionalmente com as consequências.
O impacto do mal sobre a saúde das mulheres também preocupa. É comum, entre as vítimas, problemas graves como quebra de ossos, contusões, contratempos na gravidez e depressão, além de outras doenças mentais. Devries enfatiza que, por conta disso, é urgente a necessidade de um melhor atendimento, que identifique o problema, já que muitas buscam cuidados médicos sem revelar a causa de seus ferimentos. “A OMS está emitindo novas diretrizes para os serviços de saúde, para que os profissionais da área possam proporcionar um melhor apoio para as vítimas. Mas ainda há muito trabalho a ser feito a fim de entender a melhor forma de prevenir a violência por parceiro íntimo em diferentes contextos”, informa Devries.
Alerta importante
Para Ana Paula Portella, socióloga da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a pesquisa é de grande importância, pois se trata de um trabalho feito por especialistas que buscaram mostrar índices globais. “Esse grupo responsável tem muitos trabalhos feitos na área. Já fiz pesquisas com algumas das participantes, que têm muito conhecimento em estudos de gênero. Acredito que um panorama como esse vai ajudar a implantar as políticas necessárias nos locais certos, pelos órgãos responsáveis de cada região, e observar se eles realmente funcionam”, destaca.
A especialista também concorda com as medidas recomendadas no relatório, e acredita que programas de combate à violência e apoio às vítimas são necessários. “Muitos países têm adotado ações, mas precisamos que esses serviços aumentem, que o atendimento seja mais especializado e que as vítimas, por exemplo, tenham abrigo caso precisem sair de casa. Por isso é importante investir na educação, para que elas possam evoluir e ter uma independência financeira”, destaca Portella.
Saiba mais...
Para a professora de psicologia Ondina Pena, da Universidade Católica de Brasília (UCB), um dos grandes diferenciais do estudo é frisar a importância dos governos e a sua responsabilidade em mudar esses números. “O objetivo desse relatório parece ser o de criar formas (políticas públicas) de prevenção, e não ficar apenas na criminalização da violência. É importante pensar em formas diferenciadas de atendimento psicossocial às mulheres que sofrem violência, recursos que focalizem o processo de recuperação do potencial das vítimas enquanto criadoras e cidadãs autônomas”, defende.- Arte marcial não competitiva, Aikido cresce, mas ainda atrai poucas mulheres
- Krav maga atrai cada vez mais mulheres que buscam se prevenir de situações difíceis
- Mulheres estupradas pelo parceiro costumam não denunciar a violência sofrida
- Pesquisa: 25% dos homens da região Ásia-Pacífico reconhecem ter cometido estupro
- Trinta milhões de meninas correm o risco de sofrer mutilação genital
Brasil
No Brasil, de acordo com a Secretaria de Proteção à Mulher (SPM), 70% dos casos de agressão contra as mulheres são cometidos pelo companheiro ou cônjuge da vítima. Acrescentando ainda outros vínculos afetivos, como ex-marido, namorado e ex-namorado, o índice sobre para 89%. Uma das ferramentas utilizadas para prestar apoio é o Disque 180, número de telefone criado para receber denúncias de maus tratos e informações das vítimas que buscam se livrar se um agressor, e que também disponibiliza os serviços para mulheres que vivem no exterior. O Ministério da Saúde também possui centros de atendimento à violência doméstica para mulheres e adolescentes em todo o país, preparados para receber denúncias e dar apoio às famílias que sofrem com os abusos dentro de casa. Procurada, a SPM não quis falar com a reportagem.
Para Pedro Bodê, coordenador do Centro de Estudos de Segurança Pública e de Direitos Humanos da Universidade Federal do Paraná (UFPR), os números são preocupantes, já que a violência que ocorre dentro de casa pode desencadear outras agressões. “A violência frequente em ambiente doméstico, contra crianças e mulheres, ocorre no que chamamos, sociologicamente, de espaços de responsabilidade primária. É lá que outros atos podem ser desencadeados, já que as crianças têm suas primeiras experiências nesse ambiente e podem ficar traumatizadas com o que presenciam”, destaca.
As medidas de saúde, recomendadas no relatório, podem ajudar a combater esses altos números de violência, mas devem ser feitos em conjunto, acredita o especialista. “Medidas que tratam o alcoolismo, por exemplo, são importantes, já que muitos homens agridem a mulher por conta desse problema. Mas elas devem ser combinadas com outras, como acesso a abrigo em caso de fim de relacionamento, estudo, atendimento especializado em centros médicos, entre outras. Esses serviços são essenciais para que esses números que observamos agora possam ser reduzidos”, destaca Bodê.