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Quem faz bem ao próximo também ganha com a experiência, diz estudo

Redução dos riscos de depressão e aumento da satisfação pessoal estão entre os benefícios

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Correio Braziliense Publicação:09/10/2013 12:00Atualização:09/10/2013 11:08
O maestro Valdécio Fonseca, responsável por um projeto voluntário que formou um grupo musical composto por jovens do Distrito Federal. (Reprodução/Correio Braziliense)
O maestro Valdécio Fonseca, responsável por um projeto voluntário que formou um grupo musical composto por jovens do Distrito Federal.

Não surpreende ninguém pensar que o trabalho voluntário é uma forma eficaz de tornar melhor a vida de quem recebe ajuda e de fortalecer instituições sociais. No entanto, além do bem proporcionado ao outro, ser voluntário pode trazer benefícios para quem se dispõe a colaborar. Desenvolver melhor algumas aptidões e sentir-se mais realizado e satisfeito consigo mesmo são algumas das vantagens que a experiência pode trazer. “Fazer trabalho voluntário, olhar para fora, além de olhar para dentro de si, ajudar aos outros ou fazer parte de uma comunidade traz benefícios, como manter relações sociais mais significativas”, afirma Reginaldo do Carmo Aguiar, psicólogo especialista em análise do comportamento.

Um estudo publicado no periódico BMC Public Health e produzido pela Universidade de Exeter, no Reino Unido, mostrou que ser voluntário pode melhorar a saúde mental e proporcionar uma vida mais longa. Ao analisar autoavaliações de adeptos da prática, os especialistas concluíram que eles têm índices mais baixos de depressão e níveis altos de satisfação pessoal e bem-estar. Os cientistas pretendem, agora, confirmar se a relação indicada pelos relatórios pode ser sustentada.

O militar Valdécio Fonseca, 49 anos, é responsável por um projeto voluntário no Paranoá, em Brasília, que formou uma banda de música composta por jovens das regiões administrativas do Distrito Federal. O maestro Valdécio, que já foi coordenador da Cruz Vermelha em Brasília, resolveu começar o projeto em 2007. No início, juntou, sozinho, alguns instrumentos e recrutou jovens para levar a ideia da banda de jovens nas comunidades carentes à frente. Hoje, garotos e garotas de várias partes do DF fazem parte da iniciativa.

A motivação de Valdécio para começar a se dedicar a atividades voluntárias foi a vontade de transmitir o conhecimento que tinha para outras pessoas e, dessa maneira, influenciar positivamente a vida delas. “Trabalhar com música sempre foi um sonho antigo e eu pensei: tenho que passar o que aprendi para outros”, conta. Valdécio dedica em média 40 horas semanais ao projeto voluntário e afirma que já não pode viver sem isso. “É gratificante ver os meninos tocando, você sente que está fazendo a sua parte. É um prazer para mim.” A ideia do voluntariado é repassada para os jovens que integram a banda de música. Uma das atividades do grupo, chamada de Música para Idosos, consiste em tocar em asilos e despertar a força dos acordes e melodias na terceira idade. “Tocamos um repertório do tempo deles, buscando levar alegria e saúde”, explica Valdécio.

A dedicação grande aos projetos traz cansaço, mas, para Valdécio, a questão é relevada quando ele pensa nos benefícios que acompanham o esforço. “É um trabalho que me dá muita satisfação, chego em casa feliz da vida, sinto mais bem-estar. Tenho certeza de que recebo mais do que dou, apesar de ser cansativo.” O primeiro benefício apontado pelo maestro é o aumento da autoestima, da sensação de que se pode ajudar a alguém. “Você vê que é útil, capaz de fazer a sua parte e tem a sensação do dever cumprido”. O maestro ressalta também que o trabalho voluntário é contagiante e que um projeto benfeito pode, em pouco tempo, conseguir novos apoiadores. “As pessoas, às vezes, estão dispostas, mas precisam de um norte, de um trabalho que já esteja encaminhado. E toda ajuda é muito importante”, explica.

A professora Maria Cristina Cascelli desenvolveu um projeto que leva o ensino da música para comunidades carentes. O intuito é que os interessados possam se profissionalizar. (Reprodução/Correio Braziliense)
A professora Maria Cristina Cascelli desenvolveu um projeto que leva o ensino da música para comunidades carentes. O intuito é que os interessados possam se profissionalizar.

Mais reflexões

Psicóloga e professora da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Jacy Corrêa Curado explica que, apesar da ausência de pesquisas que comprovem definitivamente os benefícios de ser voluntário, são inúmeros os relatos de pessoas que superaram a dor provocada por doenças ou pela perda de familiares ao se envolver em projetos de voluntariado. “Precisamos realizar mais pesquisas científicas que comprovem essas hipóteses”, pondera.

Apesar da potencialidade para colaborar no tratamento de alguns problemas mentais, a psicóloga alerta que é preciso cuidado com a tentativa de usar o voluntariado especificamente para esse fim. “Acredito que esse tipo de trabalho deva servir-se de uma outra ética humana, nem como castigo, nem como alívio de culpa ou doença”, afirma Curado. Ela explica que a atividade precisa estar acompanhado de uma reflexão crítica sobre a vivência e o cotidiano atual. “Por si só, ela não cura depressão, ansiedade, neurose ou psicopatias. Precisa ser acompanhada de um questionamento filosófico e crítico da sociedade em que vivemos.”

As motivações para se dedicar ao trabalho voluntário, porém, são múltiplas e podem estar, por exemplo, relacionadas à vontade de contribuir para a sociedade ou de aproveitar o tempo livre. Independentemente da razão, de acordo com a doutora em psicologia Alice Maggi, há a interação com outras pessoas. “(As motivações) podem ser contribuir com a comunidade em que o voluntário está inserido, preencher tempos ociosos, iniciar a vida profissional, entre outras, que obrigatoriamente envolvam o convívio grupal, sempre bem-vindo para o bem-estar e a qualidade de vida.”

Outras visões

Professora do Departamento de Música da Universidade de Brasília (UnB), Maria Cristina de Carvalho Cascelli, 51 anos, desenvolveu depois de concluir o doutorado, em 2007, um projeto de extensão que leva o ensino de música a regiões carentes do Distrito Federal. A intenção era propor um diálogo musical com essas comunidades, possibilitando que os moradores tivessem a música como uma opção profissional. “Foi um momento em que o ensino de música passou a ter uma relação maior com trabalhos sociais. Uma das motivações foi também cumprir um compromisso da universidade com a sociedade”, lembra.

Segundo a professora, o trabalho, que dura até hoje, é muito rico para o aprendizado dos próprios voluntários (além dela, alunos de música na UnB), pois permite entrar em contato com uma realidade distinta cultural e socialmente. “Aprendemos muito no sentido de conhecer quem é a comunidade, qual a visão de mundo deles e ampliamos a nossa visão de mundo também. Mostra o quanto o outro pode ensinar”, afirma. Além disso, a professora acredita que o projeto mostrou a importância de se compartilhar o conhecimento. O contato com o outro e suas singularidades, para ela, possibilita um crescimento pessoal muito grande. “É muito gratificante receber o retorno deles, ter a sensação de que se faz um bem que transcende o individual e receber, em troca, uma experiência muito rica”, diz.

O psicólogo Reginaldo do Carmo aponta que essa possibilidade de compartilhar conhecimentos e estabelecer novos vínculos sociais é um dos principais pontos que sustentam os trabalhos voluntários e afirma que tarefas que canalizam a solidariedade e a bondade em relação ao outro melhoram a sensação de autoestima. “Parece que o que é mais reforçador nessa atividade ‘altruísta’ é o sentimento de compartilhar sentimentos e recursos físicos, além de criar vínculos com outros indivíduos.”

A estudante de relações internacionais Talita Melgaço juntou um grupo de amigos para trabalhar no projeto Amun Kids, que realiza trabalhos pedagógicos com crianças carentes do Distrito Federal (Reprodução/Correio Braziliense)
A estudante de relações internacionais Talita Melgaço juntou um grupo de amigos para trabalhar no projeto Amun Kids, que realiza trabalhos pedagógicos com crianças carentes do Distrito Federal

Novos cidadãos a caminho

Presença forte nos movimentos de voluntariado hoje, os jovens, incentivados por instituições, colégios e universidades, cumprem um papel importante na solidificação dos projetos e na garantia da esperança de um futuro mais solidário. Em troca do engajamento, recebem experiência, desenvolvem habilidades e vivenciam novos valores. A doutora em psicologia Alice Maggi ressalta a iniciativa das organizações quanto à responsabilidade social e à transmissão de valores por meio do recrutamento de novos voluntários. “Também as crianças, via escola, têm sido convidadas a participar, desde que com a concordância dos pais ou responsáveis”, afirma.

Estudante de relações internacionais na Universidade de Brasília (UnB), Talita Melgaço, 20 anos, é uma das coordenadoras do projeto Amun Kids. A iniciativa desenvolve atividades pedagógicas com crianças de regiões carentes do Distrito Federal, orientando-as sobre valores das Nações Unidas, entre eles respeito, paz, direitos da criança e sustentabilidade. Desde o ensino médio, Talita se dedica a atividades voluntárias, sobretudo em trabalhos sociais. Em 2011, com a entrada na universidade tornou-se ainda mais ativa no voluntariado. Além da Amun Kids, Talita se envolveu com o movimento de empresas juniores e com a Sinus (Simulação das Nações Unidas para Secundaristas).

A busca de um sentido para a existência e a vontade de contribuir para a transformação da sociedade são algumas das principais motivações da estudante. “Foi um desejo de poder contribuir para a sociedade, ajudando em áreas que tenho aptidão, de levar meu conhecimento para pessoas distantes da minha realidade”, explica. Talita acredita que esse é um modo de se envolver como agente transformadora e de colaborar para as mudanças que considera necessárias para o desenvolvimento da sociedade. “Eu tenho a possibilidade de impactar na vida de alguns estudantes, de contribuir para a construção de uma consciência crítica e cidadã.”

A professora da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) Jacy Corrêa Curado confirma a ideia. “Hoje, o voluntário é visto não mais só como aquela pessoa boazinha e de coração grande, mas também como agente de transformação social, pois o trabalho voluntário dá poder às pessoas.” Para Talita, as atividades voluntárias permitem que algumas de suas aptidões sejam ainda mais desenvolvidas, além de estimularem outras habilidades. “Desenvoltura para falar em público e trabalho em equipe foram algumas das características que desenvolvi.”

Outra mudança que o voluntariado trouxe para o cotidiano da jovem foi o aumento da sensibilidade diante de problemas sociais. “Você passa a ter mais sensibilidade social e também a ter mais inteligência emocional para lidar com essas situações.” A estudante ressalta que é importante, para quem deseja ser voluntário, ter a ideia de que o trabalho exige seriedade e dedicação. “É preciso ter compromisso, ser profissional em uma atividade que é sublime e muito gratificante.”



Herança evolutiva


“Do ponto de vista neurocientífico, sentimos prazer não apenas em receber, mas em doar e em se doar também. Provavelmente, em algum momento da nossa evolução, passamos a ter comportamentos que iam além dos mínimos necessários para simplesmente comer e reproduzir. Em algum momento da vida de nossos ancestrais, aqueles que tinham a capacidade de se solidarizar deixaram mais descendentes do que aqueles que não se solidarizavam. Nesse sentido, ser solidário, ser capaz de sentir o que o outro está sentindo, passou a ser mais vantajoso, evolutivamente falando, do que não o ser.”

Reginaldo do Carmo Aguiar
,
Psicólogo Especialista em Terapia Comportamental

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