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Pornografia amadora atrai cada vez mais espectadores e levanta discussões sobre limites éticos

Impulsionada pelo compartilhamento digital, modalidade vira a cara para a barriga negativa e se abre para relacionamentos liberais e pessoas comuns. Mas há o perigo da pornografia não consentida, materializada em ações de má-fé, que vão da espionagem voyeur do vizinho ao compartilhamento de material íntimo de um celular

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André Duarte - Revista Aurora - Diário de Pernambuco Publicação:14/11/2013 09:00Atualização:14/11/2013 10:28

A “irmandade” é para poucos. Não mais que 40 casais liberais comungam de uma panelinha azeitada a muito sexo sem receita pronta. O grupo, restrito a amigos do mais alto teor de confiança, compõe uma espécie de maçonaria da sacanagem, com código social rígido, só que sem pompa e indumentárias adornadas. Dependendo da ocasião, não há sequer uma peça de roupa.

É quando estão no Clube Mistura Fina, boate de swing camuflada dentro de um insuspeito casarão no Recife, ou nos encontros secretos que costumam acontecer em uma cobertura em Boa Viagem ou numa chácara em Aldeia. Uma intimidade compartilhada não apenas entre os seus integrantes, mas registrada em fotos e imagens, e pulverizada na internet para quem quiser acessar (em alguns casos, pagar por ela).

Fetiche calcado na pornografia amadora avançou nos últimos dez anos com linguagem própria, adotada por outros campos, inclusive o do cinema tradicional, além de suscitar na outra ponta um debate cada vez mais intenso envolvendo ingredientes delicados como privacidade e difamação (Roberto Guerra e Wolney Fernandes  (Arte / especial para o Diário de Pernambuco))
Fetiche calcado na pornografia amadora avançou nos últimos dez anos com linguagem própria, adotada por outros campos, inclusive o do cinema tradicional, além de suscitar na outra ponta um debate cada vez mais intenso envolvendo ingredientes delicados como privacidade e difamação
Por trás de câmeras simples e cenas reais que enquadram silhuetas igualmente autênticas está Rogério (nome fictício), um articulado funcionário de uma multinacional do ramo da nutrição, de 46 anos. Despreocupado com o aspecto low profile do conteúdo, prefere classificar o seu hobby e todo o cenário hedonista que o cerca como “modo operativo de encarar a vida”. A mulher dele, um ano mais nova, é conhecida na comunidade pelo codinome de Baby Bliss. É protagonista dos vídeos filmados pelo marido, nos quais contracena com homens e mulheres dos mais diversos perfis, unidos por uma cartilha de basicamente dois artigos: liberdade e anonimato. Jamais mostram os rostos ou revelam suas identidades, requisitos básicos para entrar na patota desinibida.

Quando Rogério e a mulher se casaram, há pouco mais de 20 anos, resolveram injetar novidade no cotidiano conhecendo e trocando fotos com outros casais através das seções de cartas das revistas Private, Fiesta e Brazil. Rodaram o país atendendo a uma infinidade de convites — entre as propostas recusadas, o fetiche de um correspondente de Feira da Santana, na Bahia, que ofereceu o equivalente a R$ 20 mil apenas para observar a senhora Bliss entrar em um galinheiro vestida em trajes sumários. “Era uma febre. Como as cartas tinham que ser enviadas para uma caixa postal, tinha gente que ficava de tocaia, espreitando para nos seguir assim que buscávamos as cartas. A caixa postal era lotada, mas hoje a caixa é a do e-mail”, compara o marido.

 

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Em 22 anos de atividade, uma mala grande de quase 80 quilos é a senha para desvendar o que os filhos adolescentes sequer desconfiam. Lotada de roupas íntimas sensuais e outros apetrechos atrevidos da esposa, é a única pista do que o casal tanto faz fora de casa. “Nós temos o K.P. escondido; é o nosso Kit Putaria. Fora essa mala, você não vai encontrar nada em nossa casa que lembre a irmandade”, explica Rogério.

Das comportadas reuniões semanais em um bar no bairro da Imbiribeira, que aconteciam até os idos 2004, o clube liberal autodenominado “irmandade” migrou para a internet, onde integrantes passaram a se articular, promover eventos, marcar encontros nada convencionais, além de alimentar grupos apimentados de discussão, nos quais emissão e recepção de arquivos em audiovisual acontecem de forma direta, possibilitando discrição encorajante. O combustível da vez é o fetiche calcado na pornografia amadora, algo que, quase uma década depois, tomou corpo numa linguagem própria, adotada por outros campos, inclusive o do cinema tradicional, além de suscitar na outra ponta um debate cada vez mais intenso envolvendo ingredientes delicados como privacidade e difamação.

A irmandade do Recife talvez seja o protótipo local mais completo de uma das duas linhas decorrentes da fusão entre o amador e o erótico: a pornografia consentida. É quando o hábito de mostrar-se voluntariamente, sem retoques ou truques da tecnologia, encontra um abrigo em uma característica social comum a esse universo: o exibicionismo.

 

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“Selma Recife”, musa dos casais liberais locais e personagem das mais célebres imagens caseiras do grupo, é sócia do marido numa revendedora de automóveis. Conhecida nacionalmente pelos vídeos pornográficos em que aparece sem qualquer aparato técnico, tendo às vezes à sua volta um número superior a um trio de parceiros sexuais em uma única gravação caseira, se apresenta na internet por meio de credenciais que ela própria trata de separar como provocação. Primeiro, se coloca como “realmente casada, liberal, microempresária no ramo de revenda de automóveis, feliz, objetiva e madura”. Na sequência, diz que é que “adora ménage masculino”, “é viciada em sexo anal”, “sem tabus” e que pretende realizar “as mais diversas e inimagináveis fantasias”.

Em e-mail enviado à Revista Aurora, do Diário de Pernambuco, Selma diz que começou a buscar as câmeras com o consentimento do marido. “Resolvemos fazer por curiosidade e por termos total confiança em nossa relação. Sem isso, um casamento liberal desmorona. Temos a convicção de que os filmes caseiros atraem mais porque colocam o espectador no local. Quanto mais amador, mais sucesso. Até a curiosidade de que pode ser alguém conhecido é um grande fetiche”.

O risco social de ser descoberto, relata, costuma ser combatido por várias precauções: “Geralmente os casais liberais são de alto nível intelectual e/ou financeiro. Há códigos de ética, não se expõe nunca nomes reais ou dados pessoais. No máximo, pode-se falar no geral. Eu e meu marido temos loja de automóveis no Recife. Mas e daí? São centenas. Já houve três ocasiões em que prováveis compradores me abordaram pelo nome Selma. Falei que meu nome não era aquele, apresentei-me normalmente e mostrei o produto. Não podemos misturar as coisas. Dentro da irmandade, o grupo se protege em vários níveis”, diz a microempresária, amiga de longa data do casal “Bliss”. Há casos em que a teia liberal extrapola a intimidade de quatro paredes e atua como um anteparo social, facilitando, por exemplo, o agendamento de consultas nas quais os médicos são integrantes do grupo.

A diva do pornô de baixa resolução também promove passeios turísticos que não raro terminam numa esticada ao motel mais próximo, além de manter contato direto com admiradores através de uma newsletter erótica, sendo uma das últimas mensagens de agradecimento pela calcinha branca fio-dental recebida de presente.

 

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de singularidades e convergências

 

Memória e corpo são elementos onipresentes nos trabalhos dos artistas visuais Roberto Guerra e Wolney Fernandes, que ilustram esta matéria. A pornografia amadora, tema da reportagem, acabou servindo de linha de convergência no primeiro trabalho em conjunto da dupla. Roberto, pernambucano, e Wolney, de Goiás, já trocavam informações pela internet há dois anos em função da afinidade entre as suas colagens, que estão reunidas no Recife  até 1º dezembro, na exposição 'Como Produzir Singularidades?', do SPA das Artes 2013. A mostra, que agrupa peças coletivas e individuais, pode ser vista na Sala Nordeste, Rua do Bom Jesus, 237, Bairro do Recife.

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