Por que o sexo da vida real é tão diferente da pornografia?
Especialista afirma que a capacidade de fantasiar é sinal de saúde mental
Valéria Mendes - Saúde Plena
Publicação:09/08/2013 09:20Atualização: 24/03/2016 11:55
O que explica as diferenças entre o sexo apresentado na pornografia e aquele que as pessoas declaram praticar na vida real? Será a pornografia uma projeção das fantasias não realizadas? Será ela igualmente o reflexo do desejo de homens e mulheres ou principalmente dos homens, como sugerem os índices de consumo de material pornô em ambos os sexos? E por que há esse descompasso entre desejo e realidade?
Questões como essas podem ter motivado a produção de um filme de curta duração que já soma mais de 6,5 milhões de visualizações [momento em que a matéria foi publicada]. Com apenas 1min48seg, o vídeo apresenta comparações utilizando alimentos para ilustrar o hiato entre a produção audiovisual erótica e o sexo praticado no cotidiano. O resultado é um interessante panorama que revela divergências quanto ao tamanho do pênis, a incidência do orgasmo feminino pela penetração, a duração das relações, a frequência da prática de sexo grupal, entre outros aspectos.
Assista abaixo ao vídeo:
Se algumas coisas são mais difíceis de mudar, como os centímetros do órgão sexual do companheiro ou a preferência da parceira pelo sexo oral, outras poderiam ser alteradas com uma decisão simples. Mas por que, afinal, as pessoas não conseguem realizar suas fantasias na cama - no chão, na praia, nas alturas ou na cozinha? Alguns conhecimento sobre a mente humana podem ajudar a explicar a dificuldade em encurtar a distância entre o que se deseja e o que se pratica. “A função da fantasia em nossa vida, seja ela sexual ou não, é realmente amenizar as dificuldades da realidade. A capacidade de fantasiar é um sinal de saúde mental”, afirma o ginecologista e sexólogo Ramon Luiz Moreira.
Coordenador do Departamento de Sexologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais e autor dos livros 'Medicina e Sexualidade' e 'Os Sete Pilares da Qualidade de Vida', o médico cita o filósofo francês Georges Ganghilhem. “Uma boa definição de saúde é a capacidade de enfrentar as intempéries da vida e é preciso ter imaginação para elaborar as estratégias de enfrentamento”, diz. Ramon observa, no entanto, que a vida não pode ser somente feita pela fantasia e que ela não pode substituir a realidade, mas apenas torná-la mais amena. Isso não quer dizer que a vida sexual de todas as pessoas é ruim e que a pornografia seria a saída, mas sim, que realidade e fantasia podem se completar.
Pornografia: uma questão masculina?
Acusada de ser produzida focada na fantasia masculina, a pornografia está de fato mais presente no histórico do navegador, na lista de filmes locados e na disseminação de conteúdo pelo celular dos homens que das mulheres. Observando desse ponto de vista, Ramon explica que “a função da pornografia, para os homens, é realizar virtualmente aquilo que não conseguem fazer na prática, já que, em geral, há uma diferença de comportamento entre a mulher da pornografia e a mulher real. A de casa um dia está com dor de cabeça, no outro está menstruada, há certas coisas que aceita fazer e outras não”, explica o especialista. Ramon diz que a mulher, frequentemente, prioriza muito mais a sexualidade ligada ao afeto do que a sexualidade ligada à liberação da energia sexual. “Sendo assim há uma diferença entre a sexualidade masculina e feminina e essa lacuna o homem pode preencher (de forma imaginativa) na pornografia. A mulher pornográfica está sempre disposta ao sexo, faz tudo o que o homem deseja e sempre parece ter um desejo insaciável por ele, ou melhor ainda, pelo pênis dele”, afirma.
Maria Bernadette Biaggi é psicóloga, psicanalista e presidente do Istituto Biaggi de Psicoterapita, Psicanálise, Cultura e Arte Brasil-Itália. Para ela, perguntas massificadas como “o homem gosta mais de pornografia que a mulher?” geram respostas levianas. A especialista explica que essa não é uma questão de gênero e usa os conceitos de fantasia e instinto para refletir sobre o tema. “Fantasia é a representação mental dos instintos. Instinto é algo que se nasce com ele”. Para ela, é na história de vida de cada pessoa que está centrada a discussão. “Por exemplo, se eu quiser saber a história de vida de alguém é só pedir que me conte sua fantasia. Por essa fantasia vou saber como o instinto da pessoa foi representado. Se uma mulher teve muitos desencontros amorosos, vai gostar de um tipo de pornografia mais pesada. Se recebeu mais amor, mais carinho, vai preferir a pornografia que tem poesia”, diz.
Maria Bernadette frisa que do vértice de leitura sociocultural, essa é uma permissão concedida socialmente às mulheres há pouco tempo. “As mulheres historicamente foram mais reprimidas, o que não contempla a atualidade. Hoje dividem suas fantasias com o companheiro, mas antigamente o desejo ia lá para sonho noturno porque nem o pensamento era permitido", comenta. Ela explica que quando as fantasias não possuem uma trajetória imaginativa a percorrer, elas seguem um percurso psicossomático. "Na clínica freudiana, a histeria condensava toda a história psicossociocultural da sexualidade feminina onde o desejo e as fantasias reprimidas eram representados no corpo através de sintomas e doenças", afirma.
Nesse raciocínio fica claro que as mulheres podem perfeitamente gostar de pornografia. Menos que os homens? Difícil saber. O que o passado mostra é que a eles sempre foi possível liberar suas fantasias. Assim, o que é variável é a qualidade da pornografia e o que vai influenciar o gosto de homens e mulheres é a história de vida de cada um. A psicanalista faz uma diferenciação entre a fantasia pornográfica que reconhece a existência do outro e a pornografia em que o outro não existe. Na primeira, é uma relação sadia. Na outra, uma relação narcisística ou patológica.
Somos todos travados?
Liberal e ousada, a pornografia alimenta também a discussão sobre o quanto as pessoas são travadas em suas vidas quando o tema é sexo. Para Ramon Luiz Moreira, o raciocínio é pertinente. “A maioria de nós é travada sexualmente, já que a nossa educação sexual é feita pela repressão ou então pelo silêncio. Não falando nada sobre isso ninguém vai querer saber o que é. Sendo assim, o efeito contrário é produzido: o que é proibido é o que deve ser bom. Tradicionalmente o que se permite é o dever e o que se proíbe é o prazer. Com isso, nossas fantasias sexuais são sempre bem "cabeludas", já que a função delas é amenizar a tensão do inconsciente cheio de culpas sexuais”, conclui. O especialista ressalva: “é claro que as pessoas terão um relacionamento diferente com a pornografia de acordo com seu background sexual”.
Mas essa comparação entre o pornô e a realidade pode trazer algum problema para um relacionamento ou para a própria pessoa? E também: em que medida não realizar vontades sexuais prejudica relacionamentos por gerar sentimentos como a frustração ou uma sexualidade reprimida? O mais comum, para o especialista, é a pornografia funcionar apenas como uma válvula de escape; e ele frisa: “geralmente masculina”. “Ela se torna um vício em alguns, mas não há como definir o que difere o viciado do não viciado - assim como não se pode prever qual indivíduo será o viciado em cigarro ou não, ou a personalidade do viciado em cigarro e do não viciado. Há aqueles que tentam fazer sexo na realidade como na pornografia e aí sim pode haver um problema, pois nesse caso o "contexto" da relação é negado em prol de um "roteiro" pré-selecionado mentalmente”, alerta.
Apesar disso, a conclusão é que a imaginação sexual é a fonte de todo desejo, seja ele do homem ou da mulher. “O desejo é uma falta que nunca é preenchida, mas sempre procurada. Por isso, a imaginação (imagem+ação) nos faz supor que estamos satisfeitos, pelo menos momentaneamente”, encerra o sexólogo.
Questões como essas podem ter motivado a produção de um filme de curta duração que já soma mais de 6,5 milhões de visualizações [momento em que a matéria foi publicada]. Com apenas 1min48seg, o vídeo apresenta comparações utilizando alimentos para ilustrar o hiato entre a produção audiovisual erótica e o sexo praticado no cotidiano. O resultado é um interessante panorama que revela divergências quanto ao tamanho do pênis, a incidência do orgasmo feminino pela penetração, a duração das relações, a frequência da prática de sexo grupal, entre outros aspectos.
Assista abaixo ao vídeo:
Se algumas coisas são mais difíceis de mudar, como os centímetros do órgão sexual do companheiro ou a preferência da parceira pelo sexo oral, outras poderiam ser alteradas com uma decisão simples. Mas por que, afinal, as pessoas não conseguem realizar suas fantasias na cama - no chão, na praia, nas alturas ou na cozinha? Alguns conhecimento sobre a mente humana podem ajudar a explicar a dificuldade em encurtar a distância entre o que se deseja e o que se pratica. “A função da fantasia em nossa vida, seja ela sexual ou não, é realmente amenizar as dificuldades da realidade. A capacidade de fantasiar é um sinal de saúde mental”, afirma o ginecologista e sexólogo Ramon Luiz Moreira.
Coordenador do Departamento de Sexologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais e autor dos livros 'Medicina e Sexualidade' e 'Os Sete Pilares da Qualidade de Vida', o médico cita o filósofo francês Georges Ganghilhem. “Uma boa definição de saúde é a capacidade de enfrentar as intempéries da vida e é preciso ter imaginação para elaborar as estratégias de enfrentamento”, diz. Ramon observa, no entanto, que a vida não pode ser somente feita pela fantasia e que ela não pode substituir a realidade, mas apenas torná-la mais amena. Isso não quer dizer que a vida sexual de todas as pessoas é ruim e que a pornografia seria a saída, mas sim, que realidade e fantasia podem se completar.
Será a pornografia uma projeção das fantasias não realizadas?
Pornografia: uma questão masculina?
Acusada de ser produzida focada na fantasia masculina, a pornografia está de fato mais presente no histórico do navegador, na lista de filmes locados e na disseminação de conteúdo pelo celular dos homens que das mulheres. Observando desse ponto de vista, Ramon explica que “a função da pornografia, para os homens, é realizar virtualmente aquilo que não conseguem fazer na prática, já que, em geral, há uma diferença de comportamento entre a mulher da pornografia e a mulher real. A de casa um dia está com dor de cabeça, no outro está menstruada, há certas coisas que aceita fazer e outras não”, explica o especialista. Ramon diz que a mulher, frequentemente, prioriza muito mais a sexualidade ligada ao afeto do que a sexualidade ligada à liberação da energia sexual. “Sendo assim há uma diferença entre a sexualidade masculina e feminina e essa lacuna o homem pode preencher (de forma imaginativa) na pornografia. A mulher pornográfica está sempre disposta ao sexo, faz tudo o que o homem deseja e sempre parece ter um desejo insaciável por ele, ou melhor ainda, pelo pênis dele”, afirma.
Maria Bernadette Biaggi é psicóloga, psicanalista e presidente do Istituto Biaggi de Psicoterapita, Psicanálise, Cultura e Arte Brasil-Itália. Para ela, perguntas massificadas como “o homem gosta mais de pornografia que a mulher?” geram respostas levianas. A especialista explica que essa não é uma questão de gênero e usa os conceitos de fantasia e instinto para refletir sobre o tema. “Fantasia é a representação mental dos instintos. Instinto é algo que se nasce com ele”. Para ela, é na história de vida de cada pessoa que está centrada a discussão. “Por exemplo, se eu quiser saber a história de vida de alguém é só pedir que me conte sua fantasia. Por essa fantasia vou saber como o instinto da pessoa foi representado. Se uma mulher teve muitos desencontros amorosos, vai gostar de um tipo de pornografia mais pesada. Se recebeu mais amor, mais carinho, vai preferir a pornografia que tem poesia”, diz.
Maria Bernadette frisa que do vértice de leitura sociocultural, essa é uma permissão concedida socialmente às mulheres há pouco tempo. “As mulheres historicamente foram mais reprimidas, o que não contempla a atualidade. Hoje dividem suas fantasias com o companheiro, mas antigamente o desejo ia lá para sonho noturno porque nem o pensamento era permitido", comenta. Ela explica que quando as fantasias não possuem uma trajetória imaginativa a percorrer, elas seguem um percurso psicossomático. "Na clínica freudiana, a histeria condensava toda a história psicossociocultural da sexualidade feminina onde o desejo e as fantasias reprimidas eram representados no corpo através de sintomas e doenças", afirma.
Nesse raciocínio fica claro que as mulheres podem perfeitamente gostar de pornografia. Menos que os homens? Difícil saber. O que o passado mostra é que a eles sempre foi possível liberar suas fantasias. Assim, o que é variável é a qualidade da pornografia e o que vai influenciar o gosto de homens e mulheres é a história de vida de cada um. A psicanalista faz uma diferenciação entre a fantasia pornográfica que reconhece a existência do outro e a pornografia em que o outro não existe. Na primeira, é uma relação sadia. Na outra, uma relação narcisística ou patológica.
Na vida real, 75% dos homens ejacula em 3 minutos
Liberal e ousada, a pornografia alimenta também a discussão sobre o quanto as pessoas são travadas em suas vidas quando o tema é sexo. Para Ramon Luiz Moreira, o raciocínio é pertinente. “A maioria de nós é travada sexualmente, já que a nossa educação sexual é feita pela repressão ou então pelo silêncio. Não falando nada sobre isso ninguém vai querer saber o que é. Sendo assim, o efeito contrário é produzido: o que é proibido é o que deve ser bom. Tradicionalmente o que se permite é o dever e o que se proíbe é o prazer. Com isso, nossas fantasias sexuais são sempre bem "cabeludas", já que a função delas é amenizar a tensão do inconsciente cheio de culpas sexuais”, conclui. O especialista ressalva: “é claro que as pessoas terão um relacionamento diferente com a pornografia de acordo com seu background sexual”.
Mas essa comparação entre o pornô e a realidade pode trazer algum problema para um relacionamento ou para a própria pessoa? E também: em que medida não realizar vontades sexuais prejudica relacionamentos por gerar sentimentos como a frustração ou uma sexualidade reprimida? O mais comum, para o especialista, é a pornografia funcionar apenas como uma válvula de escape; e ele frisa: “geralmente masculina”. “Ela se torna um vício em alguns, mas não há como definir o que difere o viciado do não viciado - assim como não se pode prever qual indivíduo será o viciado em cigarro ou não, ou a personalidade do viciado em cigarro e do não viciado. Há aqueles que tentam fazer sexo na realidade como na pornografia e aí sim pode haver um problema, pois nesse caso o "contexto" da relação é negado em prol de um "roteiro" pré-selecionado mentalmente”, alerta.
Apesar disso, a conclusão é que a imaginação sexual é a fonte de todo desejo, seja ele do homem ou da mulher. “O desejo é uma falta que nunca é preenchida, mas sempre procurada. Por isso, a imaginação (imagem+ação) nos faz supor que estamos satisfeitos, pelo menos momentaneamente”, encerra o sexólogo.
Diferentemente do que mostra a produção audiovisual pornô, somente 22% das mulheres dizem que deixariam o parceiro ejacular em seus rostos e apenas 30% falam que engoliriam esperma
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