Desespero x efeito duradouro »

Devo parar de seguir a dieta Dukan?

No fim de janeiro, organização médica francesa expulsou o médico e nutricionista por explorar comercialmente uma dieta que provoca desequilíbrios alimentícios e se aproveita da obsessão pelos efeitos imediatos no processo de emagrecimento

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Letícia Orlandi - Saúde Plena Publicação:18/02/2014 08:30Atualização:25/08/2014 12:23

Colegiado médico francês apontou a dieta Dukan como criadora de 'desequilíbrios nutricionais' e também 'que se aproveita da obsessão pelo imediatismo'. Opinião é compartilhada por outros órgão de saúde europeus (Pierre Dukan / Divulgação)
Colegiado médico francês apontou a dieta Dukan como criadora de 'desequilíbrios nutricionais' e também 'que se aproveita da obsessão pelo imediatismo'. Opinião é compartilhada por outros órgão de saúde europeus
Quase um Paulo Coelho dos livros de dieta, a obra do médico e nutricionista argelino Pierre Dukan já foi traduzida para 30 idiomas e vendeu mais de 30 milhões de cópias em 60 países. 'Eu não consigo emagrecer' está sempre na lista dos mais vendidos e foi apontada como a dieta que fez a duquesa de Cambridge, Kate Middleton, controlar seu peso antes do casamento e após a gravidez. A super modelo brasileira Gisele Bündchen também figurou nessa lista de celebridades, mas negou a informação com veemência. Pelo mesmo caminho foi a atriz espanhola Penélope Cruz, que veio a público negar que tenha seguido qualquer orientação de Dukan. No final de janeiro de 2014, o autor foi expulso do colegiado de médicos franceses. O motivo foi a exploração comercial da dieta que leva seu nome, apontada pela organização como criadora de “desequilíbrios nutricionais” e também “que se aproveita da obsessão pelo imediatismo”.

Como defesa, o próprio Dukan disse que não estava abalado com a decisão, uma vez que já tinha anunciado a saída do órgão. O médico nega toda as críticas e diz que nunca recebeu reclamações em 40 anos de consultório. Se, para ele, o revés não parece abalar as estruturas de um império, o mesmo se dá para seus milhões de seguidores no Brasil e no mundo?

Profissionais de saúde encaram a decisão francesa como uma confirmação de que há algo de podre no reino das proteínas. As críticas se tornaram mais frequentes a partir de 2010, quando Jean-Michel Cohen, médico francês e também autor de livros de sucesso, vinculou Dukan a problemas cardíacos e câncer. Cohen chegou a dizer que 'os únicos beneficiados pelos tratamentos de Dukan eram a indústria do emagrecimento, médicos, vendedores de comprimidos e a mídia'. Por isso, ele foi acionado judicialmente, mas o processo foi arquivado em 2011.

 

Além disso, o colegiado médico não está sozinho. A Agência de Segurança Sanitária na Alimentação da França também classificou a dieta como 'desequilibrada' e denunciou que 80% das pessoas recuperam os quilos perdidos em até um ano. Já a Agência Espanhola de Segurança Alimentar inseriu o método Dukan em uma espécie de 'lista negra', ao lado de outros sistemas classificados pelos peritos como 'fraudes' causadoras de doenças cardiovasculares e renais no futuro, além de perda de cálcio e de vitaminas. Os autores espanhois salientaram que não havia nenhum estudo científico que comprovasse o sistema Dukan e que 'número de livros vendidos' nunca foi solução para nenhuma doença. A Associação Britânica de Nutricionistas também incluiu o método em seu rol de 'cinco dietas das celebridades a serem evitadas', entre 2010 e 2013.

A modelo Gisele Bündchen chegou a figurar em listas de 'celebridades que adotaram a dieta Dukan', mas pediu para que seu nome fosse retirado e disse que não segue o plano de alimentação do médico argelino (Dimitrios Kambouris/Getty Images/AFP)
A modelo Gisele Bündchen chegou a figurar em listas de 'celebridades que adotaram a dieta Dukan', mas pediu para que seu nome fosse retirado e disse que não segue o plano de alimentação do médico argelino
Os órgãos europeus salientaram, em comunicados recentes, que a dieta é impossível de ser seguida a longo prazo – corpo e mente simplesmente não conseguem se adaptar. Para quem ainda está na dúvida, a opinião é compartilhada pela especialista brasileira Patrícia Villas-Bôas de Andrade, professora da Faculdade de Medicina de Petrópolis (RJ). Para ela, ninguém deve seguir a dieta best-seller. Entenda o porquê.

Fundamentos
A nutricionista explica que o fundamento do sistema Dukan é o fato de que o organismo “gasta” mais energia para metabolizar proteínas. “Mas, em longo prazo, o efeito acaba sendo o contrário, estimulando a obesidade. Precisamos lembrar que, antes de calorias, os alimentos possuem nutrientes essenciais para o metabolismo”, alerta a professora. Existem, por exemplo, substâncias necessárias no processo de mobilização de gordura. A alimentação desequilibrada pode prejudicar esse processo e até impedir a perda de peso.

Além disso, os alimentos recomendados por Pierre Dukan são ricos em sal. “O cardápio proposto pode favorecer o surgimento de cálculos renais e doenças crônico-degenerativas, como as cardiovasculares e o câncer. Devido ao desequilíbrio no ph do sangue, que fica muito ácido, o organismo pode utilizar o cálcio ósseo, poderoso alcalinizante, para neutralizar o efeito colateral. O resultado é risco aumentado de osteoporose”, adverte.

A nutricionista explica ainda que existe limite, baseado em fatores como idade e sexo, para a quantidade máxima diária de proteínas ingeridas. O excesso não é armazenado no organismo e sim metabolizado pelo fígado e eliminado pelos rins – ou seja, os dois órgãos podem ser sobrecarregados: este é um dos perigos de seguir uma dieta hiperproteica com base em um livro ou site, sem acompanhamento nutricional e médico.

Quando a proteína faz mal
Patrícia ensina que as melhores fontes para a obtenção de proteínas são leite desnatado, queijo Minas light, iogurte light, carne de boi em corte magro, frango sem pele, peixe e ovos. Mas essas são apenas sugestões mais saudáveis, nada definitivas. “O ideal é que uma dieta personalizada seja programada, de forma detalhada, para você saber qual a quantidade ideal para seu perfil. A reeducação alimentar é muito melhor para o organismo do que qualquer dieta muito restrititva”, pondera a professora.

'O cardápio proposto pode favorecer o surgimento de cálculos renais e doenças crônico-degenerativas, como as cardiovasculares e o câncer', diz a nutricionista Patrícia Villas-Bôas de Andrade, professora da Faculdade de Medicina de Petrópolis (Arquivo Pessoal)
'O cardápio proposto pode favorecer o surgimento de cálculos renais e doenças crônico-degenerativas, como as cardiovasculares e o câncer', diz a nutricionista Patrícia Villas-Bôas de Andrade, professora da Faculdade de Medicina de Petrópolis
A preocupação deveria ser, prioritariamente, evitar alimentos industrializados e açúcar. “Ao mesmo tempo, devemos acrescentar frutas e vegetais, carnes magras, sementes oleaginosas como castanhas, nozes, amêndoas, cereais como arroz integral, a quinua, o amaranto; leguminosas como feijão, grão de bico, lentilha e também as sementes, como a linhaça, a semente de abóbora e o girassol. Deve-se ingerir muito líquido e utilizar temperos naturais como o alecrim e o gengibre”, ensina a nutricionista.

Pergunta inicial
Patrícia Andrade recomenda uma reflexão. “Não acho que nenhum grupo de pessoas – independente de idade, peso, objetivo – deve adotar a dieta Dukan. Os carboidratos são as principais fontes de energia do corpo e sua exclusão pode levar a sintomas como fraqueza e até desmaios, além de irritabilidade”, reforça a pesquisadora. “Muitos profissionais se aproveitam de situações como essas para ganharem visibilidade no mercado, mas a prescrição dietética é atribuição do nutricionista*”, defende a professora.

Não é a primeira vez que uma alimentação superproteica entra em moda. Publicada originalmente em 1972, a dieta do cardiologista americano Robert Atkins ganhou o mundo nos anos 1990. Em relação ao Dukan, o cardápio Atkins acrescenta o agravante de permitir a ingestão de gorduras de origem animal à vontade, com recomendação de vegetais quase nula. “Além disso, ele não recomendava atividade física e nem um período de estabilização da dieta”, explica Patrícia Andrade.

Em vez de dieta, reeducação alimentar. “Podemos recomendar a ingestão de carboidratos de baixo índice glicêmico para quem deseja emagrecer, a exemplo de alimentos integrais. É interessante, sim, evitar cereais refinados, açúcar e batatas. Por outro lado, com relação às gorduras, elas são necessárias - mas deve-se preferir aquelas presentes no azeite, no abacate, nas sementes oleaginosas, por exemplo; e em quantidades moderadas, calculadas de forma personalizada”, observa a especialista.

Cardápio sugerido por Dukan recebeu grande impulso após a afirmação de que teria sido seguida por Kate Middleton antes do casamento e após o nascimento do filho George. A duquesa nunca veio a público confirmar essa informação (REUTERS/Dave Thompson)
Cardápio sugerido por Dukan recebeu grande impulso após a afirmação de que teria sido seguida por Kate Middleton antes do casamento e após o nascimento do filho George. A duquesa nunca veio a público confirmar essa informação
O sistema Dukan pode até funcionar a curto prazo. “Mas a redução do peso pode ocorrer às custas de massa muscular também, o que não é desejável”, salienta a nutricionista. Outro detalhe que costuma ser esquecido é que o consumo de álcool, mesmo que moderadamente, pode ser perigoso se associado a esse tipo de dieta. “A ingestão de álcool pode causar deficiência de várias vitaminas e minerais, fundamentais para o metabolismo e para as reações enzimáticas que favorecem o processo de perda de peso. Além disso, trata-se de um cardápio que não prioriza determinados nutrientes, agravando esse quadro”, ressalta Patrícia.

Em vez de seguir os conselhos propostos por um livro, a dica é bem clara: evite chegar em um estado de desespero que pode torná-lo vulnerável a propostas imediatistas. “As dietas altamente restritivas representam um stress para o organismo. A orientação individual e a mudança de hábitos é que trazem resultados duradouros”, conclui a professora.

 

 

 

*Frequente alvo de questionamentos e dúvidas, a Lei nº 8.234, de 17 de setembro de 1991, estabelece o nutricionista como profissional de saúde habilitado a prescrever dietas, ou seja, definir os alimentos e suas quantidades, a partir de cálculos individualizados. Ele não pode, entretanto, receitar medicamentos. Já o nutrólogo é o médico com especialização na área de nutrição, atuando no diagnóstico, prevenção e tratamento de desordens do sistema gastrointestinal e carências de nutrientes. Ele pode propor ao paciente mudanças de hábitos, inclusive alimentares, mas sem dietas específicas. Pode prescrever medicamentos, caso alguma doença tenha sido diagnosticada. A postura mais recomendada é procurar uma equipe multidisciplinar, que inclua ainda um médico endocrinologista, especializado em avaliar alterações metabólicas e essencial para um processo de emagrecimento saudável.

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