Proteínas são um perigo na meia-idade

Consumir exageradamente carne, leite e queijo entre os 35 e os 58 anos pode aumentar em duas vezes o risco de morte, segundo estudo americano

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Bruna Sensêve - Correio Braziliense Publicação:09/05/2014 10:30Atualização:09/05/2014 10:03
Artérias e coração não são os únicos a sofrerem com o excesso de gordura. Risco de câncer é considerado mais alto que o provocado pelo tabgismo (sxc.hu)
Artérias e coração não são os únicos a sofrerem com o excesso de gordura. Risco de câncer é considerado mais alto que o provocado pelo tabgismo
Uma asinha de frango ou uma suculenta costela bovina podem ser tão mortais quanto as doses diárias de nicotina ingeridas por um fumante. E não são só as artérias e o coração os únicos a sofrerem com o excesso de gordura. De acordo com estudo da Universidade de Southern Califórnia (USC), uma dieta rica em proteína durante a meia-idade — entre 35 e 58 anos — leva ao aumento em quase duas vezes da probabilidade de morte e em quatro vezes a de morrer em decorrências do câncer, percentual mais alto que a mortalidade associada ao tabagismo. Curiosamente, uma ingestão moderada de proteína depois dos 65 anos pode ser muito bem-vinda.

O grupo de pesquisadores da Escola Davis de Gerontologia, na USC, acompanhou uma grande amostra de adultos por quase duas décadas e descobriu que o consumo excessivo de proteína está ligado a um aumento dramático na mortalidade por câncer e que pessoas na meia-idade que ingerem uma grande quantidade de proteínas de origem animal — incluindo carne, leite e queijo — também são mais suscetíveis à morte precoce em geral. De acordo com o artigo, publicado na revista científica Cell Metabolism, os amantes de proteína apresentaram 74% mais probabilidade de morrer de qualquer causa durante o período estudado do que os seus pares com o consumo baixo de proteína.

“Entender a nutrição não é simples. Não se trata de saber se uma determinada dieta vai permitir que a pessoa fique bem por três dias, mas se pode ajudá-la a sobreviver até os 100 anos”, destaca o autor principal do trabalho, Valter Longo, também professor de biogerontologia e diretor do Instituto de Longevidade da USC. Longo garante que, entre os grandes exemplos nessa direção, estão os moradores da pequena cidade italiana de Molochio, com uma das maiores prevalências de centenários no mundo.

A quantidade de proteína que deve ser ingerida durante a vida se tornou um assunto extremamente controverso nos últimos anos, especialmente após a grande popularidade atingida por dietas, como a do Dr. Atkins e a Paleo, que pregam a alta ingestão de proteínas. No entanto, pesquisas voltadas para a longevidade mostram que essa pode não ser a escolha ideal se a busca é viver por muito anos. Ao contrário, os pesquisadores acreditam que a ingestão de proteínas não deve obedecer a um limite estático, mas considerar as mudanças biológicas sofridas pelo organismo à medida que ele envelhece. Em outras palavras, o que é bom para o adolescente, é diferente para o jovem adulto e pode ser extremamente oposto às indicações para os idosos.

Segundo Longo, as proteínas controlam o hormônio do crescimento IGF -I, que ajuda o corpo a se desenvolver, mas tem sido associado à suscetibilidade ao câncer. Por motivos óbvios, ao atingir os 65 anos, os níveis de IGF-I caem drasticamente, levando à fragilidade potencial e à perda de massa muscular. Por esse motivo, ainda que a alta ingestão de proteína durante a meia-idade seja muito prejudicial, ela pode se tornar uma proteção aos mais velhos. A pesquisa mostra que uma dieta de baixa proteína na meia-idade é útil para a prevenção do câncer e da mortalidade em geral por envolver um processo de regulação do IGF-I e, possivelmente, dos níveis de insulina no organismo.

Clique para ampliar e saber mais sobre o cardápio do bem-estar (CB / DA Press)
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A equipe analisou informações sobre 6.831 adultos de meia-idade e idosos participantes de um inquérito alimentar nacional representativo nos Estados Unidos. Descobriu-se que os indivíduos com até 50 anos que relataram ter uma dieta rica em proteínas — cerca de 20% das calorias ingeridas — estavam quatro vezes mais propensos a morrer de câncer ou diabetes e quase duas vezes a morrer de qualquer causa, durante os 18 anos consecutivos. Esses efeitos foram abolidos ou ao menos reduzidos em indivíduos que seguiam uma dieta de baixa proteína, principalmente à base de vegetais.

Para as pessoas com mais de 65 anos, no entanto, os efeitos sobre a mortalidade foram invertidos: aquelas que consumiam grandes quantidades de proteína tinham 28% menor risco de morrer de qualquer causa e um risco 60% menor de morrer de câncer. Efeitos benéficos similares foram observados nos idosos com ingestão moderada de proteína. Experiências adicionais em ratos sugeriram que o envelhecimento reduz a capacidade do corpo para absorver ou processar proteínas.

Origem animal
Fundamentalmente, os pesquisadores descobriram que proteínas de origem vegetal, como as do feijão, talvez não tenham os mesmos efeitos de mortalidade como as de origem animal. As taxas de câncer e morte também não parecem ser afetadas pelo controle de carboidratos ou pelo consumo de gordura, sugerindo que a proteína animal é a principal culpada. “A maioria dos americanos está comendo proteínas cerca de duas vezes mais do que deveria e parece que a melhor mudança seria diminuir a ingestão diária de todas as proteínas, mas especialmente as de origem animal”, conclui Longo. “Porém, não precisa ser um corte extremo de proteínas, você pode ir de protegido para desnutrido muito rapidamente.”

A opinião é compartilhada por Marcus Bolivar Malachias, coordenador da campanha Eu sou 12 por 8, da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Segundo Malachias, existem dietas que se mostram boas para o coração, mas, sem dúvida, a vegetariana é uma das principais opções para reduzir o risco de doenças coronárias e até o câncer. “Sabemos que os vegetarianos em geral têm um percentual de obesidade e sobrepeso muito menor. Esse fator sozinho é um grande diferencial para a progressão de todo o tipo de doença.” A dieta à base de vegetais também tem menos nutrientes ligados à elevação da pressão arterial, como a gordura saturada e o colesterol — o último, inclusive, só é encontrado no reino animal.

No entanto, Malachias considera o vegetarianismo muito radical. “É uma dieta muito pobre em alguns elementos considerados importantes. O principal deles é a vitamina B12, mas também temos a insuficiência em ferro, em vitamina D, zinco e cálcio. Às vezes, precisa-se repor esses elementos ou alguns podem ser encontrados em outras fontes, como as castanhas”, observa. O especialista chama a atenção para regimes alimentares encontrados na dieta Dash ou na mediterrânea que garantem um consumo baixo de carnes mais magras com alimentos encontrados nas regra vegetariana (veja quadro).

Prevenção cotidiana
Salvatore Caruso mora em Molochio. Aos 108 anos, é considerado o segundo homem mais velho da Itália. Ele manteve uma dieta com baixa quantidade de proteína e à base de vegetais pela maior parte da vida, mas mudou para uma dieta rica em proteínas após morar com a família de um filho.

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