Descoberto o esconderijo do causador da malária
Cientistas dos EUA identificam o local na medula óssea onde o protozoário se esconde até ficar maduro o suficiente para dar continuidade à infecção
Isabela de Oliveira - Correio Braziliense
Publicação:10/07/2014 14:30Atualização: 10/07/2014 14:28
O protozoário Plasmodium falciparum causa a forma mais grave da malária, uma doença que mata 1 milhão de pessoas a cada ano e custa pelo menos US$ 12 bilhões aos governos dos países afetados. Conhecer como o micro-organismo se reproduz dentro do corpo humano e do Anopheles gambienses, mosquito transmissor da enfermidade, é fundamental para o desenvolvimento de tratamentos mais eficientes. Pesquisadores da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, descobriram um aspecto crucial do ciclo de reprodução do parasita, uma questão aberta há 100 anos e para qual os cientistas ainda não têm muitas respostas.
O novo estudo, publicado nesta quinta-feira na revista Science Translational Medicine, confirma que os patógenos causadores da malária têm a capacidade de se esconder dentro da medula óssea da pessoa infectada para escapar do sistema imunológico dela. Estudos anteriores já haviam apontado para essa direção. Entretanto, a equipe liderada por Regina Joice sugere que, nesse processo, os micro-organismos usam uma alternativa de defesa e ataque.
Regina apresentou evidências de que alguns parasitas na forma sexuada (macho e fêmea) do Plasmodium, etapa em que são chamados de gametócitos, se desenvolvem no sistema que produz as células do sangue, na medula óssea humana. Esses, entretanto, são imaturos e não têm capacidade de atacar o sistema sanguíneo. Por isso, permanecem nos tecidos do corpo até oito dias, tempo necessário para atingir a maturidade e recomeçar o ciclo de infecção.
O conhecimento sobre os mecanismos que permitem essa evolução, entretanto, é limitado. Os cientistas supunham, por exemplo, que a circulação e o desenvolvimento dos parasitas no corpo humano se restringiam ao sistema intravascular, isto é, ocorriam apenas dentro dos vasos sanguíneos. O raciocínio tem base no fato de esses parasitas se ligarem e atacarem justamente os glóbulos vermelhos, destruindo-os.
Os pesquisadores ainda não sabem ao certo como esse processo ocorre. Mas sugerem que os gametócitos sejam retidos na região extravascular depois de se ligar com células precursoras dos glóbulos vermelhos, os eritroblastos. Eles se associam a um macrófago – estrutura do sistema imunológico produzida na medula, que “come” os corpos estranhos que entram no organismo – e formam as ilhas eritroblásticas. É possível que elas sejam atacadas pelos invasores, que são “mais duros” do que os encontrados em outros tecidos, dificultando mais ainda a ação dos macrófagos.
Em outros órgãos A ideia de que os gametócitos do Plasmodium se esquivam do sistema imune se escondendo dentro do osso – a medula óssea, também chamada de tutano, é um tecido gelatinoso que fica no interior da cavidade interna de vários ossos – surgiu em 1900, quando as primeiras suspeitas sobre o mecanismo apareceram. O local exato e como o processo ocorre, contudo, não tinham sido esclarecidos. Estudos recentes, como o de Joice, têm lançado luz sobre o assunto.
Em 2012, Eric Farfour e Pierre Buffet, do Hospital de Paris, também demonstraram que os gametócitos se escondem no sistema extravascular da medula óssea, e levantaram a hipótese de que o mesmo pode ocorrer em outros órgãos. Eles utilizaram tecidos coletados de um osso retirado de um paciente do sexo masculino de 42 anos, e também encontraram gametócitos imaturos nele. Os pesquisadores acreditam que esse indício proporciona uma explicação plausível para o fato de não serem encontradas formas sexuais imaturas do Plasmodium circulando no sangue.
“Os espaços extravasculares podem proporcionar um melhor nicho para a sobrevivência prolongada do que o interior dos pequenos vasos. Drogas que modifiquem essa característica influenciam a capacidade do parasita de cruzar barreiras. Essa observação destaca um aspecto singular dos gametócitos de Plasmodium e tem o potencial de gerar uma melhor compreensão desses mecanismos. Em última análise, podem auxiliar no progresso de erradicação da malária”, ressaltaram os autores no estudo publicado na revista especializada Malaria Journal.
O infectologista Alberto Chebabo acredita que estudos como esses abrem as portas para a busca por novos procedimentos terapêuticos. Entretanto, segundo ele, os resultados têm mais impacto nas pesquisas acadêmicas do que no dia a dia dos médicos que trabalham diretamente combatendo a malária.
“Esses pesquisadores sugerem nova forma de ligação do parasita, e essa é uma área que pode ajudar muito as pesquisas voltadas para o desenvolvimento de medicamentos. Mas ainda não podemos falar em alterações na prática clínica”, pontua o também professor e médico do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Bilhões de ameaçados
A cada ano, 1 milhão de crianças que vivem na África Subsaariana têm malária, doença que ameaça a vida de 3,4 bilhões de pessoas no mundo. O perigo que a enfermidade oferece – 1,2 bilhão de pessoas vivem em regiões do planeta consideradas de alto risco de contaminação – tem exigido trabalho árduo de cientistas na busca por uma solução capaz de combatê-la. Há 100 candidatos a vacina. Entretanto, 60% das pesquisas investigam apenas quatro antígenos contra o Plasmodium, parasita causador da doença.
O novo estudo, publicado nesta quinta-feira na revista Science Translational Medicine, confirma que os patógenos causadores da malária têm a capacidade de se esconder dentro da medula óssea da pessoa infectada para escapar do sistema imunológico dela. Estudos anteriores já haviam apontado para essa direção. Entretanto, a equipe liderada por Regina Joice sugere que, nesse processo, os micro-organismos usam uma alternativa de defesa e ataque.
Regina apresentou evidências de que alguns parasitas na forma sexuada (macho e fêmea) do Plasmodium, etapa em que são chamados de gametócitos, se desenvolvem no sistema que produz as células do sangue, na medula óssea humana. Esses, entretanto, são imaturos e não têm capacidade de atacar o sistema sanguíneo. Por isso, permanecem nos tecidos do corpo até oito dias, tempo necessário para atingir a maturidade e recomeçar o ciclo de infecção.
O conhecimento sobre os mecanismos que permitem essa evolução, entretanto, é limitado. Os cientistas supunham, por exemplo, que a circulação e o desenvolvimento dos parasitas no corpo humano se restringiam ao sistema intravascular, isto é, ocorriam apenas dentro dos vasos sanguíneos. O raciocínio tem base no fato de esses parasitas se ligarem e atacarem justamente os glóbulos vermelhos, destruindo-os.
Saiba mais...
Agora, Regina Joice e colegas acrescentam uma informação nova a esse processo: a diferenciação de parasitas imaturos para maduros ocorre também fora do sistema circulatório da medula óssea, uma estratégia para evitar o ataque dos anticorpos. “Esse achado sugere que novos mecanismos podem estar envolvidos na diferenciação desse estágio de transmissão e que o sistema hematopoiético (que ocorre na medula óssea e produz os glóbulos vermelhos) pode ser um dos principais locais de formação, desenvolvimento e maturação das fases de transmissão da malária”, sugere Matthias Marti, coautor sênior do estudo.- Cientistas descobrem anticorpo que encarcera parasita da malária
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Os pesquisadores ainda não sabem ao certo como esse processo ocorre. Mas sugerem que os gametócitos sejam retidos na região extravascular depois de se ligar com células precursoras dos glóbulos vermelhos, os eritroblastos. Eles se associam a um macrófago – estrutura do sistema imunológico produzida na medula, que “come” os corpos estranhos que entram no organismo – e formam as ilhas eritroblásticas. É possível que elas sejam atacadas pelos invasores, que são “mais duros” do que os encontrados em outros tecidos, dificultando mais ainda a ação dos macrófagos.
Em outros órgãos A ideia de que os gametócitos do Plasmodium se esquivam do sistema imune se escondendo dentro do osso – a medula óssea, também chamada de tutano, é um tecido gelatinoso que fica no interior da cavidade interna de vários ossos – surgiu em 1900, quando as primeiras suspeitas sobre o mecanismo apareceram. O local exato e como o processo ocorre, contudo, não tinham sido esclarecidos. Estudos recentes, como o de Joice, têm lançado luz sobre o assunto.
Em 2012, Eric Farfour e Pierre Buffet, do Hospital de Paris, também demonstraram que os gametócitos se escondem no sistema extravascular da medula óssea, e levantaram a hipótese de que o mesmo pode ocorrer em outros órgãos. Eles utilizaram tecidos coletados de um osso retirado de um paciente do sexo masculino de 42 anos, e também encontraram gametócitos imaturos nele. Os pesquisadores acreditam que esse indício proporciona uma explicação plausível para o fato de não serem encontradas formas sexuais imaturas do Plasmodium circulando no sangue.
“Os espaços extravasculares podem proporcionar um melhor nicho para a sobrevivência prolongada do que o interior dos pequenos vasos. Drogas que modifiquem essa característica influenciam a capacidade do parasita de cruzar barreiras. Essa observação destaca um aspecto singular dos gametócitos de Plasmodium e tem o potencial de gerar uma melhor compreensão desses mecanismos. Em última análise, podem auxiliar no progresso de erradicação da malária”, ressaltaram os autores no estudo publicado na revista especializada Malaria Journal.
O infectologista Alberto Chebabo acredita que estudos como esses abrem as portas para a busca por novos procedimentos terapêuticos. Entretanto, segundo ele, os resultados têm mais impacto nas pesquisas acadêmicas do que no dia a dia dos médicos que trabalham diretamente combatendo a malária.
“Esses pesquisadores sugerem nova forma de ligação do parasita, e essa é uma área que pode ajudar muito as pesquisas voltadas para o desenvolvimento de medicamentos. Mas ainda não podemos falar em alterações na prática clínica”, pontua o também professor e médico do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Bilhões de ameaçados
A cada ano, 1 milhão de crianças que vivem na África Subsaariana têm malária, doença que ameaça a vida de 3,4 bilhões de pessoas no mundo. O perigo que a enfermidade oferece – 1,2 bilhão de pessoas vivem em regiões do planeta consideradas de alto risco de contaminação – tem exigido trabalho árduo de cientistas na busca por uma solução capaz de combatê-la. Há 100 candidatos a vacina. Entretanto, 60% das pesquisas investigam apenas quatro antígenos contra o Plasmodium, parasita causador da doença.