Cientistas descobrem anticorpo que encarcera parasita da malária

Doença ameaça a vida de 3,4 bilhões de pessoas no mundo. Entretanto, 60% das pesquisas investigam apenas quatro antígenos contra o causador da doença. Um estudo publicado na edição de hoje da revista Science apresenta uma estratégia alternativa

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Isabela de Oliveira - Correio Braziliense Publicação:23/05/2014 13:00Atualização:23/05/2014 10:33
A cada ano, 1 milhão de crianças que vivem na África Subsaariana têm malária, doença que ameaça a vida de 3,4 bilhões de pessoas no mundo. O perigo que a enfermidade oferece — 1,2 bilhão de pessoas vivem em regiões do planeta consideradas de alto risco de contaminação — tem exigido trabalho árduo de cientistas na busca por uma solução capaz de combatê-la. Há 100 candidatos a vacina. Entretanto, 60% das pesquisas investigam apenas quatro antígenos contra o Plasmodium, parasita causador da doença. Um estudo publicado na edição desta sexta-feira (23) da revista Science apresenta uma estratégia alternativa para atacar o inimigo, e as armas são fragilidades naturais apresentadas por ele.

Entre 2008 e 2009, pesquisadores do Hospital de Rhode Island, ligado à Universidade de Brown, nos EUA, descobriram que crianças de regiões endêmicas, como a Tanzânia, apresentam uma resistência à doença que é praticamente inata. A exposição crônica às picadas do mosquito Anopheles serviu, de alguma maneira, como uma “vacina natural” contra a malária, levando os pequenos a desenvolver anticorpos que atacam uma estrutura particular do Plasmodium, a proteína PfSEA-1, que interrompe o ciclo de contaminação da doença.

A fêmea do Anopheles repassa os parasitas à pessoa que é picada. Demora cerca de 30 minutos para que os intrusos cheguem ao fígado, onde se reproduzem e iniciam uma outra etapa, a esquizonte. Nessa fase, o Plasmodium invade as hemácias, também chamadas de glóbulos vermelhos, e passa a se alimentar da hemoglobina, célula responsável pelo transporte do oxigênio no corpo.

Clique para ampliar e saber mais sobre o estudo (Anderson Araujo / CB / DA Press)
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Além de devorar as hemoglobinas, o protozoário se multiplica até que a hemácia chegue ao limite e exploda. Isso permite que o parasita retorne à corrente sanguínea e recomece o ciclo. É aí que a proteína PfSEA-1 atua: sem ela, o Plasmodium é incapaz de romper a célula e permanece preso. Impedir que esse processo tenha sucesso diminui a taxa parasitária do organismo do paciente, evitando que a doença evolua para um quadro mais grave.

“Nós somos o primeiro grupo a identificar a PfSEA-1 como um alvo para os anticorpos. A atuação dela é crítica para que o parasita escape das células”, explica Jonathan Kurtis, principal autor do estudo. “Muitos autores estão procurando maneiras de desenvolver uma vacina para a malária que previna a entrada do parasita nas células vermelhas, mas nós encontramos uma maneira de bloquear a saída dele”, acrescenta.

Resistência natural

A pesquisa começou em 2002, quando Patrick Duffy e Michal Fried, coautores do estudo, começaram a pesquisar dados genéticos de 785 crianças da Tanzânia. Investigando o plasma de bebês de 2 anos, eles observaram que 6% das amostras apresentavam resistência à agressividade da malária. Seis anos depois, chegaram à conclusão de que a imunidade era resultado da exposição intensa à doença, um estimulante para que o sistema imune desenvolvesse anticorpos especializados em atacar a PfSEA-1.

Em uma nova etapa do estudo, foram utilizados dois grupos de ratos para verificar se a suspeita tinha validade dentro de um organismo vivo. “Precisa-se tentar neles antes para que se possa avaliar a segurança do procedimento e atestar se aquele alvo é realmente interessante de ser estudado”, explica Rodrigo Angerami, membro da Sociedade Brasileira de Infectologia e não integrante da pesquisa norte-americana. A equipe de Kurtis inseriu o anticorpo diretamente em alguns animais e, em outros, optou pela proteína. As cobaias foram infectadas com malária e o resultado indicou que os pesquisadores estavam no caminho certo. Os grupos de ratos imunizados tiveram uma taxa parasitária baixa e menor mortalidade e morbidade. Já as cobaias sem os anticorpos apresentaram rápida evolução da doença e não resistiram à agressividade da malária.

Os autores observaram o crescimento das crianças da Tanzânia e chegaram a um resultado curioso. Elas começaram a desenvolver a imunidade com o passar do tempo, mesmo fenômeno observado em jovens quenianos. Esses últimos, que também vivem em uma área endêmica, também desenvolveram anticorpos para combater a PfSEA-1. Quando se tornaram adultos, apresentaram um aumento de 56% na quantidade de anticorpos preparados para enfrentar o Plasmodium. A redução na taxa de parasitas nos quenianos foi 50% menor do que a detectada em pessoas sem a imunidade natural.

“Esses pesquisadores desenvolveram um trabalho extremamente sofisticado. Partiram do racional de que anos de exposição à infecção fortalece o organismo e, por isso, estudaram crianças que vivem nas áreas endêmicas. Apesar disso, já existem pesquisas para vacina em estágios mais avançados”, avalia Angerami.

Segundo Kurtis, mais experimentos com modelos animais estão programados. “Se tudo der certo, em breve, vamos anunciar testes com primatas”, diz. O cientista prevê que demorará algum tempo até que uma vacina seja testada em humanos e frisa que todas os dados das crianças da Tanzânia e do Quênia foram obtidos a partir de observações e análises. “Nenhuma recebeu vacina e o que se estudou foi a resposta natural à doença. Acredito que a proposta desses especialistas será válida se aliada a outras pesquisas. Juntas, poderão oferecer tratamentos que ataquem todas as frentes da doença”, analisa Angerami, também professor da Universidade Estadual de Campinas.

 (Soraia Piva / EM / DA Press)
Intervenções mais avançadas

“O primeiro passo para desenvolver uma vacina é identificar todos os alvos. Eu acho que esses pesquisadores mostraram um novo objeto que pode ser interessante para aumentar a imunidade. Esse aumento pode ocorrer a partir da injeção dos próprios anticorpos na pessoa ou apenas a proteína, o que, além de estimular uma reposta imune, fará com que o organismo aprenda a se defender sempre que a encontra. Entretanto, uma vacina usando esses alvos deve demorar a ser comercializada porque os testes só foram feitos em modelos animais. Resta saber o que vai acontecer com a aplicação em humanos. No mais, há uma série de vacinas em estágio avançado. Uma delas, feita em Maryland, nos EUA, infecta voluntários com um tipo de anticorpo que será repassado para o mosquito durante a picada, evitando que ele infecte outra pessoa.”
Rodrigo Angerami, professor da Unicamp

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