RELACIONAMENTO »

Homens e mulheres que traem comparam sexo dentro e fora do casamento

Levantamento de site de relacionamento extraconjugal com 7 mil brasileiros mostra que a qualidade do sexo entre casais pode dar pistas de uma traição. Especialista contesta indicadores e problematiza a questão

Diminuir Fonte Aumentar Fonte Imprimir Corrigir Notícia Enviar
Valéria Mendes - Saúde Plena Publicação:29/07/2014 09:00Atualização:30/07/2014 09:25
Vinte e seis milhões de usuários cadastrados em 32 países; só no Brasil são 2 milhões de pessoas interessadas em uma relação sexual fora do casamento. A última pesquisa divulgada pelo site canadense AshleyMadison insinua que, se a qualidade da relação sexual mudou, pode ser indício de traição. O levantamento foi feito com 7 mil usuários brasileiros para comparar o sexo no casamento versus o sexo extra-conjugal. “Quando a rotina do sexo muda, como, por exemplo, a quantidade de vezes, o tempo de duração e até mesmo o envolvimento durante as preliminares, muitas vezes, pode denotar um gap (lacuna, em tradução livre) entre o casal”, comenta o diretor-geral do site no Brasil, Eduardo Borges.

Veja o que diz a pesquisa:



Qualidade do sexo: uma questão subjetiva
A neuropsicóloga, professora de Teoria Psicanalítica da Sexualidade e membro da Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana, Sônia Eustáquia Fonseca faz ressalvas aos resultados da pesquisa. “Numa relação a dois em situação de diálogo ou num consultório é bastante possível conceituar a qualidade da relação sexual para cada um e para o casal. Os principais indicadores são a satisfação e o sentimento de completude relatados por cada um e que resulta em um bom estado de humor, explica. No entanto, segundo ela, o conceito de “qualidade” em condutas humanas - incluindo o sexo - deve ser tratado como subjetivo. “Parece-me que a pesquisa tratou os dados alcançados apenas numa medida, a quantitativa. Em ciências sociais, o tratamento dos dados deve ser considerado principalmente na maneira qualitativa e é por essa razão que podemos considerar essa pesquisa como não-científica e não fidedigna por causa da amostra e outras falhas metodológicas”, observa. Para ela, as perguntas do levantamento foram diretas e objetivas, o que isenta qualquer possibilidade de opinião subjetiva.
'O que pode trazer preocupação ao casal é a ausência de relações sexuais, negadas pela mulher ou pelo homem' - Sônia Eustáquia Fonseca, neuropsicóloga  (Janey Costa/EM/D.A Press)
"O que pode trazer preocupação ao casal é a ausência de relações sexuais, negadas pela mulher ou pelo homem" - Sônia Eustáquia Fonseca, neuropsicóloga

Culpa
Apesar de a conclusão da pesquisa sugerir que o sexo casual é melhor, a neuropsicóloga diz que não foi perguntado sobre os sentimentos e as emoções de uma relação sexual fora do casamento diante do vínculo entre marido e mulher. “Sabemos que se uma pessoa é dotada de larga capacidade de sentir culpa, o sexo casual pode lhe parecer bom durante o ato, mas, posteriormente lhe trazer enorme sofrimento. Assim também é a sensação de calma com um parceiro de anos de convivência em contraposição ao “frisson” que se pode sentir com um parceiro novo. O prazer sentido nas duas situações é diferente, porque a emoção que envolve as relações é diferente. Por isso, o tempo de convivências pode mudar as sensações e emoções numa relação sexual, para mais ou para menos, para melhor ou para pior”, pontua.

Relacionamentos abertos
Sônia Eustáquia Fonseca afirma que a sociedade ainda não aceita o sexo fora do casamento. “Com a independência financeira da mulher ela também exige fidelidade e lealdade e caso o companheiro falhe nisso, ela se opõe e se separa também. Hoje não é privilégio do homem dizer “não lhe falta nada em casa” por isso eu posso fazer o que quiser. No passado, a dependência financeira da mulher produzia uma subserviência e uma tolerância não existentes hoje em dia”, explica a especialista.

Ela diz ainda que os casamentos pactuados em não fidelidade ou abertos não têm dado certo, principalmente quando se leva em conta a educação dos filhos. “As referências que irão estruturar o psiquismo infantil para o seu bom desenvolvimento devem ser maniqueístas, concretas. Uma criança não consegue relativizar o bem e o mal, o certo e errado no mundo. Na prática, são os pais que o fazem para ‘ensiná-la’”. A neuropsicóloga reforça que esse discurso está considerando a cultura monogâmica na qual vivemos. “Portanto, nem a lei constitucional vai defender as relações abertas ou não monogâmicas”, fala.


Quando o relacionamento não vai bem
É importante lembrar que o sexo fora do casamento não necessariamente significa que o relacionamento não vai bem. “Um bom indicativo de que a relação de um casal não vai bem são as brigas constantes por motivos fúteis ou implicâncias também não fundamentadas, de um com o outro, mas, o mais interessante é que isso pode não afetar a qualidade das relações sexuais desse casal”, avalia Sônia Eustáquia Fonseca.

Para ela, o que pode trazer preocupação ao casal é a ausência de relações sexuais, negadas pela mulher ou pelo homem. “Nesses casos, deve-se buscar um aconselhamento psicológico especializado”, sugere.

Ação e reação

Pela lógica, quem ‘pula a cerca’ deveria aceitar o sexo casual do parceiro ou parceira com mais naturalidade. No entanto, a realidade é bem diferente. “Quem trai detesta ser traído e também é muito desconfiado”, diz Sônia Eustáquia Fonseca.

A cultura machista dá ao homem o 'direito' de trair mais do que a mulher (Eduardo Rocha/RR )
A cultura machista dá ao homem o 'direito' de trair mais do que a mulher
Mesmo com as mudanças a favor das mulheres, a especialista diz que ainda temos uma cultura machista, onde o homem “pode” trair mais do que a mulher, que é compreendida como vagabunda e vadia. “Em alguns casos, ela até perde o direito social e familiar de ficar com os filhos. É misturado na cabeça das pessoas as condições em ser uma mãe capacitada para educar com a mulher que tem relações extraconjugais. A condição sexual/genital é misturada com a de educadora/cuidadora amorosa”, ressalta.

Homem ou mulher: quem trai mais?
A ciência tem percorrido um longo caminho para alcançar uma resposta para a pergunta que não quer calar. Sônia Eustáquia Fonseca explica que é difícil pesquisar condutas humanas quando elas são praticadas na privacidade. “Não temos certeza se os dados são fidedignos. O máximo que conseguimos são relatórios de comportamentos sexuais. Atualmente, com o avanço da neurociência, pesquisas apontam um neurotransmissor que levaria à infidelidade”, diz. Outra linha de estudo, que interessa mais à especialista, mede a influência genética e a vulnerabilidade dos relacionamentos a flertes com estranhos. “Trata do comportamento masculino e feminino diante da possibilidade da traição, colocando como um traço da fêmea a busca pelo macho que a defende melhor”, resume. Recentemente, o Saúde Plena divulgou uma pesquisa que mostra que a fidelidade masculina estaria relacionada à quantidade de ocitocina presente no organismo: mais hormônios, menor a chance da pulada de cerca (leia mais)

Para Eduardo Borges, analisando exclusivamente o perfil dos usuários do AshleyMadison, ele nota que a mulher que tem autonomia financeira trai na mesma proporção que o homem ou até mais. “A mulher que se considera numa posição inferior no relacionamento tende a trair menos”, fala. O Brasil segue a média mundial que é de 65% de homens contra 35% de mulheres cadastradas. No entanto, essa relação varia muito dependendo da faixa etária. “Acima dos 60 anos de idade, 99% dos cadastrados são homens, é o que chamamos de ‘geração viagra’. Entre os 50 e 60 anos de idade, existem quatro homens para cada mulher; entre os 40 e 50, três homens para cada mulher; entre os 30 e 40, dois homens para cada mulher, e entre os 20 e 30, um homem para cada mulher”, diz.

Motivos
As razões que levam uma pessoa a ter um caso fora do casamento variam muito. A neuropsicóloga Sônia Eustáquia Fonseca cita desde um desejo de afirmação por se ter uma baixa autoestima até problemas infindáveis das primeiras relações infantis com os pais.

Levantamentos realizados com os usuários do AshleyMadison mostram algumas razões que predominam. “No caso dos homens, a falta sexo em casa, a vontade de experimentar algo mais selvagem e a falta de interesse pelo corpo da esposa são as principais”, revela Eduardo Borges. As mulheres, ainda segundo ele, também traem porque não tem sexo no casamento, por que querem ver um corpo diferente e também desejam uma experiência mais ‘selvagem’. Razões que aparecem no caso delas é a falta de carinho e afeto no relacionamento conjugal e a vingança. “Tanto pode ser por que foi traída, mas também por que o marido esqueceu a data do aniversário dela”, completa o diretor geral do site no Brasil. Um dado curioso é que 9% das pessoas cadastradas estão lá apenas para conversar com pessoas que estão na mesma situação que ela.

Perfil dos mineiros no AshleyMadison
Minas Gerais ocupa a terceira posição no ranking de usuários cadastrados no AshleyMadison com 167.618 pessoas. São Paulo lidera, com 596.023, seguido do Rio de Janeiro, 175.736. Belo Horizonte também é a terceira capital brasileira com mais presença no site. As cinco cidades do Estado com mais usuários cadastrados são Belo Horizonte, Juiz de Fora, Uberlândia, Governador Valadares e Contagem. A média geral de mulheres brasileiras cadastradas é de 35%, mas no caso de Belo Horizonte, sobe um pouco: 39%.

BH é a segunda cidade brasileira com maior número de mulheres inscritas em site de relacionamentos extraconjugais

Entre os mineiros cadastrados, a idade média é de 42 anos para os homens, contra 33 anos no caso das mulheres. Enquanto eles têm mais de dez anos de casados e dois ou mais filhos, a média delas é de 7 anos de união e um filho.

No site, os homens pagam para usar o serviço e as mulheres não. Eduardo Borges diz que são 3.500 novos cadastros por dia e que, ao contrário do que se pode pensar, o mais comum é se cadastrar, encontrar o amante ou a amante e não usar mais o serviço. “É claro que existem pessoas que estão ativas no site há um ano com mais de uma amante por mês, mas não é o que mais acontece”, explica.

A média para encontrar um parceiro ou parceira é de onze dias.

Veja alguns depoimentos:

“Sou casado há pouco mais de 10 anos. De seis anos para cá já tive muitas amantes de casos longos. Com uma delas, quatro anos. Com outra, três anos. Foi muito bom, pois realizei muitas fantasias e vontades. Além disso, as duas eram casadas e me falavam suas carências, as quais eu supria com muito prazer, e as deixavas loucas” – Frederico, 35 anos.

“Sou casada há 7 anos, comecei a utilizar o site no final de 2011. Nessa época eu ainda não sabia definir o que estava procurando, pois nunca tive graves problemas no meu casamento, nenhum problema que justificasse minha infidelidade. Creio que depois de um determinado tempo se relacionando com um mesmo homem, a mulher precisa sentir que ainda desperta desejo em alguém. Pelo menos no meu caso, hoje sei que foi esse o motivo” – Marília, 29 anos.

“Só uma coisa me leva a fazer isso: é fica sozinho em casa e eu sou fissurado em sexo” – João, 40 anos.

“Sou casada há quase 10 anos. Sou uma mulher bonita e interessante. Já sai com vários e tem sido ótimo. Cada vez que saio é uma experiência nova” – Bia, 32 anos.

COMENTÁRIOS

Os comentários são de responsabilidade exclusiva dos autores.