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Jovem brasileiro cruzará Oceano Atlântico a remo para financiar pesquisa sobre câncer

Travessia pretende arrecadar recursos para o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into) e conta com doações pela internet. O osteossarcoma é o câncer nos ossos que mais atinge crianças e jovens, com taxa de mortalidade que chega a 95%

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Letícia Orlandi - Saúde Plena Publicação:30/07/2014 08:30Atualização:01/08/2014 11:00
Mais pessoas já estiveram no espaço e no topo do Everest do que cruzaram o Atlântico a remo: esse é o desafio de Caê, que vai arrecadar recursos para a pesquisa sobre ostessarcoma realizada no Into. Clique para ampliar (Arquivo Pessoal)
Mais pessoas já estiveram no espaço e no topo do Everest do que cruzaram o Atlântico a remo: esse é o desafio de Caê, que vai arrecadar recursos para a pesquisa sobre ostessarcoma realizada no Into. Clique para ampliar
Uma ideia na cabeça, um remo na mão: o advogado carioca Caetano Altafin, o Caê, de 31 anos, ficará longe da família e dos amigos, vai deixar emprego e casa para realizar um sonho duplo: completar uma travessia oceânica a remo e ajudar na pesquisa para encontrar um tratamento mais eficaz para o osteossarcoma (tumor maligno dos ossos).

A escolha da causa tem uma motivação pessoal – Caê perdeu um amigo/irmão, em 2006, em decorrência do osteossarcoma. Rafael Cordeiro tinha 25 anos e o período que se passou entre o diagnóstico e a morte dele foi de apenas dez meses.


O amigo de infância e companheiro das peladas no Rio de Janeiro foi, portanto, a inspiração para a causa. Já a escolha do tipo de desafio e a vontade de praticar o remo têm outra fonte: o navegador brasileiro Amyr Klink, que em 1984 fez a primeira travessia a remo do Atlântico Sul. A jornada de 3.700 milhas (5.950 km) é retratada no best seller 'Cem Dias entre o Céu e o Mar', que Caê leu pela primeira vez aos dez anos de idade. Desde então, leu e releu a obra diversas vezes. “Junta tudo isso e uma enorme dívida de gratidão que eu tinha com o Into, cuja equipe tratou tão bem do Rafael, e resolvi que faria alguma coisa para ajudar nas pesquisas”, resume o animado aventureiro.

Aqui entra o quarto nome na equação de Caê, Rafael e Amyr: o Into. A sigla designa o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad (Into), referência no tratamento do osteossarcoma, que está desenvolvendo um estudo promissor com células-tronco tumorais. A pesquisa brasileira, iniciada em 2012, é inédita. Existe um trabalho similar, mas não idêntico, na Espanha. “Desde os anos 70, não há grandes avanços no tratamento do osteossarcoma, que tem alta taxa de mortalidade e atinge principalmente crianças, adolescentes e adultos jovens”, explica o chefe do Centro de Oncologia Ortopédica do Into, Walter Meohas.

O barco de fibra de carbono levará 8 remadores do arquipélago espanhol das Canárias até o país insular de Barbados, na América Central, percorrendo o Atlântico Norte por três mil milhas náuticas, ou 5.500 quilômetros (Reprodução / http://remacae.com/)
O barco de fibra de carbono levará 8 remadores do arquipélago espanhol das Canárias até o país insular de Barbados, na América Central, percorrendo o Atlântico Norte por três mil milhas náuticas, ou 5.500 quilômetros
Foi justamente para ajudar a viabilizar uma nova esperança para quem sofre com o osteossarcoma que Caetano lançou a campanha ‘Remacaê – Ajude o Caê a Cruzar o Atlântico’. Doações de qualquer valor a partir de R$1 são bem vindas. A cada R$ 1, R$ 0,50 serão destinados ao Into e R$0,50 aos custos da travessia. Caso o projeto consiga patrocínio, no entanto, o remador doará toda a quantia arrecadada pelo sistema de crowdfunding à instituição vinculada ao Ministério da Saúde.

Travessia
Atravessar o Oceano Atlântico em um barco a remo parece uma loucura. De fato, mais pessoas já estiveram no espaço ou no topo do Everest do que completaram a travessia, mas...acredite: existe até uma corrida com pessoas dispostas a enfrentar a jornada, de dois em dois anos. Na edição de 2013, 16 equipes largaram do arquipélago espanhol das Canárias. Nem todas chegaram ao destino. Saiba mais na galeria de fotos:

O único brasileiro a concluir o trajeto com sucesso foi Amyr Klink, sozinho, em 1984. Mas ele não estava disputando com ninguém quem chegaria primeiro. No caso do jovem carioca, a história será um pouco diferente. Klink saiu da Namíbia, na costa africana; e chegou à Bahia. O percurso de Caê será menos solitário e mais ao norte: o barco de fibra de carbono levará 8 remadores, que vão se revezar de duas em duas horas. Eles sairão do arquipélago espanhol das Canárias e têm como ponto de chegada o pequeno país insular de Barbados, na América Central, percorrendo o Atlântico Norte por três mil milhas náuticas, ou 5.500 quilômetros. “Ou seja, o maior período contínuo de sono será de uma hora e 40 minutos”, brinca o advogado.

O recorde atual é de 32 dias e sete horas. Para que a façanha seja registrada no Guiness Book, uma das exigências é que não haja barco de resgate. Mas não é perigoso? “Com toda a preparação que nós fazemos, não. É mais perigoso viver em uma grande cidade, em que o inesperado pode acontecer a qualquer momento e você não estará preparado; do que atravessar o oceano. Para cada possibilidade que existe, nós temos um treinamento e um plano”, garante o animado atleta, lembrando que a última fatalidade nesse trajeto foi registrada em 2001. “Mas sim, alguns amigos e parentes estão apreensivos. Uma amiga da família disse que não quer nem saber de nada até eu voltar são e salvo”, se diverte.


A partida está prevista para 10 de dezembro, mas a confirmação da data dependerá das condições climáticas. Um planejamento minucioso avaliará toda as condições possíveis para que o grupo enfrente o melhor tempo e corra menos riscos.

Uma consequência dessa viagem é certa: a perda de pelo menos dez quilos do peso corporal. Caetano está reforçando a alimentação para ficar mais ‘gordinho’ até o fim do ano e ter o que queimar nesse mês sobre as águas. “Meu sentimento não é de medo, é de ansiedade por estar logo no mar”, diz Caetano. Não é à toa que o site do projeto indica exatamente quantos dias, horas, minutos e segundo faltam para o início da aventura.

O mestre

 (Reprodução)
No próximo mês de setembro, completam-se 30 anos da chegada de Amyr Klink à costa brasileira, em uma viagem sem GPS, equipamentos computadorizados ou sistemas superavançados de localização e comunicação. Apenas instrumentos náuticos guiados pelos astros e um planejamento detalhado.

No momento em que estava amadurecendo a ideia da travessia, Caetano conseguiu encontrar o mestre e trocar ideias. “Amyr foi muito gentil, dividiu experiências, mapas e dicas, me mostrou os estudos que fez. Como ele mesmo diz, para cada situação, você tem uma preparação especifica. Sendo muito analítico no projeto da viagem, você cobre todos os espaços”, assegura o advogado. “Amyr compartilhou comigo seu famoso ‘Dossiê Amarelo’, que detalha como sua ideia inicialmente maluca de atravessar o Atlântico Sul fazia pleno sentido”, emociona-se.

Caê pôde conhecer o I.A.T, barquinho de madeira utilizado na histórica travessia, que suportou sete dias de tempestade e três capotagens. “Como foi estar na pequena e tão acolhedora cabine do I.A.T.? Senti a liberdade que desde os dez anos de idade buscava. Foi maravilhoso voltar aos meus sonhos de criança e ser adulto para poder realizá-los”, conta ele no blog do projeto (http://remacae.com/blog/).

Paixão pelo voluntariado
Depois de fazer contato com alguns clubes de remo oceânico, Caê ficou sabendo que o remador escocês Leven Brown (três recordes mundiais, sendo o primeiro homem a ter remado da Espanha até o Caribe) estava recrutando oito pessoas para a travessia. Era sua chance. Após a aprovação na entrevista, realizada pela internet mesmo, o capitão Brown revelou a Caê que não é tão complicado encontrar pessoas com preparo físico e técnica suficientes para a travessia. O mais difícil é encontrar pessoas com o espírito e a motivação certos para ajudar a equipe. Caê tinha, portanto, o mais difícil.

Amy Klink foi o primeiro a concluir a travessia do Atlântico Sul, em 1984: sem GPS, com muita inspiração (Reprodução)
Amy Klink foi o primeiro a concluir a travessia do Atlântico Sul, em 1984: sem GPS, com muita inspiração
Caê treina atualmente na raia olímpica da Universidade de São Paulo (USP), no Clube Bandeirantes, e continua desempenhando suas funções de advogado (ele tem mestrado pela conceituada universidade norte-americana Harvard), atuando em operações de fusão/aquisição e no mercado de capitais nos Estados Unidos e na América Latina.

Mas isso só até o dia 16 de setembro. Para completar sua preparação antes da grande travessia, no entanto, ele terá que se mudar para Londres, onde vai se encontrar com os companheiros – ele é o único brasileiro – e poderá treinar em mar aberto.

Esta não é a primeira vez que o advogado usa a paixão pelo esporte para incentivar uma boa causa. Fã de futebol, Caetano chegou a morar em Belo Horizonte quanto tentou ser jogador profissional no Cruzeiro. Mas uma lesão grave no joelho impediu esse sonho, quando ele tinha 15 anos. Dois anos depois, o amigo Rafael, que já estudava Educação Física, chegou com um convite: precisava indicar uma pessoa que gostasse de futebol, fosse comunicativo e soubesse falar inglês, para um projeto na Irlanda.

Caetano passou a integrar o projeto SambaSoccer: acampamentos de férias na Europa que se propõem a ensinar futebol às crianças e promovem encontros da garotada com seus ídolos no esporte. Caê decidiu ampliar o trabalho e incluiu crianças com deficiência. O projeto deu tão certo, que eles conheceram até a presidente irlandesa à época, Mary McAlesse. Veja o vídeo abaixo para entender melhor. Está em inglês, mas as imagens falam por si só.



Um ano (além de várias outras temporadas mais curtas na Irlanda e na África do Sul) depois, Caê retornou ao Brasil apaixonado pelo voluntariado. Com Rafael Cordeiro, fundou em 2002 a Ong FuteFeliz, que tinha o objetivo de promover a inclusão social por meio do esporte, com abertura e estruturação de mais de 20 escolinhas de futebol no Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia. Em 2006, com mais experiência e conhecimento sobre as necessidades das comunidades em que atuavam, os rapazes mudaram o nome da ONG para Crescendo Feliz e lançaram o projeto Um Pé de Biblioteca, junto com o amigo mineiro André Lara Resende.

O projeto já apoiou a abertura de oito bibliotecas no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, sendo que mais cinco estão em andamento, em Belo Horizonte, Juiz de Fora e Porto Velho (RO). A Ong capta doações de móveis e trabalho voluntário para ampliar sua ação no país.
 
A pesquisa
Uma das frases do amigo, que Caê nunca esqueceu, foi: “se eu tivesse osteossarcoma daqui a 20 anos, eu teria tido mais chance, porque a medicina está sempre evoluindo”. A pesquisa que está sendo desenvolvida no Into pode ajudar a previsão de Rafael a se tornar realidade.

O cirurgião oncológico Walter Meohas explica que a pesquisa com células-tronco tumorais avalia a resposta de cada paciente à quimioterapia. O estudo está sendo feito com 12 pacientes já operados, mas é necessário ampliar o número para pelo menos 40. “A ação do RemaCaê é importante não só pelos recursos, mas pela conscientização em torno do trabalho desenvolvido no Into. Tudo que fazemos depende da conscientização e autorização das famílias”, lembra o especialista.

Caê a bordo do pequeno barquinho que levou Klink da África ao Brasil. Clique para ampliar (Arquivo Pessoal)
Caê a bordo do pequeno barquinho que levou Klink da África ao Brasil. Clique para ampliar
O objetivo do estudo é identificar o motivo de casos clínicos iguais – ou seja, pessoas que têm tumores da mesma linhagem - terem respostas diferentes na quimioterapia. Isso permitirá aos pesquisadores programar, no futuro, um tratamento oncológico individualizado.

Há oito tipos de osteossarcoma e as causas da doença ainda não foram esclarecidas. Também não foram identificados componentes hereditários. Se não há como prevenir, a pesquisa torna-se ainda mais importante, para que pelo menos o tratamento seja mais eficiente.

O sentimento de Meohas em relação a Caetano é de agradecimento. “Quanto mais recursos e apoio de pacientes e famílias, mais rápido chegaremos ao resultado”, resume.

Como funciona?
As células-tronco tumorais representam cerca de 1% da massa tumoral. Elas são mais resistentes às terapias e têm o potencial de formar as células que compõem os tumores, dependendo do estímulo que recebem. São chamadas de células-mãe, o reservatório do tumor.

Na pesquisa realizada no Into, as células-tronco tumorais são colhidas no momento em que se faz a biópsia inicial do paciente. Elas passam por uma cultura e são inoculadas em ratos. Depois que a criança ou jovem passa pela quimioterapia e a cirurgia, é coletada nova amostra. A partir daí, é realizado um estudo genético para verificar alterações cromossomiais. Assim, poderia ser possível identificar fatores que levaram a uma maior ou menor necrose tumoral durante o tratamento quimioterápico – ou seja, em quais casos houve mais morte de células cancerígenas.

Essa comparação é feita entre indivíduos com o mesmo tipo de tumor e permite verificar a agressividade e o grau de resistência ao tratamento. Também serão realizados testes em camundongos estéreis para provocar a doença e acompanhar o desenvolvimento in vivo.

O tratamento poderá, no futuro, ser baseado nas características individuais do tumor, permitindo uma estratégia personalizada e mais eficaz. Será possível identificar quais foram os efeitos da quimioterapia, observando em laboratório a proliferação, sobrevivência e invasão das células no organismo do paciente, além de saber se houve melhora com o tratamento e se as chances de ocorrer metástase vão crescer ou não.

O osteossarcoma
O osteossarcoma é um tumor maligno dos ossos que atinge, principalmente, crianças e jovens entre 10 e 20 anos, em fase de crescimento. Mas pode aparecer também em jovens adultos, sendo secundário à irradiação da radioterapia e da doença de Paget.

Segundo Walter Meohas, os sintomas mais comuns são as dores e o inchaço no local afetado, sendo que a maior frequência é no joelho. O índice de mortalidade é alto. Cerca de 50% a 60% dos pacientes morrem em cinco anos e apenas 5% sobrevivem após esse período. Em 27% dos casos, é necessária a amputação. “Com a introdução da quimioterapia neoadjuvante, que é utilizada antes da realização da cirurgia, foi possível utilizar técnicas mais conservadoras, ou seja, que preservam os membros e permitem mais qualidade de vida. Mas essa evolução não altera o prognóstico da doença, que é muito agressiva”, esclarece o médico.

O tumor atinge o aparelho locomotor, como pernas, braços e coluna, e acomete os pulmões com frequência, em decorrência de metástase.

 (Soraia Piva / EM / DA Press)
Terry começou, aos 21 anos, uma corrida pelo Canadá para arrecadar recursos em prol da pesquisa e tratamento do osteossarcoma. Ele treinou durante 14 meses com uma prótese mecânica (Terry Fox Foundation)
Terry começou, aos 21 anos, uma corrida pelo Canadá para arrecadar recursos em prol da pesquisa e tratamento do osteossarcoma. Ele treinou durante 14 meses com uma prótese mecânica
Ainda na adolescência, o canadense Terry Fox teve a perna direita amputada, depois de receber o diagnóstico de osteossarcoma.

Ele ganhou diversos títulos como jogador cadeirante de basquete e, em 1981, deu início a uma corrida pelo Canadá para arrecadar fundos para a pesquisa do câncer. 

Com uma prótese, Terry percorreu 5373 quilômetros em 143 dias. Logo depois, ele não se sentiu bem e foi levado ao hospital, quanto teve a notícia de que o câncer havia se espalhado.

O jovem morreu em junho de 1981, aos 21 anos, mas a Terry Fox Run continua acontecendo em diversos países. Desde sua criação, já arrecadou mais de US$600 milhões.

Para quem estiver interessado em saber mais, os vídeos da Terry Fox Foundation, disponíveis no canal da instituição no YouTube, são emocionantes: https://www.youtube.com/user/terryfoxcanada

 

Terry faleceu em 1981: morria um herói, nascia um legado (Terry Fox Foundation)
Terry faleceu em 1981: morria um herói, nascia um legado
 

    • 30/07/2014
    • A prova de remo mais difícil do mundo
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