Hormônio ajusta relógio biológico e é esperança contra a insônia

Ao ingerir doses de glicocorticoides, 16 voluntários pararam de sofrer os efeitos da falta de sono. Os cientistas responsáveis pelo experimento buscam, agora, uma alternativa sem efeitos colaterais

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Vilhena Soares - Correio Braziliense Publicação:10/02/2015 11:30Atualização:10/02/2015 11:35
Tem crescido a quantidade de estudos voltados para os transtornos do sono (EM/D.A Press)
Tem crescido a quantidade de estudos voltados para os transtornos do sono
Vigias noturnos e pessoas com insônia geralmente sofrem com problemas de saúde causados pela falta de sono — da irritabilidade à hipertensão. Isso ocorre porque há um descompasso no relógio biológico interno, que coordena o ritmo do organismo. Ao ser desregulado, ele perde a capacidade de trabalhar bem. Cientistas dos Estados Unidos detectaram uma substância que pode ser um caminho promissor para arrumar os ponteiros do corpo. Trata-se dos glicocorticoides – classe de hormônios que se ligam ao cortisol, também hormônio e responsável por ajudar o corpo a controlar o estresse.

Segundo Marc Cuesta, um dos autores do estudo e pesquisador do Laboratório de Cronobiologia Molecular do Instituto Universitário de Saúde Mental Douglas, em Montreal, no Canadá, esta é a primeira vez que esses efeitos da substância são comprovados em humanos. “Já era conhecido em roedores que os glicocorticoides podem ajustar relógios periféricos, mas somos os primeiros a mostrar que isso se repete em humanos”, destaca.

O hormônio foi testado em 16 voluntários, que foram avaliados em câmaras de isolamento temporal. Durante o tratamento com os glicocorticoides, Cuesta e a equipe liderada por ele notaram, analisando amostras de sangue, que os relógios biológicos periféricos – localizados nas células brancas – ficaram sincronizados. Já se sabe que as alterações fisiológicas ao longo do dia são reguladas por um sistema circadiano constituído por um relógio central, localizado no centro do cérebro, e vários relógios existentes em diferentes partes do corpo. Todos precisam estar sincronizados para que o organismo funcione corretamente.

Cuesta ressalta que a descoberta é inédita e bastante positiva, mas deixa claro que esses hormônios não podem ser usados como terapia para regular os horários de quem tem o relógio biológico descontrolado. “Há diversos efeitos colaterais. Esse trabalho só nos permite saber que é possível ajustar relógios periféricos com esse recurso”, destaca o autor.

A intenção dos cientistas é encontrar alternativas que tenham efeitos em humanos semelhantes aos dos glicocorticoides, mas sem prejuízos como o diabetes. Assim, poderia surgir um medicamento. “Queremos desenvolver terapias farmacológicas que atuem em relógios periféricos e associá-las com a atuação de tratamento no relógio central. Por exemplo, a luz brilhante”, adianta Cuesta.

Sem oscilações
Antes de usar os glicocorticoides, os pesquisadores buscaram entender melhor como os relógios central e periféricos funcionam a partir de um experimento com luz. “A ideia do estudo surgiu a partir de um trabalho anterior mostrando que o tratamento com luz brilhante é capaz de agir rapidamente no relógio central, nas profundezas do cérebro, e foi menos eficiente em ajustar os relógios periféricos”, explica Cuesta.

Myrna Campagnoli, endocrinologista do Laboratório Exame, de Brasília, destaca que a ação do cortisol no círculo circadiano era conhecida pelos cientistas, mas não havia sido testada diretamente. “Trabalhos anteriores mostraram que indivíduos que trabalham durante a noite têm problemas na dosagem desse hormônio, que, na forma correta, precisa ter altos e baixos, mas que, nessas pessoas, segue o mesmo nível”, detalha.

A especialista também destaca que os glicocorticoides não são aconselháveis para serem usados como uma terapia. Há risco, por exemplo, de diabetes e hipertensão. “Ou seja, traria mais malefícios do que benefícios. Isso é importante de ser frisado porque o cortisol é um hormônio vendido facilmente, mas que precisa ser usado somente quando necessário devido aos efeitos colaterais”, ressalta.

Para Campagnoli, a importância do trabalho americano está em abrir as portas para futuros medicamentos com o mesmo efeito que o cortisol sobre a regulação do círculo circadiano. “É importante ter demonstrado que existe um caminho para se encontrar uma equação que não faça mal à saúde e possa melhorar a qualidade das pessoas que dormem tarde”, avalia.

Jet lag
Cláudia Barata, neurologista do Hospital Santa Lúcia de Brasília, conta que outros medicamentos são utilizados nos Estados Unidos para regular o relógio biológico, como a melatonina prescrita para indivíduos que sofrem com o jet lag – alterações em consequência de longas viagens. “Mas, no Brasil, não há autorização para ser vendida”, alerta. “Já sabíamos que o cortisol tinha ação nesses problemas e agora sabemos que os glicocorticoides também. Isso pode ser importante para trabalhos futuros”, complementa.

Cláudia também destaca que tem crescido a quantidade de estudos voltados para os transtornos do sono. “Esse é um piloto, feito somente com 16 pessoas. A partir dele, será possível que outros medicamentos surjam. Muitas vezes, as pessoas que sofrem com esses problemas acham que nada está sendo feito por elas, mas a medicina tem se preocupado com isso”, garante. O universo de futuros beneficiados é grande. Estima-se que só a insônia acometa 15% dos adultos.

Do sono ao apetite

O ciclo circadiano representa o período de 24 horas (um dia), no qual são realizadas as atividades do ciclo biológico dos seres vivos. Uma das funções desse sistema é o ajuste do relógio biológico, controlando o sono e o apetite. Por meio de um marca-passo interno que se encontra no cérebro, o ritmo circadiano regula tanto os ritmos fisiológicos quanto os psicológicos, o que pode interferir em atividades como a digestão em vigília, a renovação de células e também o controle da temperatura corporal.

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