Feliz, saudável e acima do peso: estudos desassociam a obesidade da baixa expectativa de vida
É a inatividade, e não o alto índice de massa corporal (IMC), o mais preocupante
Carolina Cotta - Estado de Minas
Publicação:13/04/2015 08:57Atualização: 13/04/2015 09:14
Seis mulheres lindas e sexies foram “o” assunto da semana passada. Modelos da nova campanha da marca de lingerie plus size Lane Bryant, elas posaram para as câmeras com quilos extras e muita sensualidade, em uma clara provocação à Victoria’s Secrets, que lançou uma coleção de moda íntima para as garotas de corpo perfeito. Com a hashtag #I'mNoAngel, o lema da campanha que viralizou na internet é mostrar que toda mulher pode ser sexy, independentemente das tradições ou estereótipos de beleza impostos pela sociedade. Linda Heasley, presidente da marca, enfatizou que a ideia é incentivar as mulheres a amar todas as partes de seu corpo.
#ImNoAngel: campanha de marca de lingerie viraliza na internet
O gordo, que por tantas gerações foi visto como o feio, o descuidado, o desanimado, está agora em quase todos os lares. Pode não ter voltado a ser padrão de beleza, como já foi no passado, mas de acordo com os últimos dados da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico, pesquisa anual do Ministério da Saúde, 50,8% dos brasileiros estão acima do peso ideal. Desses, 17,5% são obesos. O cenário é resultado do consumo excessivo de alimentos, em conjunto com exercício insuficiente, mas essa fórmula não consegue explicar a rapidez com que a epidemia de obesidade se espalhou globalmente nas últimas décadas.
Pesquisadores acreditam em uma combinação complexa de fatores. Segundo a endocrinologista Cíntia Cercato, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), estudos já determinaram que a genética é responsável por 60% do peso de um indivíduo. Portanto, mais determinante que os próprios hábitos de vida. O American Journal of Clinical Nutrition publicou este mês o resultado de um estudo que, por 12 anos, acompanhou 334 mil europeus para concluir que a inatividade física é responsável por duas vezes mais mortes que a obesidade.
EXERCÍCIOS FÍSICOS
Outro estudo recente demonstrou que o grande vilão nas mortes por doenças cardíacas e câncer não é o excesso de peso, como se imaginava, mas também a inatividade física. A pesquisa, com 43 mil voluntários, identificou pessoas com sobrepeso e obesos com níveis normais de glicose, concentrações elevadas do “bom colesterol”, triglicérides baixos e pressão arterial controlada. “Constatou-se que mais de 50% daqueles com excesso de peso poderiam ser considerados metabolicamente saudáveis. E o mais interessante: o grupo de “gordinhos” metabolicamente saudáveis não tinha risco de morrer maior que os magros também metabolicamente saudáveis”, comenta o cardiologista e médico do esporte Marconi Gomes da Silva, presidente da Sociedade Mineira de Medicina do Exercício e do Esporte (Smexe).
E, assim como é possível estar saudável mesmo acima do peso, é absolutamente natural encontrar pessoas de bem com o corpo. A consultora de marca e estilo Rafa Coelho, de 34 anos, extremamente magra durante a maior parte de sua vida, chegou a engordar 10 quilos para realizar o sonho de se casar com um vestido “de sereia”, que insistia em não cair bem em seu corpo, àquela época sem curvas. Mas, durante a gravidez da filha, teve hiperêmese gravídica, excesso de náuseas e vômitos que impedem a gestante de comer. Passou a gestação internada, por ter chegado aos 43 quilos e, para manter ela e a filha vivas teve que se submeter a um tratamento à base de corticoides e suplementos alimentares, imprescindíveis para reverter a desnutrição extrema. Após a gestação, ganhou mais de 50 quilos, o que não viu como um problema. Hoje, modelo plus size e coautora do site Das Plus (www.dasplus.com.br), do portal Uai (www.uai.com.br), está feliz e bem resolvida com o corpo, mais feminino.
“No mais, beijinho no ombro pra quem não gosta de gordo e tem preconceito com qualquer coisa”, afirma.
Vale o quanto pesa?
Fazer dieta ou destacar o estilo mais cheinho? O fato é que poucas pessoas conseguem lidar bem com a situação. A maioria acha que o mundo só vai gostar delas se forem esbeltas
Em 2013, Robin Lewis, coautor do livro The new rules of retail (As novas regras do varejo, em tradução livre), contou que Mike Jeffries, então presidente da norte-americana Abercrombie & Fitch, não queria “pessoas grandes” comprando a marca, e sim clientes magros e bonitos. Para ele, a única razão para a grife vender tamanhos masculinos maiores era atender a demanda de atletas mais musculosos. Segundo Lewis, Jeffries não gosta de pessoas gordas e não queria que esse público “arruinasse” sua marca. Em 2006, ele já tinha declarado que a comunicação com pessoas bonitas era a base de seu marketing e que só contratava funcionários bem apessoados para suas lojas, porque, assim, atrairia clientela “mais bonita”.
Para a consultora de moda e estilo Rafa Coelho, coautora do site DasPlus – também formado pelo marido, Heitor Peixoto (editor), Jane Leroy (consultora e professora de marketing em moda) e Sílvia Neves, cantora lírica e modelo plus size –, o acesso à internet e às redes sociais deu extraordinário empoderamento ao público consumidor e aos formadores de opinião, e esse meio tem sido implacável em um aspecto: posicionamento estratégico baseado em preconceito não passa mais “goela abaixo”, nem para a parcela de público “rejeitada” nem para o segmento que supostamente seria o alvo estratégico. Está aí o exemplo da campanha de lingerie plus size que fez tanto sucesso esta semana. “Nessas horas, a solidariedade e os conceitos de humanidade costumam falar mais alto. O público tem refutado cada vez mais moda com restrições”, explica.
Mas poucas pessoas acima do peso conseguem lidar bem com a situação. Aline Teodoro, de 32 anos, idealizadora do blog EuExPlusSize, do portal Uai, sempre foi magra. Em 2002, começou a engordar. Com 1,70 metro de altura, ela ainda se lembra de quando vestia manequim 38/40. Em julho de 2014, e chegou ao seu peso máximo: 110 quilos. “Engordei 40 quilos, mesmo sem ter filhos”, conta. Aline sempre se incomodou com a obesidade e recorria a medicamentos com orientação médica. Emagrecia um pouco e engordava novamente mais que o dobro. Sem contar os efeitos colaterais. O marido, educador físico, a incentiva a emagrecer de forma saudável.
Para ela, não há como estar acima do peso e manter uma vida saudável. “A matemática não bate. Daí você encontra pessoas que afirmam que são gordinhas e têm uma vida saudável. Será verdade? Sim! Por um tempo determinado. Isso ocorreu comigo. Procurei um médico para acompanhar meu emagrecimento. Ele me pediu uma bateria de exames de sangue e, para minha surpresa, fui informada que, apesar de minha saúde estar ok, em um longo espaço de tempo, ou seja, em menos de 20 anos, iriam se desencadear doenças por conta da obesidade, como pressão alta, diabetes, doenças cardiorrespiratórias, colesterol elevado, câncer e infertilidade, entre outras”, acredita.
Aline defende que sua felicidade está ligada ao seu bem-estar. “Ter saúde é o que todo mundo deseja. Dizer que a felicidade está condicionada à obesidade ou à magreza é muito peculiar. Não faço apologia à obesidade ou à magreza, mas sim à boa qualidade de vida. A felicidade está condicionada à saúde”, defende. Seu blog surgiu também em julho de 2014, quando decidiu, definitivamente, mudar seu estilo de vida. “Estava realmente cansada de ficar acima do peso. De ir às lojas de departamento e não encontrar roupas bonitas que coubessem em mim, de andar nos ônibus e as pessoas fecharem a cara quando eu escolhia sentar perto delas, de ir às lojas 'comuns' que vinham com placas ‘Vendem-se tamanhos especiais’ e não encontrar a numeração especial conforme prometido, servindo de chacota para vendedores”, desabafa.
No blog, ela relata todo seu processo de emagrecimento para, futuramente, ser inspiração para alguém, assim como algumas pessoas a inspiram hoje. “Precisava de uma motivação. No blog, posto meus vídeos, dicas de saúde e situações que ocorrem comigo na condição de gordinha. E, assim, prossigo até alcançar a minha meta: perder 35 quilos.” A blogueira se diz a favor de Plus Size quando o assunto é moda, “porque, infelizmente, o ‘mercado comum’ não comercializa peças de roupa bonitas para quem está acima do peso. O que é um erro. Agora, algumas pessoas, não digo todas, que fazem apologia à gordura como mais uma opção de viver não me representam”, afirma.
Já Rafa Gomes, do site DasPlus, diz ter comichões quando alguns colegas perguntam: vocês são a favor da obesidade? Não cometem uma irresponsabilidade?” Quanto à primeira pergunta, acho a mais idiota do mundo. Sou a favor das pessoas, independentemente se estão anoréxicas ou obesas. Sabem os motivos que as levaram a serem taxadas? Foi uma condição genética? Distúrbios alimentares ou emocionais? Doenças? Porque, sim, existem pessoas que são magras não por falta de comida e gordas também não pelo excesso. E irresponsável seria se divulgássemos informações, dicas, ou não sugeríssemos uma vida saudável para os nossos leitores. Lembrando, é claro, que ser saudável não é só ter um corpo magro”, desabafa.
ATENÇÃO COM A DIETA
O cardiologista e médico do esporte Marconi Gomes da Silva, vê com preocupação a disseminação das dietas malucas que visam perder peso rapidamente e sem qualquer estímulo à prática de exercícios físicos. De acordo com o médico, muitas pessoas podem atingir as metas de peso considerado normal, mas sem se exercitarem não terão se tornado metabolicamente saudáveis, podendo manter ainda uma grande porcentagem de gordura corporal e emagrecer à custa da perda de massa magra, ou seja, perder músculos. E esses representam uma função essencial no controle metabólico, uma vez que são os maiores consumidores de glicose.
Outro mito que precisa ser derrubado, na opinião da endocrinologista Cíntia Cercato, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), é a crença de que obeso precisa emagrecer para chegar ao “peso ideal”. “Ele dificilmente chegará a ele. Dez porcento de redução no peso já melhora, e muito, a qualidade de vida e os riscos de desenvolver uma doença. Essa pequena perda já é capaz de diminuir em 20% os riscos de a pessoa se tornar diabética. Só de emagrecer, a pessoa tem um benefício metabólico, não precisa chegar ao peso ideal. E dá para comer um pouco de tudo e ter boa saúde. Ninguém precisa ser radical”, explica.
Pior que o sobrepeso é o sedentarismo
Especialistas afirmam que o segredo para se manter saudável é tornar-se fisicamente ativo. Mas antes de iniciar as atividades físicas é recomendável passar por avaliação médica
“Melhor um gordinho ativo que um magro sedentário.” A frase da endocrinologista Cíntia Cercato, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), abala o mito de que o sobrepeso e a obesidade estariam diretamente relacionados à falta de saúde e a um maior risco de morrer. Segundo a especialista, grandes estudos populacionais vêm mostrando como essa condição aumenta o risco de uma série de doenças e, sim, reduz a expectativa de vida. Mas várias evidências científicas também revelam que mais importante que o peso em si é o fato de essa pessoa ser ativa ou não. “O sedentarismo é fator de risco mais importante que a própria obesidade”, pondera.
Linda Bacon, ph.D. em fisiologia com foco em nutrição e controle de peso, professora do Departamento de Biologia do City College of San Francisco e de nutrição na University of California, é autora de livros de referência na área: Body respect and health at every size (Corpo respeitado e saúde em qualquer peso, em tradução literal). Segundo a pesquisadora, a taxa de mortalidade de homens e mulheres magros, mas sedentários, é, pelo menos, duas vezes maior que os índices de morte de homens e mulheres obesos, porém, fisicamente ativos. “Na realidade, qualquer que seja a composição corporal, os sedentários têm maior risco de morrer que os fisicamente ativos, independentemente do quanto pesam. A atividade física é o fator-chave para essa proteção, não o peso.”
É possível ser gordo e saudável. Segundo Cercato, assim como existe o obeso metabolicamente saudável, também há o magro metabolicamente obeso. Por isso, nem todos os tipos de obesidade podem ser associados a um maior risco cardiovascular. A gordura abdominal, aquela que se concentra na região da barriga, é a mais perigosa e pode ocorrer tanto em obesos quanto em magros. “A pessoa acima do peso ou mesmo na faixa da obesidade, sem a gordura predominantemente abdominal, pode ter exames clínicos normais. Assim como uma pessoa de Índice de Massa Corporal (IMC) normal pode ter todas as alterações associadas à obesidade. É por isso que não se olha o IMC isoladamente. Ele conta, mas não é o único indicador de risco. Também é preciso observar como a gordura está distribuída no corpo e o quanto essa pessoa se exercita, porque pior que ser obeso é ser sedentário”, alerta.
Apesar de a obesidade vir acompanhada de um aumento significativo na prevalência de diabetes tipo 2, um dos mais importantes fatores de risco para doença cardiovascular, hipertensão, insuficiência renal e, até mesmo, alguns tipos de câncer, para o cardiologista e médico do esporte Marconi Gomes da Silva, presidente da Sociedade Mineira de Medicina do Exercício e do Esporte (Smexe), talvez o maior de todos os problemas esteja no sedentarismo. E a população mundial está cada vez mais sedentária. O excesso de peso também se torna um problema maior quando associado a alguma anormalidade metabólica. “Obviamente, quanto mais peso se tem, maior a probabilidade de uma anormalidade metabólica, o que não é uma regra”, comenta o médico.
Não há dúvidas de que o segredo para se manter saudável é o exercício. “Se você está magro ou acima do peso, exercite-se. Essa é a melhor forma de ser metabolicamente saudável, independentemente de seu peso. Mas não podemos nos enganar, embora cada vez mais pesquisas sugiram que o excesso de peso por si só pode não ser o maior responsável pelas mortes prematuras e doenças metabólicas. Ainda assim, pessoas nesse grupo estão mais propensas a desenvolver outros fatores de risco metabólicos que podem contribuir para o surgimento de doença crônicas”, alerta Marconi.
Segundo o médico do esporte, bastam 30 minutos de atividade física de intensidade moderada em cinco ou mais dias por semana, ou 75 minutos de atividade vigorosa ou mesmo 150 minutos de uma combinação de exercícios moderados e vigorosos, por semana. Se a pessoa estiver sedentária há muito tempo ou muito acima do peso, recomenda-se uma avaliação médica antes de iniciar atividades físicas de maior intensidade, sobretudo para prevenir lesões osteomusculares e riscos cardiológicos.
GENÉTICA Foi só parar com o exercício diário e o publicitário Filipe Thales, de 32 anos, experimentou o primeiro porém em relação ao seu excesso de peso, característica que o acompanha desde a infância e que nunca o incomodou. Apesar de a maioria da família estar, há vários anos, acima do peso, “a saúde vai bem, obrigado”. Os avós de Filipe, por exemplo, morreram com mais de 90 anos. A caminhada de 40 minutos é um hábito do publicitário, que deu uma rápida parada em função de compromissos profissionais. A pressão, até então na casa dos 12x8, subiu para 13x8, o que ele pretende reverter com o retorno à atividade.
Filipe fez dieta uma única vez, quando quebrou os tornozelos e precisou perder 10% do peso para ajudar na recuperação. Mas diz não comer o suficiente para mantê-lo nos 125 quilos atuais. Segundo Cercato, é muito comum a pessoa acima do peso ter dificuldade para emagrecer, por pressão da genética. Há quem tem predisposição para ser obeso, mesmo que não coma tão mal. Mas também é mais comum ver obesos com hábitos ruins do que com hábitos saudáveis. “A questão é: o quanto a obesidade te faz mal? O quanto te traz problemas? Se a pessoa está acima do peso, mas não é sedentária, tem os exames sob controle e está feliz, não é preciso se render a essa ditadura da magreza.”
Amor é o que conta
Heitor Peixoto conheceu a esposa, Rafa Coelho, em 2006. Ela já era mãe de um menino e tinha o que chamam por aí de “corpo normal”. Com dois meses de namoro, já eram noivos; com sete meses, marido e mulher; e menos de um ano depois já esperavam a chegada de Laura. Uma doença grave, a hiperemese gravídica, fez Rafa perder 30 quilos, quando o natural seria ganhar peso. “Ela era pele, osso e a barriga. Como último recurso, o médico entrou com corticoides e dieta à base de whey prothein e maltodextrina. Coisa de academia mesmo. E alertou: 'Prepare-se, porque, quando passar essa fase, você vai engordar muito'”, lembra Heitor. Laura nasceu e Rafa começou a engordar. Até voltou a emagrecer, mas uma nova cirurgia, dessa vez de joelho, em função de um problema genérico, retomou com o que tinha perdido. Heitor sabe como isso mexe com a autoestima de qualquer mulher. Em um depoimento ao blog Mulherão, Heitor disse que se incomodava também, mas apenas por vê-la insatisfeita. “Os quilos e manequins a mais nunca me preocuparam (nunca não, apenas pela perspectiva da saúde, na qual estamos sempre de olho), mas vinham aborrecê-la cotidianamente, sobretudo na hora de escolher a roupa para sair: 'Tá marcando na barriga? O braço tá gordo? Tô enorme nesse!'. Da minha parte, eu até me forçava a desgostar do que via, tentando concordar com ela. Mas não tinha jeito”, conta. Ao longo da vida de casal, Heitor viu a mulher de “corpo normal” engordando no início da gravidez, virando pele e osso no nascimento da filha, engordando como nunca depois disso, voltando ao peso lá do início de namoro e engordando tudo de novo. “Muitas Rafaelas diferentes? Para mim, não. O que via e o que vejo é a mesma mulher que me arrebatou nove anos atrás, com todas as suas perfeições e imperfeições, de corpo e de gênio. Na real, houve sim duas Rafaelas. A magra e a gorda? Negativo! A que eu amei no primeiro olhar e a que hoje, muitos quilos além, eu amo ainda mais”, declara-se.
Magra na maior parte de sua vida, a modelo plus size Rafa Coelho, de 34 anos, engordou após um quadro de desnutrição extrema na gravidez. Hoje tem mais domínio do seu corpo e se sente mais sensual
#ImNoAngel: campanha de marca de lingerie viraliza na internet
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Peças publicitárias que retratam mulheres e homens acima do peso como exemplos de beleza e sensualidade são minoria, quase raridade. Mas essa visão preconceituosa, alicerçada em um padrão estético em que só a magreza tem lugar, vai, aos poucos, ganhando novos e fartos contornos. Esse novo olhar para o gordinho, para o forte, para o “excesso de fofura” e tantos outros eufemismos que já revelam a dificuldade de nossa sociedade se dirigir à pessoa obesa ou acima do peso tem suas raízes na mudança do padrão corporal: a obesidade vem aumentando na grande maioria dos países desenvolvidos e também nos países em desenvolvimento, com poucas exceções.-
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O gordo, que por tantas gerações foi visto como o feio, o descuidado, o desanimado, está agora em quase todos os lares. Pode não ter voltado a ser padrão de beleza, como já foi no passado, mas de acordo com os últimos dados da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico, pesquisa anual do Ministério da Saúde, 50,8% dos brasileiros estão acima do peso ideal. Desses, 17,5% são obesos. O cenário é resultado do consumo excessivo de alimentos, em conjunto com exercício insuficiente, mas essa fórmula não consegue explicar a rapidez com que a epidemia de obesidade se espalhou globalmente nas últimas décadas.
Pesquisadores acreditam em uma combinação complexa de fatores. Segundo a endocrinologista Cíntia Cercato, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), estudos já determinaram que a genética é responsável por 60% do peso de um indivíduo. Portanto, mais determinante que os próprios hábitos de vida. O American Journal of Clinical Nutrition publicou este mês o resultado de um estudo que, por 12 anos, acompanhou 334 mil europeus para concluir que a inatividade física é responsável por duas vezes mais mortes que a obesidade.
EXERCÍCIOS FÍSICOS
Outro estudo recente demonstrou que o grande vilão nas mortes por doenças cardíacas e câncer não é o excesso de peso, como se imaginava, mas também a inatividade física. A pesquisa, com 43 mil voluntários, identificou pessoas com sobrepeso e obesos com níveis normais de glicose, concentrações elevadas do “bom colesterol”, triglicérides baixos e pressão arterial controlada. “Constatou-se que mais de 50% daqueles com excesso de peso poderiam ser considerados metabolicamente saudáveis. E o mais interessante: o grupo de “gordinhos” metabolicamente saudáveis não tinha risco de morrer maior que os magros também metabolicamente saudáveis”, comenta o cardiologista e médico do esporte Marconi Gomes da Silva, presidente da Sociedade Mineira de Medicina do Exercício e do Esporte (Smexe).
E, assim como é possível estar saudável mesmo acima do peso, é absolutamente natural encontrar pessoas de bem com o corpo. A consultora de marca e estilo Rafa Coelho, de 34 anos, extremamente magra durante a maior parte de sua vida, chegou a engordar 10 quilos para realizar o sonho de se casar com um vestido “de sereia”, que insistia em não cair bem em seu corpo, àquela época sem curvas. Mas, durante a gravidez da filha, teve hiperêmese gravídica, excesso de náuseas e vômitos que impedem a gestante de comer. Passou a gestação internada, por ter chegado aos 43 quilos e, para manter ela e a filha vivas teve que se submeter a um tratamento à base de corticoides e suplementos alimentares, imprescindíveis para reverter a desnutrição extrema. Após a gestação, ganhou mais de 50 quilos, o que não viu como um problema. Hoje, modelo plus size e coautora do site Das Plus (www.dasplus.com.br), do portal Uai (www.uai.com.br), está feliz e bem resolvida com o corpo, mais feminino.
“No mais, beijinho no ombro pra quem não gosta de gordo e tem preconceito com qualquer coisa”, afirma.
Vale o quanto pesa?
Fazer dieta ou destacar o estilo mais cheinho? O fato é que poucas pessoas conseguem lidar bem com a situação. A maioria acha que o mundo só vai gostar delas se forem esbeltas
Peça da campanha #IAmNoAngel, da marca de lingerie plus size Lane Bryant
Em 2013, Robin Lewis, coautor do livro The new rules of retail (As novas regras do varejo, em tradução livre), contou que Mike Jeffries, então presidente da norte-americana Abercrombie & Fitch, não queria “pessoas grandes” comprando a marca, e sim clientes magros e bonitos. Para ele, a única razão para a grife vender tamanhos masculinos maiores era atender a demanda de atletas mais musculosos. Segundo Lewis, Jeffries não gosta de pessoas gordas e não queria que esse público “arruinasse” sua marca. Em 2006, ele já tinha declarado que a comunicação com pessoas bonitas era a base de seu marketing e que só contratava funcionários bem apessoados para suas lojas, porque, assim, atrairia clientela “mais bonita”.
Para a consultora de moda e estilo Rafa Coelho, coautora do site DasPlus – também formado pelo marido, Heitor Peixoto (editor), Jane Leroy (consultora e professora de marketing em moda) e Sílvia Neves, cantora lírica e modelo plus size –, o acesso à internet e às redes sociais deu extraordinário empoderamento ao público consumidor e aos formadores de opinião, e esse meio tem sido implacável em um aspecto: posicionamento estratégico baseado em preconceito não passa mais “goela abaixo”, nem para a parcela de público “rejeitada” nem para o segmento que supostamente seria o alvo estratégico. Está aí o exemplo da campanha de lingerie plus size que fez tanto sucesso esta semana. “Nessas horas, a solidariedade e os conceitos de humanidade costumam falar mais alto. O público tem refutado cada vez mais moda com restrições”, explica.
Rafa Coelho, Jane Leroy, Heitor Peixoto e Sílvia Neves, são parceiros no site DasPlus, que busca novo sentido para a beleza, a moda, os valores e os costumes
Para ela, não há como estar acima do peso e manter uma vida saudável. “A matemática não bate. Daí você encontra pessoas que afirmam que são gordinhas e têm uma vida saudável. Será verdade? Sim! Por um tempo determinado. Isso ocorreu comigo. Procurei um médico para acompanhar meu emagrecimento. Ele me pediu uma bateria de exames de sangue e, para minha surpresa, fui informada que, apesar de minha saúde estar ok, em um longo espaço de tempo, ou seja, em menos de 20 anos, iriam se desencadear doenças por conta da obesidade, como pressão alta, diabetes, doenças cardiorrespiratórias, colesterol elevado, câncer e infertilidade, entre outras”, acredita.
Aline defende que sua felicidade está ligada ao seu bem-estar. “Ter saúde é o que todo mundo deseja. Dizer que a felicidade está condicionada à obesidade ou à magreza é muito peculiar. Não faço apologia à obesidade ou à magreza, mas sim à boa qualidade de vida. A felicidade está condicionada à saúde”, defende. Seu blog surgiu também em julho de 2014, quando decidiu, definitivamente, mudar seu estilo de vida. “Estava realmente cansada de ficar acima do peso. De ir às lojas de departamento e não encontrar roupas bonitas que coubessem em mim, de andar nos ônibus e as pessoas fecharem a cara quando eu escolhia sentar perto delas, de ir às lojas 'comuns' que vinham com placas ‘Vendem-se tamanhos especiais’ e não encontrar a numeração especial conforme prometido, servindo de chacota para vendedores”, desabafa.
No blog, ela relata todo seu processo de emagrecimento para, futuramente, ser inspiração para alguém, assim como algumas pessoas a inspiram hoje. “Precisava de uma motivação. No blog, posto meus vídeos, dicas de saúde e situações que ocorrem comigo na condição de gordinha. E, assim, prossigo até alcançar a minha meta: perder 35 quilos.” A blogueira se diz a favor de Plus Size quando o assunto é moda, “porque, infelizmente, o ‘mercado comum’ não comercializa peças de roupa bonitas para quem está acima do peso. O que é um erro. Agora, algumas pessoas, não digo todas, que fazem apologia à gordura como mais uma opção de viver não me representam”, afirma.
Marconi Gomes da Silva, cardiologista e médico do esporte
ATENÇÃO COM A DIETA
O cardiologista e médico do esporte Marconi Gomes da Silva, vê com preocupação a disseminação das dietas malucas que visam perder peso rapidamente e sem qualquer estímulo à prática de exercícios físicos. De acordo com o médico, muitas pessoas podem atingir as metas de peso considerado normal, mas sem se exercitarem não terão se tornado metabolicamente saudáveis, podendo manter ainda uma grande porcentagem de gordura corporal e emagrecer à custa da perda de massa magra, ou seja, perder músculos. E esses representam uma função essencial no controle metabólico, uma vez que são os maiores consumidores de glicose.
Outro mito que precisa ser derrubado, na opinião da endocrinologista Cíntia Cercato, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), é a crença de que obeso precisa emagrecer para chegar ao “peso ideal”. “Ele dificilmente chegará a ele. Dez porcento de redução no peso já melhora, e muito, a qualidade de vida e os riscos de desenvolver uma doença. Essa pequena perda já é capaz de diminuir em 20% os riscos de a pessoa se tornar diabética. Só de emagrecer, a pessoa tem um benefício metabólico, não precisa chegar ao peso ideal. E dá para comer um pouco de tudo e ter boa saúde. Ninguém precisa ser radical”, explica.
Filipe Thales tem o peso acima do normal, mas só sentiu isso na pele depois que parou de se exercitar por uns dias e viu a pressão subir de 12x8 para 13x8
Pior que o sobrepeso é o sedentarismo
Especialistas afirmam que o segredo para se manter saudável é tornar-se fisicamente ativo. Mas antes de iniciar as atividades físicas é recomendável passar por avaliação médica
“Melhor um gordinho ativo que um magro sedentário.” A frase da endocrinologista Cíntia Cercato, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), abala o mito de que o sobrepeso e a obesidade estariam diretamente relacionados à falta de saúde e a um maior risco de morrer. Segundo a especialista, grandes estudos populacionais vêm mostrando como essa condição aumenta o risco de uma série de doenças e, sim, reduz a expectativa de vida. Mas várias evidências científicas também revelam que mais importante que o peso em si é o fato de essa pessoa ser ativa ou não. “O sedentarismo é fator de risco mais importante que a própria obesidade”, pondera.
Linda Bacon, ph.D. em fisiologia com foco em nutrição e controle de peso, professora do Departamento de Biologia do City College of San Francisco e de nutrição na University of California, é autora de livros de referência na área: Body respect and health at every size (Corpo respeitado e saúde em qualquer peso, em tradução literal). Segundo a pesquisadora, a taxa de mortalidade de homens e mulheres magros, mas sedentários, é, pelo menos, duas vezes maior que os índices de morte de homens e mulheres obesos, porém, fisicamente ativos. “Na realidade, qualquer que seja a composição corporal, os sedentários têm maior risco de morrer que os fisicamente ativos, independentemente do quanto pesam. A atividade física é o fator-chave para essa proteção, não o peso.”
É possível ser gordo e saudável. Segundo Cercato, assim como existe o obeso metabolicamente saudável, também há o magro metabolicamente obeso. Por isso, nem todos os tipos de obesidade podem ser associados a um maior risco cardiovascular. A gordura abdominal, aquela que se concentra na região da barriga, é a mais perigosa e pode ocorrer tanto em obesos quanto em magros. “A pessoa acima do peso ou mesmo na faixa da obesidade, sem a gordura predominantemente abdominal, pode ter exames clínicos normais. Assim como uma pessoa de Índice de Massa Corporal (IMC) normal pode ter todas as alterações associadas à obesidade. É por isso que não se olha o IMC isoladamente. Ele conta, mas não é o único indicador de risco. Também é preciso observar como a gordura está distribuída no corpo e o quanto essa pessoa se exercita, porque pior que ser obeso é ser sedentário”, alerta.
Apesar de a obesidade vir acompanhada de um aumento significativo na prevalência de diabetes tipo 2, um dos mais importantes fatores de risco para doença cardiovascular, hipertensão, insuficiência renal e, até mesmo, alguns tipos de câncer, para o cardiologista e médico do esporte Marconi Gomes da Silva, presidente da Sociedade Mineira de Medicina do Exercício e do Esporte (Smexe), talvez o maior de todos os problemas esteja no sedentarismo. E a população mundial está cada vez mais sedentária. O excesso de peso também se torna um problema maior quando associado a alguma anormalidade metabólica. “Obviamente, quanto mais peso se tem, maior a probabilidade de uma anormalidade metabólica, o que não é uma regra”, comenta o médico.
Não há dúvidas de que o segredo para se manter saudável é o exercício. “Se você está magro ou acima do peso, exercite-se. Essa é a melhor forma de ser metabolicamente saudável, independentemente de seu peso. Mas não podemos nos enganar, embora cada vez mais pesquisas sugiram que o excesso de peso por si só pode não ser o maior responsável pelas mortes prematuras e doenças metabólicas. Ainda assim, pessoas nesse grupo estão mais propensas a desenvolver outros fatores de risco metabólicos que podem contribuir para o surgimento de doença crônicas”, alerta Marconi.
Segundo o médico do esporte, bastam 30 minutos de atividade física de intensidade moderada em cinco ou mais dias por semana, ou 75 minutos de atividade vigorosa ou mesmo 150 minutos de uma combinação de exercícios moderados e vigorosos, por semana. Se a pessoa estiver sedentária há muito tempo ou muito acima do peso, recomenda-se uma avaliação médica antes de iniciar atividades físicas de maior intensidade, sobretudo para prevenir lesões osteomusculares e riscos cardiológicos.
GENÉTICA Foi só parar com o exercício diário e o publicitário Filipe Thales, de 32 anos, experimentou o primeiro porém em relação ao seu excesso de peso, característica que o acompanha desde a infância e que nunca o incomodou. Apesar de a maioria da família estar, há vários anos, acima do peso, “a saúde vai bem, obrigado”. Os avós de Filipe, por exemplo, morreram com mais de 90 anos. A caminhada de 40 minutos é um hábito do publicitário, que deu uma rápida parada em função de compromissos profissionais. A pressão, até então na casa dos 12x8, subiu para 13x8, o que ele pretende reverter com o retorno à atividade.
Filipe fez dieta uma única vez, quando quebrou os tornozelos e precisou perder 10% do peso para ajudar na recuperação. Mas diz não comer o suficiente para mantê-lo nos 125 quilos atuais. Segundo Cercato, é muito comum a pessoa acima do peso ter dificuldade para emagrecer, por pressão da genética. Há quem tem predisposição para ser obeso, mesmo que não coma tão mal. Mas também é mais comum ver obesos com hábitos ruins do que com hábitos saudáveis. “A questão é: o quanto a obesidade te faz mal? O quanto te traz problemas? Se a pessoa está acima do peso, mas não é sedentária, tem os exames sob controle e está feliz, não é preciso se render a essa ditadura da magreza.”
Amor é o que conta
Heitor Peixoto conheceu a esposa, Rafa Coelho, em 2006. Ela já era mãe de um menino e tinha o que chamam por aí de “corpo normal”. Com dois meses de namoro, já eram noivos; com sete meses, marido e mulher; e menos de um ano depois já esperavam a chegada de Laura. Uma doença grave, a hiperemese gravídica, fez Rafa perder 30 quilos, quando o natural seria ganhar peso. “Ela era pele, osso e a barriga. Como último recurso, o médico entrou com corticoides e dieta à base de whey prothein e maltodextrina. Coisa de academia mesmo. E alertou: 'Prepare-se, porque, quando passar essa fase, você vai engordar muito'”, lembra Heitor. Laura nasceu e Rafa começou a engordar. Até voltou a emagrecer, mas uma nova cirurgia, dessa vez de joelho, em função de um problema genérico, retomou com o que tinha perdido. Heitor sabe como isso mexe com a autoestima de qualquer mulher. Em um depoimento ao blog Mulherão, Heitor disse que se incomodava também, mas apenas por vê-la insatisfeita. “Os quilos e manequins a mais nunca me preocuparam (nunca não, apenas pela perspectiva da saúde, na qual estamos sempre de olho), mas vinham aborrecê-la cotidianamente, sobretudo na hora de escolher a roupa para sair: 'Tá marcando na barriga? O braço tá gordo? Tô enorme nesse!'. Da minha parte, eu até me forçava a desgostar do que via, tentando concordar com ela. Mas não tinha jeito”, conta. Ao longo da vida de casal, Heitor viu a mulher de “corpo normal” engordando no início da gravidez, virando pele e osso no nascimento da filha, engordando como nunca depois disso, voltando ao peso lá do início de namoro e engordando tudo de novo. “Muitas Rafaelas diferentes? Para mim, não. O que via e o que vejo é a mesma mulher que me arrebatou nove anos atrás, com todas as suas perfeições e imperfeições, de corpo e de gênio. Na real, houve sim duas Rafaelas. A magra e a gorda? Negativo! A que eu amei no primeiro olhar e a que hoje, muitos quilos além, eu amo ainda mais”, declara-se.