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Imunoterapia contra o câncer tem se mostrado cada vez mais eficaz

Uso de medicamentos que têm como função ajudar o sistema imunológico a combater tumores

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Humberto Rezende - Estado de Minas Publicação:23/07/2015 15:00Atualização:10/07/2015 10:04
A maior arma contra o câncer pode estar no próprio paciente. O encontro de 2015 da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco, na sigla em inglês), que começou na sexta-feira passada e termina hoje em Chicago (EUA), confirma que o combate à doença ingressou em uma nova era graças à imunoterapia. Nessa estratégia de tratamento, os cientistas não buscam descobrir moléculas capazes de destruir tumores, mas tentam ajudar o sistema natural de defesa do organismo a atacar as células doentes. Em outras palavras, o sistema imunológico se transformou no mais novo e promissor remédio anticâncer.

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A imunoterapia merece grande destaque no evento da Asco, o maior da área de oncologia no mundo, que, neste ano, conta com a participação de 25 mil médicos e com a apresentação de 5 mil artigos científicos. Estudos com essa abordagem foram selecionados para abrir as conferências realizadas exclusivamente para a imprensa e se destacaram nas sessões plenárias, as mais prestigiadas. Entre os resultados já alcançados com a estratégia, promissores avanços na luta contra diversos cânceres, como os de pele, fígado, cabeça e pescoço, cólon e reto, e pulmão.

“O campo das imunoterapias fica mais empolgante a cada ano. De maneira impressionante, essas drogas vêm se mostrando eficazes em cânceres contra os quais praticamente nenhum outro tratamento funciona”, afirmou Lynn Schuchter, especialista membro da Asco. Mas o que essas drogas efetivamente fazem?

De forma resumida, elas permitem que o sistema imunológico faça o que sempre deveria ter sido feito. Quando surgem células cancerígenas no corpo, a defesa natural do organismo as identifica e começa a matá-las. No entanto, o câncer logo percebe esse ataque e cria disfarces, tornando-se invisível para as células de defesa. Assim, ele passa a proliferar sem ser incomodado.

A imunoterapia consiste na fabricação em laboratório de proteínas que já existem no corpo humano (chamadas anticorpos monoclonais) e que podem atrapalhar os planos do câncer de duas maneiras: ou elas deixam as células de defesa mais espertas e capazes de identificar o câncer ou destroem a camuflagem usada pelo tumor, revelando-o novamente para o sistema imune. A segunda estratégia é o que faz, por exemplo, a substância avelumabe, um anticorpo que inibe a expressão da proteína PD-L1.

Em um organismo saudável, a PD-L1 tem a função de suprimir a ação do sistema imunológico, quando necessário — na gravidez, por exemplo, ela impede que o organismo da mãe interprete o feto como um invasor a ser atacado. O que o câncer faz é usar essa proteína como uma estratégia de sobrevivência. Ao ser atacado, o tumor expressa a PD-L1, tornando-se um alvo invisível para o sistema imunológico.

Espião
O câncer é capaz de fazer isso porque é uma célula mutante, ou seja, não é totalmente estranho ao organismo humano e, por isso, preserva muitas das características das células saudáveis, incluindo a capacidade de expressar a PD-L1. Cientistas costumam dizer que, com essa compreensão, o tumor deixa de ser descrito como um invasor e passa a ser visto como uma espécie de espião, ou um traidor. “Se o sistema imune fosse competente para reconhecer o tumor, não teríamos câncer”, disse em entrevista coletiva Luciano Rossetti, chefe global de Pesquisa e Desenvolvimento da Merck, que desenvolve, em parceria com a Pfizer, o avelumabe.

Atualmente, o remédio está em fase de testes para diferentes tipos de câncer, incluindo os de pulmão, de pele, de rins e de ovário, vários deles apresentados no encontro da Asco. Uma característica empolgante da imunoterapia é que os anticorpos monoclonais criados para ajudar o sistema imunológico acabam sendo potencialmente eficazes para uma grande variedade de cânceres. E é fácil entender por quê. Se a estratégia for tornar as células de defesa mais potentes, elas acabarão sendo melhores caçadoras de tumores — qualquer que seja o tipo. E, no caso de inibidores de PD-L1, o mesmo efeito ocorre, porque essa é uma estratégia usada por uma imensa gama de tumores.

Outra vantagem que as pesquisas têm apontado é que a imunoterapia pode ser mais duradoura que os outros tratamentos. Isso porque, uma vez que o sistema imune aprende a combater o câncer, novas células de defesa com essa habilidade são geradas.

Tudo isso justifica o fascínio que essa nova estratégia de terapia tem gerado. No entanto, os cientistas são muito reticentes sobre afirmar que a luta contra o câncer está perto do fim. Muitas questões ainda precisam ser respondidas, como por que uma grande quantidade de pacientes não responde como esperado à imunoterapia. Além disso, várias das novas drogas se mostram mais eficazes que as tradicionais, mas não conseguem eliminar totalmente os tumores (Leia abaixo).

Assim, antes de tratar a estratégia como a solução final, o mais apropriado é encarar os novos tratamentos como mais uma poderosa arma no arsenal contra o câncer. “Eu seria muito cauteloso em falar, por exemplo, que a imunoterapia vai substituir a quimioterapia”, ressaltou John C. Lin, especialista da área de biotecnologia da Pfizer. Segundo ele, as novas drogas muito provavelmente serão usadas em conjunto com outras, incluindo as quimioterápicas, para melhorar o tratamento oferecido aos pacientes.

Bons resultados, altos preços
O aparecimento da imunoterapia tem gerado uma série de pesquisas em todo o mundo. Durante o encontro da Asco, muitos desses estudos têm sido mostrados. No mais comentado deles, apresentado no domingo, a combinação de duas drogas — nivolumabe e ipilimumabe — aumentou significativamente o tempo de vida de pacientes com melanoma (tipo de câncer de pele) em estágio avançado.

O nivolumabe, em fase de aprovação nos Estados Unidos, age de forma parecida à do avelumabe, mas, em vez de atuar sobre a proteína PD-L1 nos tumores, ela inibe o receptor PD-1 nas células de defesa T. É como se o remédio atrapalhasse os planos do tumor de enganar o sistema imunológico ao tampar os ouvidos desse último, impedindo-o de “cair na conversa” do câncer.

Por sua vez, o ipilimunabe, já usado contra melanoma e aprovado, inclusive, no Brasil, aumenta a capacidade de células do sistema imunológico ao inibir um caminho molecular denominado CTLA-4. Os pacientes tratados com as duas drogas viveram em média mais 11,5 meses, enquanto aqueles tratados apenas com nivolumabe resistiram por 6,9 meses, e os que receberam apenas ipilimumabe, 2,9 meses.

Em outra pesquisa, feita pelo Hospital Universitário 12 de Outubro, em Madri, o nivolumabe aumentou o tempo de vida de pacientes com o tipo mais comum de câncer de pulmão em três meses, quando comparado a um tratamento com a droga docetaxel.

Apesar de resultados como esses animarem a comunidade científica presente, o preço dos medicamentos tem provocado muitos debates. O custo é considerado exorbitante mesmo para a realidade americana. Durante um painel no domingo, Leonard Saltz, especialista do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, lembrou que o ipilimumabe custa “cerca de 4 mil vezes mais que o ouro”. Segundo ele, agências reguladoras, o governo e as fabricantes de medicamentos precisam trabalhar juntas para amenizar o problema.

O mesmo precisa ser feito no Brasil, afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (Sboc), Evanius Wiermann. “O Brasil sofre ainda com a burocracia, que retarda a aprovação de medicamentos, o que limita tanto a oferta de drogas aos pacientes quanto a participação do país em mais estudos internacionais”, afirma.

Para o médico, o governo, as sociedades médicas e de pacientes e as indústrias farmacêuticas precisam dialogar para traçar estratégias que favoreçam a chegada mais rápida e mais barata das novas drogas ao Brasil. Hoje, as quatro doses que compõem o tratamento de ipilimumabe custam R$ 280 mil no país. “E muitas das novidades que conhecemos aqui no congresso hoje não poderão ser receitadas tão cedo para os pacientes devido à burocracia brasileira na aprovação.”

* O repórter viajou a convite da Pfizer e da Merck

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