"A batalha contra o câncer é uma maratona", corredora lança mão da garra esportiva para vencer a doença

Em entrevista, Déborah Aquino resume episódios marcantes dessa longa jornada

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Juliana Contaifer - Especial para a Revista do Correio Publicação:21/08/2015 11:00Atualização:20/08/2015 15:13
 Já curada, a maratonista fez as pazes com a doença. Passou por horas de negação, de tristeza, de choro descontrolado, de medo pelo futuro, mas hoje aceita que o câncer apareceu para mudar sua vida (Reprodução Instagram)
Já curada, a maratonista fez as pazes com a doença. Passou por horas de negação, de tristeza, de choro descontrolado, de medo pelo futuro, mas hoje aceita que o câncer apareceu para mudar sua vida
O câncer não escolhe em quem aparece. Como uma ironia, contamina as células de qualquer pessoa, sem ver cor, classe social, gênero. Não se importa se o “hospedeiro” vive uma vida regrada, sem bebida alcoólica ou cigarro, cheia de exercício. A doença surpreende. Foi essa surpresa que tirou o fôlego da maratonista Déborah Aquino, 39 anos. Apesar dos exames, da negativa dos médicos, de ter corrido uma maratona poucos dias antes do diagnóstico, Deborah sabia que havia algo de errado com os nódulos que encontrou nos seios. Dos 12 identificados, cinco eram malignos.

Os tumores multifocais são raros. Teve que retirar 22 linfonodos, dos quais três estavam infectados, e o material retirado da outra mama estava cheio de alterações. Nas palavras do médico, Deborah era uma “bomba-relógio”. Depois da cirurgia, ainda passou por 16 sessões de quimioterapia e outras 25 de radioterapia. Raspou a cabeça, antecipando-se à queda dos cabelos. Recusou-se a ficar deprimida, mas viu a disposição de atleta se esvair.

A explicação encontrada por Deborah foi o fator emocional: os “bodes”, como o médico dela chamou. A frustração decorrente da uma faculdade de odontologia cursada contra a vontade, os anos praticando uma profissão sem amor, os relacionamentos frustrados, os amores perdidos... Dizem que o câncer nas mamas tem relação com emoções suprimidas, traumas afetivos, mágoas não resolvidas.

 (Divulgação )
Hoje, Deborah enxerga a batalha contra o câncer como uma maratona. Cada quilômetro é mais difícil que o último, mas, ao mesmo tempo, mais próximo à linha de chegada, nesse caso, a cura. Se durante a corrida, a cabeça é uma das principais dificuldades, a mesma coisa acontece com o câncer. As limitações físicas ficam em segundo lugar. Toda a perseverança, a disciplina e o foco no resultado, típicos da corrida, foram levados para o tratamento. Já curada, a maratonista fez as pazes com a doença. Passou por horas de negação, de tristeza, de choro descontrolado, de medo pelo futuro, mas hoje aceita que o câncer apareceu para mudar sua vida.

Em seu blog sobre corrida pós-maternidade, evitou tratar do assunto. Deixou para os quase 100 mil seguidores do Instagram os detalhes da sua maratona particular. Correu enquanto pôde, caminhou enquanto conseguiu. Um mês depois da última sessão de quimioterapia, a maratonista estava na Indonésia, correndo 23 quilômetros em um dia. Deborah foi convidada pela Nike a participar de uma experiência no país asiático — a ideia era correr sem pressa, absorvendo a energia do local. Médicos e fisioterapeutas a acompanharam em cada passo. Foi uma experiência transformadora. Foi lá que resolveu colocar toda a sua experiência em palavras. Bem, quase toda. Algumas partes ficam com ela mesma. E foi assim que nasceu o livro Num piscar de olhos.

O câncer emocional

“Tenho certeza de que o câncer é emocional. Conversei com uma psicóloga sobre esse assunto, e ela me contou que quem é barraqueira não morre de câncer, morre de AVC, de infarto. Quem guarda emoção é que tem. Não é uma causa determinante, mas é bem provável. O meu médico me disse que eu não tinha perfil para câncer. Foi por eu ter guardado muita coisa, ter ficado muito quieta em todas as minhas relações, sempre aquela coisa de querer agradar ao outro. Isso vai acumulando.”

O câncer como um presente
“Esses dias, eu estava conversando com a minha mãe sobre quando eu recebi o diagnóstico. Eu estava numa fase muito boa na vida, mas estava afastada da minha família, da minha filha. Estava doida com as redes sociais, estava deslumbrada. Acho que a doença veio para colocar meu pé no chão, mostrar o que importa. Mudei meus valores, me descobri em uma nova profissão. Se eu não tivesse tido o câncer, talvez eu não estivesse dando valor à presença. É claro que não é um processo fácil, você passa por todas as fases de negação. Eu perguntava muito “por que comigo?”, até que uma amiga me sugeriu que eu trocasse de pergunta, que passasse a indagar para que o câncer. Tive que parar pra falar comigo mesma para me enxergar. Levei essa pergunta para a terapia e esmiuçamos toda a minha vida, a relação com as mídias sociais, com a minha filha, as minhas prioridades. Eu jamais teria enxergado tudo isso se não fosse o câncer. Amadureci em seis meses o que não amadureci uma vida inteira.”

A fé

“Minha mãe também teve câncer de mama. Ela foi diagnosticada no mesmo dia em que descobri que estava grávida. Eu chorei muito pela possibilidade de ela não estar aqui para conhecer a neta. Mas ela me garantiu que estaria curada para curtir cada minuto porque entregava na mão de Deus. É uma força muito poderosa, um tipo de pensamento positivo. Eu não consegui colocar a doença nas mãos de uma figura chamada Deus. Minha mãe é uma pessoa de muita fé e acredito que isso a ajudou a passar por todo esse processo de uma forma mais tranquila.”

A maratona depois
“Foi uma loucura. Ninguém queria me deixar ir, mas conversei muito com meu médico e o pessoal da Nike sabia de toda a situação. Foi uma experiência muito legal, considerei como um cartão de boas-vindas para a minha nova vida. Não tinha um lugar melhor para encerrar um ciclo — a energia da Indonésia é incrível, surreal. A gente corria no meio dos templos. Não dá pra explicar. No dia da corrida, assistindo ao pôr do sol, não conseguia parar de chorar. Vi que a gente dá muito valor para as coisas grandes quando a felicidade está mesmo nas pequenas. É poder viajar, poder correr, encontrar minha filha quando eu volto para casa. Foi lá que eu tive o clique de que eu estava dando valor para as coisas erradas.”

O controle da mente
“Quando eu era adolescente, minha mãe me fez fazer um curso de controle da mente. Eu agradeço muito. Eu usava o que aprendi nas corridas, de enxergar o objetivo, a chegada, o tempo. Mas não conseguia usar na vida. A cabeça comanda todas as áreas da vida, percebi que eu precisava usar isso. Durante o tratamento, fiz um curso com um psicólogo que dizia para imaginar uma luz que passava pelo corpo e limpava todas as células. Eu fazia isso todo os dias de manhã e à noite. Enxergava a químio como um bálsamo que limparia tudo. Minha primeira sessão de quimioterapia vermelha foi traumática, e, na segunda, me disseram para pedir aos enfermeiros que colocassem um papel azul que tampasse o remédio. O fato de eu não ver o negócio vermelho me deu uma ajuda. É muita programação neurolinguística, o tratamento é muito cabeça. É por isso que tem gente que está bem e definha em um mês.”

Aceitar o outro
“Aprendi a aceitar o que as pessoas têm para oferecer. Alguns amigos se afastaram e eu não entendia, até que uma dessas pessoas me disse que simplesmente não sabia como lidar. Não sabia me ver daquele jeito. A gente precisa aceitar o que cada um tem para oferecer. Aceito um abraço, um café ou o que mais a pessoa puder me oferecer. Nós criamos muita expectativa em relação às pessoas, e esse é o maior problema. A gente se frustra porque as pessoas não têm a reação que a gente espera.”

"Acho que a doença veio para colocar meu pé no chão, mostrar o que importa. Mudei meus valores, me descobri em uma nova profissão. Se eu não tivesse tido o câncer, talvez eu não estivesse dando valor à presença. É claro que não é um processo fácil, você passa por todas as fases de negação. Eu perguntava muito: ‘Por que comigo?"

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