Cientistas começam a avaliar a participação de células na esquizofrenia
As células glia dão suporte aos neurônios e podem estar ligadas a falhas na comunicação dos neurônios, uma das causas da doença
Correio Braziliense
Publicação:26/11/2015 15:00Atualização: 16/11/2015 16:20
A esquizofrenia, um distúrbio caracterizado por crises de alucinação e de comportamentos anormais, é considerada uma doença de desconectividade cerebral. Embora ainda não se saiba a causa exata dessa falha na comunicação dos neurônios e como ela altera a distinção entre experiências reais e imaginárias, a equipe de Martins-de-Souza deu um passo à frente ao focar nos oligodendrócitos, células da glia que fabricam mielina (camada que ajuda na condução dos impulsos nervosos) e fornecem energia aos neurônios.
Eles seguiram uma pista dada em 1999 por cientistas russos ao compararem os resultados de imagens cerebrais de esquizofrênicos e indivíduos considerados saudáveis. À época, o grupo observou que os pacientes tinham menos oligodendrócitos do que o grupo sem o distúrbio. “Mas como isso acontece? Por que acontece? Procuramos entender melhor o que ocorre nos oligodendrócitos e descobrimos que, quando eles não produzem mielina e energia suficiente para o neurônio, a comunicação entre células fica deficitária”, explica ao Correio Martins-de-Souza.
O bioquímico e especialista em doenças psiquiátricas faz uma comparação com um simples sistema elétrico. “Se esse oligodendrócito não produz mielina de forma eficiente, a energia não passa direito, ocorrem falhas na comunicação. É como um fio elétrico que possui um pedaço desencapado”, exemplifica. A equipe dele investiga o impacto no funcionamento cerebral de 10 proteínas produzidas por esse tipo de célula da glia.
Para chegar a essas evidências, os pesquisadores cultivaram in vitro neurônios e oligodendrócitos, além de astrócitos e micróglias (outras células da glia). Foi adicionada uma substância que inibe a troca de informações entre células, que são conduzidas pelo neurotransmissor glutamato, simulando o que ocorre no cérebro de esquizofrênicos. O grupo foi surpreendido ao perceber que há comprometimento da atividade de astrócitos e, principalmente, dos oligodendrócitos.
“O neurônio segue normal, com a mesma quantidade de enzimas produtoras de energia. O problema está na transmissão de energia feita pelos oligodendrócitos”, detalha Martins-de-Souza. Esses e outros resultados do trabalho, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foram publicados nas revistas European Archives of Psychiatry and Clinical Neuroscience, Frontiers in Cellular Neuroscience e NPJ Schizophrenia — publicação ligada à Nature.
Inflamação cerebral
A equipe do neurocientista e psiquiatra Peter Bloomfield concentrou-se nas micróglias, responsáveis por inflamações e pela defesa do cérebro contra agentes infecciosos. Estudos já haviam indicado uma associação entre as atividades dessas células e doenças cerebrais como o Alzheimer e a depressão. Os britânicos buscaram, então, um vínculo com a esquizofrenia. Para isso, escanearam o cérebro de 56 pessoas — sendo 14 classificadas com alto risco de esquizofrenia (relataram episódios de alucinação e haviam sido diagnosticadas com ansiedade e depressão), 14 esquizofrênicas em tratamento e 28 indivíduos considerados saudáveis.
Ao comparar os resultados, descobriram que o nível de atividade das micróglias impactava em uma grande quantidade de sintomas do distúrbio. “Conseguimos comprovar uma teoria que existe há muitos anos sobre a inflamação cerebral ligada à esquizofrenia. Ainda não sabemos o que ativa a função inflamatória das micróglias, acreditamos que seja a exposição a patógenos e a agentes infecciosos. Precisamos de mais evidências para certificar essa causa”, relata Bloomfield ao Correio. Os resultados dessa pesquisa foram publicados na revista American Journal of Psychiatry.
As descobertas de Martins-de-Souza e Peter Bloomfield são uma promessa de inovação nos tratamentos da esquizofrenia e de outros distúrbios cerebrais com sintomas semelhantes, como depressão, paranoia e ansiedade. Os pesquisadores apostam em uma mudança de alvo, que não seriam os neurônios, mas determinadas células da glia. Com isso, acreditam na possibilidade de drogas mais precisas no controle da doença. “Ter mais evidências facilita a criação de tratamentos mais eficientes tanto para a esquizofrenia quanto para outros distúrbios. Ainda há poucos estudos sobre o que acontece bioquimicamente com essas doenças psiquiátricas”, considera Martins-de-Souza.
Fatores múltiplos
Saiba mais...
Ao analisar atividades celulares que ocorrem no cérebro de esquizofrênicos e de pessoas saudáveis, pesquisadores começaram a perceber que há indícios do distúrbio não só nos neurônios, mas também nas células da glia — tidas, até bem pouco tempo atrás, como peças secundárias nas funções do sistema nervoso. Dois trabalhos recentes destacam-se nessa linha de estudo: um coordenado pelo bioquímico Daniel Martins-de-Souza, da Universidade de Campinas (Unicamp); e outro de um grupo britânico liderado por Peter Bloomfield, do Imperial College de Londres.A esquizofrenia, um distúrbio caracterizado por crises de alucinação e de comportamentos anormais, é considerada uma doença de desconectividade cerebral. Embora ainda não se saiba a causa exata dessa falha na comunicação dos neurônios e como ela altera a distinção entre experiências reais e imaginárias, a equipe de Martins-de-Souza deu um passo à frente ao focar nos oligodendrócitos, células da glia que fabricam mielina (camada que ajuda na condução dos impulsos nervosos) e fornecem energia aos neurônios.
Eles seguiram uma pista dada em 1999 por cientistas russos ao compararem os resultados de imagens cerebrais de esquizofrênicos e indivíduos considerados saudáveis. À época, o grupo observou que os pacientes tinham menos oligodendrócitos do que o grupo sem o distúrbio. “Mas como isso acontece? Por que acontece? Procuramos entender melhor o que ocorre nos oligodendrócitos e descobrimos que, quando eles não produzem mielina e energia suficiente para o neurônio, a comunicação entre células fica deficitária”, explica ao Correio Martins-de-Souza.
O bioquímico e especialista em doenças psiquiátricas faz uma comparação com um simples sistema elétrico. “Se esse oligodendrócito não produz mielina de forma eficiente, a energia não passa direito, ocorrem falhas na comunicação. É como um fio elétrico que possui um pedaço desencapado”, exemplifica. A equipe dele investiga o impacto no funcionamento cerebral de 10 proteínas produzidas por esse tipo de célula da glia.
Para chegar a essas evidências, os pesquisadores cultivaram in vitro neurônios e oligodendrócitos, além de astrócitos e micróglias (outras células da glia). Foi adicionada uma substância que inibe a troca de informações entre células, que são conduzidas pelo neurotransmissor glutamato, simulando o que ocorre no cérebro de esquizofrênicos. O grupo foi surpreendido ao perceber que há comprometimento da atividade de astrócitos e, principalmente, dos oligodendrócitos.
“O neurônio segue normal, com a mesma quantidade de enzimas produtoras de energia. O problema está na transmissão de energia feita pelos oligodendrócitos”, detalha Martins-de-Souza. Esses e outros resultados do trabalho, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foram publicados nas revistas European Archives of Psychiatry and Clinical Neuroscience, Frontiers in Cellular Neuroscience e NPJ Schizophrenia — publicação ligada à Nature.
Inflamação cerebral
A equipe do neurocientista e psiquiatra Peter Bloomfield concentrou-se nas micróglias, responsáveis por inflamações e pela defesa do cérebro contra agentes infecciosos. Estudos já haviam indicado uma associação entre as atividades dessas células e doenças cerebrais como o Alzheimer e a depressão. Os britânicos buscaram, então, um vínculo com a esquizofrenia. Para isso, escanearam o cérebro de 56 pessoas — sendo 14 classificadas com alto risco de esquizofrenia (relataram episódios de alucinação e haviam sido diagnosticadas com ansiedade e depressão), 14 esquizofrênicas em tratamento e 28 indivíduos considerados saudáveis.
Ao comparar os resultados, descobriram que o nível de atividade das micróglias impactava em uma grande quantidade de sintomas do distúrbio. “Conseguimos comprovar uma teoria que existe há muitos anos sobre a inflamação cerebral ligada à esquizofrenia. Ainda não sabemos o que ativa a função inflamatória das micróglias, acreditamos que seja a exposição a patógenos e a agentes infecciosos. Precisamos de mais evidências para certificar essa causa”, relata Bloomfield ao Correio. Os resultados dessa pesquisa foram publicados na revista American Journal of Psychiatry.
As descobertas de Martins-de-Souza e Peter Bloomfield são uma promessa de inovação nos tratamentos da esquizofrenia e de outros distúrbios cerebrais com sintomas semelhantes, como depressão, paranoia e ansiedade. Os pesquisadores apostam em uma mudança de alvo, que não seriam os neurônios, mas determinadas células da glia. Com isso, acreditam na possibilidade de drogas mais precisas no controle da doença. “Ter mais evidências facilita a criação de tratamentos mais eficientes tanto para a esquizofrenia quanto para outros distúrbios. Ainda há poucos estudos sobre o que acontece bioquimicamente com essas doenças psiquiátricas”, considera Martins-de-Souza.
Fatores múltiplos
“A esquizofrenia é uma das manifestações humanas mais complexas. Exige um esforço de várias áreas da ciência para entendê-la. Diversos fatores influenciam: a genética, o meio ambiente, questões psíquicas e sociais. O tratamento é difícil, deve ser feito com medicamentos e terapias psicossociais, no mínimo. O problema das pesquisas sobre esse distúrbio é que poucas podem ser generalizadas. Cada paciente manifesta de forma diferente a doença. Embora eu não negue as questões biológicas envolvidas, como a genética, acredito que outros fatores devem ser considerados.”
Ileno Izídio da Costa, especialista na área psicossocial e professor do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade
de Brasília (UnB)