Esquizofrenia pode ser aliviada com exercícios físicos
As atividades aeróbicas ajudam a controlar principalmente os delírios e as alucinações, segundo pesquisa dos EUA
Vilhena Soares - Correio Braziliense
Publicação:19/04/2016 15:00
A ideia de testar as atividades físicas como um tratamento para a esquizofrenia surgiu com base em um experimento anterior do mesmo grupo. Na ocasião, eles observaram que um comportamento saudável, que incluía a prática de exercícios, combinado com um treinamento cognitivo computadorizado beneficiava pessoas com o distúrbio. Resultados similares alcançados por outros cientistas também serviram de motivação. “Um estudo de um colega alemão mostrou que o exercício físico melhora a cognição em fases crônicas da esquizofrenia. Portanto, decidimos combiná-lo com o treino cognitivo para determinar se o auxílio podia ser ainda maior”, contou ao Correio Keith Nuechterlein, um dos autores do trabalho, divulgado na última edição da revista Schizophrenia Bulletin, e pesquisador da Universidade da Califórnia.
Participaram do experimento mais recente 16 jovens que haviam sofrido recentemente a primeira crise de esquizofrenia. Durante 35 dias, nove deles participaram de um curso computadorizado, de um treino cognitivo para a percepção e a memória e de um curso de formação social cognitiva para a inteligência emocional. Os outros sete voluntários tiveram as mesmas aulas e também seguiram um treinamento aeróbico composto por quatro sessões semanais de atividades. Ao decorrer do estudo, os jovens também foram desafiados em atividades como desenhar formas complexas e gerir emoções em situações sociais. Aqueles que se exercitaram fisicamente obtiveram melhora significativa nas atividades propostas. A outra parcela não mostrou o mesmo desempenho.
Fator-chave
Em um segundo experimento com o mesmo formato, mas com seis meses de duração e a participação de 32 pessoas, os resultados foram melhores: metade do grupo que se exercitou apresentou desempenho três vezes superior durante uma bateria de testes cognitivos. Porém, o que mais chamou a atenção dos pesquisadores foi o aumento de 35% na quantidade da proteína cerebral chamada fator de crescimento neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) nesses mesmos voluntários. O BDNF estimula o hipocampo, também ligado à aprendizagem e à memória de longo prazo.
“Ele é liberado até o cérebro e os músculos durante o exercício físico. Estimula partes do cérebro (particularmente o hipocampo) para produzir mais neurônios e mais conexões entre eles. Isso produz mais potencial para um aprendizado eficiente”, detalhou Nuechterlein. Coordenador científico do Departamento Científico da Associação Paulista de Medicina (APM), Kalil Duailibi explica que o BDNF já havia sido ligado a melhoras em outro transtorno psicológico. “Há 20 anos, pesquisas de Harvard sobre depressão mostraram os benefícios dos exercícios físicos para essa doença, já que eles impulsionam uma substância chamada de betaendorfina, que também melhora produção de BNDF. Ainda não se sabia, porém, que esses benefícios poderiam ser vistos também em esquizofrênicos. Agora, com estudos recentes, como esse, acreditamos que mais enfermidades psiquiátricas podem ser beneficiadas pela atividade física”, aposta.
O especialista também destaca que problemas cognitivos são alguns dos obstáculos mais difíceis para os esquizofrênicos. “Esses pacientes fumam e consomem muita cafeína, e isso ocorre justamente porque o cérebro deles está ‘bloqueado’. Por isso, precisam estimulá-lo de alguma forma. Com a atividade física, isso pode ser feito sem os malefícios dos vícios, mas é importante ressaltar que essas atividades precisam ser feitas com uma frequência para que o efeito seja contínuo. Seria recomendável até o acompanhamento de um personal trainer”, sugere Duailibi.
Terapias conjuntas
Keith Nuechterlein, um dos autores do trabalho, observa que o tratamento antipsicótico cria uma remissão mais estável e contínua de sintomas psicóticos, o que permite aos pacientes aproveitarem melhor as oportunidades de aprendizagem produzidas pelo exercício físico e pelo treino cognitivo. “O tratamento medicamentoso e à base de aprendizagem trabalham juntos para produzir melhores resultados”, diz.
Entre os efeitos adversos do tratamento tradicional contra a esquizofrenia estão o ganho de peso e a perda da libido. A proposta dos estudiosos detalhada na revista Schizophrenia Bulletin também teria impacto sobre essas complicações, observa Kalil Duailibi, coordenador científico do Departamento Científico da Associação Paulista de Medicina. “Na depressão, já existe essa recomendação de exercício físico, mas, na esquizofrenia, os estudos estão mostrando recentemente evidências de que esse pode ser um bom caminho”, reforça.
A intenção é dar continuidade à pesquisa envolvendo um número maior de participantes e os acompanhando por um período mais duradouro. “Esperamos definir se o BDNF (fator de crescimento neurotrófico derivado do cérebro) é realmente produzido pelo exercício físico e prever o quanto de benefícios ele e o treinamento cognitivo podem gerar. Esperamos mostrar que a ativação do cérebro muda como resultado dessa combinação de atividades. Queremos também determinar se os pacientes devem usar esses tratamentos como parte de seu estilo de vida ou se precisariam de sessões regulares em clínicas para se aperfeiçoarem”, adianta Nuechterlein.
21 milhões
Quantidade de pessoas com esquizofrenia no planeta, segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde
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A esquizofrenia é um distúrbio que tem como principais sintomas os delírios e as alucinações. Para tratá-los, médicos costumam prescrever antipsicóticos, mas esses remédios não conseguem acabar com outras complicações ligadas à doença, como a falta de atenção e de memória. Para tornar a terapia mais completa, um grupo de pesquisadores dos Estados Unidos sugere a prática de exercícios físicos. Eles observaram melhoras em jovens recém-diagnosticados com o problema psiquiátrico que fizeram atividades aeróbicas durantes cerca de um mês. A hipótese é de que o resultado positivo esteja relacionado a uma proteína ligada ao hipocampo — área do cérebro responsável pela cognição — e produzida em grande quantidade durante o treinamento corporal.A ideia de testar as atividades físicas como um tratamento para a esquizofrenia surgiu com base em um experimento anterior do mesmo grupo. Na ocasião, eles observaram que um comportamento saudável, que incluía a prática de exercícios, combinado com um treinamento cognitivo computadorizado beneficiava pessoas com o distúrbio. Resultados similares alcançados por outros cientistas também serviram de motivação. “Um estudo de um colega alemão mostrou que o exercício físico melhora a cognição em fases crônicas da esquizofrenia. Portanto, decidimos combiná-lo com o treino cognitivo para determinar se o auxílio podia ser ainda maior”, contou ao Correio Keith Nuechterlein, um dos autores do trabalho, divulgado na última edição da revista Schizophrenia Bulletin, e pesquisador da Universidade da Califórnia.
Participaram do experimento mais recente 16 jovens que haviam sofrido recentemente a primeira crise de esquizofrenia. Durante 35 dias, nove deles participaram de um curso computadorizado, de um treino cognitivo para a percepção e a memória e de um curso de formação social cognitiva para a inteligência emocional. Os outros sete voluntários tiveram as mesmas aulas e também seguiram um treinamento aeróbico composto por quatro sessões semanais de atividades. Ao decorrer do estudo, os jovens também foram desafiados em atividades como desenhar formas complexas e gerir emoções em situações sociais. Aqueles que se exercitaram fisicamente obtiveram melhora significativa nas atividades propostas. A outra parcela não mostrou o mesmo desempenho.
Fator-chave
Em um segundo experimento com o mesmo formato, mas com seis meses de duração e a participação de 32 pessoas, os resultados foram melhores: metade do grupo que se exercitou apresentou desempenho três vezes superior durante uma bateria de testes cognitivos. Porém, o que mais chamou a atenção dos pesquisadores foi o aumento de 35% na quantidade da proteína cerebral chamada fator de crescimento neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) nesses mesmos voluntários. O BDNF estimula o hipocampo, também ligado à aprendizagem e à memória de longo prazo.
“Ele é liberado até o cérebro e os músculos durante o exercício físico. Estimula partes do cérebro (particularmente o hipocampo) para produzir mais neurônios e mais conexões entre eles. Isso produz mais potencial para um aprendizado eficiente”, detalhou Nuechterlein. Coordenador científico do Departamento Científico da Associação Paulista de Medicina (APM), Kalil Duailibi explica que o BDNF já havia sido ligado a melhoras em outro transtorno psicológico. “Há 20 anos, pesquisas de Harvard sobre depressão mostraram os benefícios dos exercícios físicos para essa doença, já que eles impulsionam uma substância chamada de betaendorfina, que também melhora produção de BNDF. Ainda não se sabia, porém, que esses benefícios poderiam ser vistos também em esquizofrênicos. Agora, com estudos recentes, como esse, acreditamos que mais enfermidades psiquiátricas podem ser beneficiadas pela atividade física”, aposta.
O especialista também destaca que problemas cognitivos são alguns dos obstáculos mais difíceis para os esquizofrênicos. “Esses pacientes fumam e consomem muita cafeína, e isso ocorre justamente porque o cérebro deles está ‘bloqueado’. Por isso, precisam estimulá-lo de alguma forma. Com a atividade física, isso pode ser feito sem os malefícios dos vícios, mas é importante ressaltar que essas atividades precisam ser feitas com uma frequência para que o efeito seja contínuo. Seria recomendável até o acompanhamento de um personal trainer”, sugere Duailibi.
Terapias conjuntas
Keith Nuechterlein, um dos autores do trabalho, observa que o tratamento antipsicótico cria uma remissão mais estável e contínua de sintomas psicóticos, o que permite aos pacientes aproveitarem melhor as oportunidades de aprendizagem produzidas pelo exercício físico e pelo treino cognitivo. “O tratamento medicamentoso e à base de aprendizagem trabalham juntos para produzir melhores resultados”, diz.
Entre os efeitos adversos do tratamento tradicional contra a esquizofrenia estão o ganho de peso e a perda da libido. A proposta dos estudiosos detalhada na revista Schizophrenia Bulletin também teria impacto sobre essas complicações, observa Kalil Duailibi, coordenador científico do Departamento Científico da Associação Paulista de Medicina. “Na depressão, já existe essa recomendação de exercício físico, mas, na esquizofrenia, os estudos estão mostrando recentemente evidências de que esse pode ser um bom caminho”, reforça.
A intenção é dar continuidade à pesquisa envolvendo um número maior de participantes e os acompanhando por um período mais duradouro. “Esperamos definir se o BDNF (fator de crescimento neurotrófico derivado do cérebro) é realmente produzido pelo exercício físico e prever o quanto de benefícios ele e o treinamento cognitivo podem gerar. Esperamos mostrar que a ativação do cérebro muda como resultado dessa combinação de atividades. Queremos também determinar se os pacientes devem usar esses tratamentos como parte de seu estilo de vida ou se precisariam de sessões regulares em clínicas para se aperfeiçoarem”, adianta Nuechterlein.
21 milhões
Quantidade de pessoas com esquizofrenia no planeta, segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde