Mães de adolescentes têm mais depressão, revela estudo
Estudo norte-americano mostra que o estresse tem relação com as grandes transformações pelas quais os filhos passam na pré-adolescência, entre 12 e 14 anos
Vilhena Soares - Correio Braziliense
Publicação:22/02/2016 13:00Atualização: 22/02/2016 13:08
Basta um casal anunciar a gravidez para começar a ouvir uma infinidade de conselhos, que vão dos cuidados básicos com recém-nascidos a dicas de higiene e alimentação infantil. A maior preocupação de amigos e parentes é preparar mãe e pai para o desgaste físico e emocional que cuidar de uma criança costuma gerar, por mais prazerosa que seja essa tarefa. No entanto, a etapa mais difícil para os responsáveis não está nos primeiros anos de vida das crias, aponta um recente estudo feito nos Estados Unidos. Depois de analisar o perfil de mulheres com filhos de diferentes idades, os pesquisadores concluíram que a fase mais desafiadora da educação da prole é o início da puberdade.
Em parceria com Lucia Cicolla, sua colega na universidade, Luthar entrevistou mais de 2.200 mães cujos filhos estavam nas mais variadas fases da vida — de recém-nascidos a adultos —, buscando por aspectos que informassem sobre o bem-estar das entrevistadas e suas percepções da maternidade. As respostas possibilitaram organizar as mulheres ouvidas de acordo com os níveis de estresse que demonstravam, e as que mostraram graus maiores de esgotamento e depressão foram as com filhos entre 12 e 14 anos.
Muitos fatores
A dupla de cientistas consegue pensar em algumas explicações para o fenômeno. “Vários fatores caminham juntos e formam uma tempestade perfeita. Um deles é que as crianças estão lidando com a puberdade e tudo isso implica em hormônios, acne e corpos em mudança. Outro ponto que podemos citar é que os jovens nesse período são atraídos a experimentar coisas novas, como álcool, drogas e sexo”, destaca Luthar.
Outro ponto que pode influenciar o estresse sofrido pelas mães são as mudanças na escola e no convívio social. Nessa fase, os filhos passam a ser mais cobrados, e uma criança tida como má aluna ou isolada socialmente não sofre sozinha. As mães podem ficar muito aflitas com essas situações. “O desempenho acadêmico nesse período é avaliado de forma muito mais pública do que antes, assim como os talentos extracurriculares. Pré-adolescentes investem muito para se tornarem populares, querendo se encaixar e serem admirados. É muita coisa para lidar simultaneamente”, explica a autora. E, para piorar, os responsáveis devem fazer isso a uma distância maior do que antes: “Os jovens também se esforçam para se separar de seus pais. O grupo de amigos assume enorme significado.”
Marta Queiroz, 39 anos, lembra dos receios que sentiu quando enfrentou essa situação pela primeira vez, com a filha mais velha, Ludmila Queiroz, hoje com 19 anos. “Tenho outros dois filhos, o Kalebe, com 15 anos, e a Karen, de 14, que não andam de ônibus sozinhos. Mas a Ludmila, quando tinha 14 anos, já ia para o serviço sem a companhia de ninguém. Acho que isso muda muito de acordo com o perfil de cada criança. Felizmente, ela sempre foi tranquila e responsável, mas, ainda assim, era difícil eu ficar sossegada, sem saber onde e com quem ela estava. Eu sempre ligava pra saber se ela tinha chegado bem”, conta a mãe.
“Quando eu era adolescente, era mais fácil. Hoje temos muita violência o que nos deixa apreensivos”, completa Marta. Ela acredita que, depois de ter passado pela experiência inicial da pré-adolescência de Ludmila, se sente mais preparada para lidar com os outros filhos. “Hoje, dou muitos conselhos para as amigas que vão ser mães, e sempre digo que, depois do primeiro, fica mais fácil. A preocupação sempre existe, mas, com o tempo, você melhora nisso”, assegura.
Auxílio
As pesquisadoras americanas acreditam que o estudo pode servir como um alerta para a necessidade de preparação das mães para o período da pré-adolescência. Para as especialistas, recomendações dadas com anos de antecedência sobre os desafios que serão enfrentados, além de um suporte contínuo quando as crianças chegam a essa fase fazem diferença. “Essas atitudes podem ajudar a promover o bem-estar psicológico das mães, que podem ser preparadas para o que se aproxima. Elas precisam começar a construir um apoio antes desse período estressante”, avalia Luthar.
Camila Morais, psicóloga pela Universidade de Fortaleza (Unifor) e terapeuta familiar e de casais, também acredita que as mães se beneficiariam de apoios como os descritos pela autora do estudo. “Acredito que até na escola poderiam existir um diálogo com os pais e prepará-los para os desafios que surgirão; conversas que estimulassem uma melhor comunicação entre pais e filhos. O estudo fala das mulheres, mas temos de deixar claro que o homem também precisa ter uma boa relação com os filhos. Mais de 90% das mães dessa pesquisa eram casadas”, ressalta. A psicóloga destaca que as dificuldades são influenciadas pela pressão cada vez maior sobre os jovens. “Hoje em dia, quanto mais cursos preparatórios, mais experiência profissional, maiores as chances de a pessoa se dar bem profissionalmente”, lembra.
Mesmo sendo mãe de uma garotinha de 4 anos, Mel Calaça, 37, proprietária de uma empresa de cuidadores de cachorros, já se preocupada com o momento em que terá de dar mais autonomia para a pequena Mariana. “Tenho receio até da hora em que tiver de levá-la para a escola. Se eu pudesse, faria com que a professora viesse na minha casa”, confessa a empresária. O maior medo da mãe diz respeito ao bullying, já que a filha sofre com uma doença rara. “Ela tem neurofibromatose tipo 1, e pequenas manchas no corpo podem surgir. Ela tem uma vida saudável, mas tenho medo da reação de outras crianças, de haver discriminação. Tento não pensar muito nisso, mas já quero me preparar”, explica.
Morais, da Unifor, frisa que o período da pré-adolescência, apesar de desafiador, é fundamental na formação dos jovens. Por isso, os pais precisam tentar lidar da melhor maneira possível com as mudanças. “É um processo de diferenciação, quando as referências não são mais só as dos pais. Isso é algo que tem uma relevância muito importante na construção da identidade.”
Experiência adquirida: para Marta, lidar com a entrada na adolescência da filha mais velha, Ludmila (de vestido branco), tornou mais simples a relação com os mais novos, Kalebe e Karen
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A principal motivação da pesquisa americana era compreender melhor as diferentes fases da maternidade e ajudar as mulheres durante essa experiência. “Esse trabalho faz parte de um estudo maior sobre os fatores que predizem o bem-estar das mães. Sempre estudamos a mãe sobre a ótica do que ela deveria fazer ou não para os filhos. Nesse caso, abordarmos o que pode ajudá-las nessa tarefa extensa, que dura toda a vida, e é incrivelmente difícil”, justifica ao Correio Suniya Luthar, uma das autoras e pesquisadora da Universidade do Arizona.- Celulares podem ser os vilões das dores nas costas de crianças e adolescentes
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Em parceria com Lucia Cicolla, sua colega na universidade, Luthar entrevistou mais de 2.200 mães cujos filhos estavam nas mais variadas fases da vida — de recém-nascidos a adultos —, buscando por aspectos que informassem sobre o bem-estar das entrevistadas e suas percepções da maternidade. As respostas possibilitaram organizar as mulheres ouvidas de acordo com os níveis de estresse que demonstravam, e as que mostraram graus maiores de esgotamento e depressão foram as com filhos entre 12 e 14 anos.
Muitos fatores
A dupla de cientistas consegue pensar em algumas explicações para o fenômeno. “Vários fatores caminham juntos e formam uma tempestade perfeita. Um deles é que as crianças estão lidando com a puberdade e tudo isso implica em hormônios, acne e corpos em mudança. Outro ponto que podemos citar é que os jovens nesse período são atraídos a experimentar coisas novas, como álcool, drogas e sexo”, destaca Luthar.
Outro ponto que pode influenciar o estresse sofrido pelas mães são as mudanças na escola e no convívio social. Nessa fase, os filhos passam a ser mais cobrados, e uma criança tida como má aluna ou isolada socialmente não sofre sozinha. As mães podem ficar muito aflitas com essas situações. “O desempenho acadêmico nesse período é avaliado de forma muito mais pública do que antes, assim como os talentos extracurriculares. Pré-adolescentes investem muito para se tornarem populares, querendo se encaixar e serem admirados. É muita coisa para lidar simultaneamente”, explica a autora. E, para piorar, os responsáveis devem fazer isso a uma distância maior do que antes: “Os jovens também se esforçam para se separar de seus pais. O grupo de amigos assume enorme significado.”
Marta Queiroz, 39 anos, lembra dos receios que sentiu quando enfrentou essa situação pela primeira vez, com a filha mais velha, Ludmila Queiroz, hoje com 19 anos. “Tenho outros dois filhos, o Kalebe, com 15 anos, e a Karen, de 14, que não andam de ônibus sozinhos. Mas a Ludmila, quando tinha 14 anos, já ia para o serviço sem a companhia de ninguém. Acho que isso muda muito de acordo com o perfil de cada criança. Felizmente, ela sempre foi tranquila e responsável, mas, ainda assim, era difícil eu ficar sossegada, sem saber onde e com quem ela estava. Eu sempre ligava pra saber se ela tinha chegado bem”, conta a mãe.
“Quando eu era adolescente, era mais fácil. Hoje temos muita violência o que nos deixa apreensivos”, completa Marta. Ela acredita que, depois de ter passado pela experiência inicial da pré-adolescência de Ludmila, se sente mais preparada para lidar com os outros filhos. “Hoje, dou muitos conselhos para as amigas que vão ser mães, e sempre digo que, depois do primeiro, fica mais fácil. A preocupação sempre existe, mas, com o tempo, você melhora nisso”, assegura.
Mel com a pequena Mariana: medo que a filha sofra bullying na escola
Auxílio
As pesquisadoras americanas acreditam que o estudo pode servir como um alerta para a necessidade de preparação das mães para o período da pré-adolescência. Para as especialistas, recomendações dadas com anos de antecedência sobre os desafios que serão enfrentados, além de um suporte contínuo quando as crianças chegam a essa fase fazem diferença. “Essas atitudes podem ajudar a promover o bem-estar psicológico das mães, que podem ser preparadas para o que se aproxima. Elas precisam começar a construir um apoio antes desse período estressante”, avalia Luthar.
Camila Morais, psicóloga pela Universidade de Fortaleza (Unifor) e terapeuta familiar e de casais, também acredita que as mães se beneficiariam de apoios como os descritos pela autora do estudo. “Acredito que até na escola poderiam existir um diálogo com os pais e prepará-los para os desafios que surgirão; conversas que estimulassem uma melhor comunicação entre pais e filhos. O estudo fala das mulheres, mas temos de deixar claro que o homem também precisa ter uma boa relação com os filhos. Mais de 90% das mães dessa pesquisa eram casadas”, ressalta. A psicóloga destaca que as dificuldades são influenciadas pela pressão cada vez maior sobre os jovens. “Hoje em dia, quanto mais cursos preparatórios, mais experiência profissional, maiores as chances de a pessoa se dar bem profissionalmente”, lembra.
Mesmo sendo mãe de uma garotinha de 4 anos, Mel Calaça, 37, proprietária de uma empresa de cuidadores de cachorros, já se preocupada com o momento em que terá de dar mais autonomia para a pequena Mariana. “Tenho receio até da hora em que tiver de levá-la para a escola. Se eu pudesse, faria com que a professora viesse na minha casa”, confessa a empresária. O maior medo da mãe diz respeito ao bullying, já que a filha sofre com uma doença rara. “Ela tem neurofibromatose tipo 1, e pequenas manchas no corpo podem surgir. Ela tem uma vida saudável, mas tenho medo da reação de outras crianças, de haver discriminação. Tento não pensar muito nisso, mas já quero me preparar”, explica.
Morais, da Unifor, frisa que o período da pré-adolescência, apesar de desafiador, é fundamental na formação dos jovens. Por isso, os pais precisam tentar lidar da melhor maneira possível com as mudanças. “É um processo de diferenciação, quando as referências não são mais só as dos pais. Isso é algo que tem uma relevância muito importante na construção da identidade.”