Pesquisadores descobrem proteína relacionada à obesidade

Em estudo com ratos, equipe japonesa comprova relação entre uma proteína e a inflamação do tecido adiposo, um dos processos que levam ao excesso de peso. A descoberta pode ajudar no desenvolvimento de drogas para combater a doença

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Vilhena Soares - Correio Braziliense Publicação:06/04/2016 15:00
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Durante muito tempo, para os cientistas, o tecido adiposo que se acumula ao redor da cintura tinha como função apenas o armazenamento de gordura, agindo como uma espécie de reserva energética do organismo. Com o tempo, contudo, cresceram as evidências de que ele também continha compostos tóxicos que poderiam desencadear inflamação, um dos fatores que leva ao aumento da gordura e, consequentemente, à obesidade.

Com base nessa hipótese, cientistas japoneses saíram em busca dessas moléculas inflamatórias. Em um experimento com ratos, eles descobriram que níveis altos de uma determinada proteína promovem o aumento do tecido adiposo nos animais. Os autores do trabalho, publicado na última edição da revista especializada Science Advances, acreditam que os achados devem ajudar a entender as causas do excesso de peso, além de render estratégias de combate à doença no futuro.

Os pesquisadores já desconfiavam da ação de uma proteína chamada TLR9 e sua ligação com a obesidade — em um experimento anterior, eles observaram uma reação diferente no organismo de ratos com uma expressão maior dessa substância. “Os ratos com uma expressão alta de TLR9 mostraram maior sensibilidade à insulina sob alimentação rica em gordura em comparação com camundongos selvagens”, lembra, em entrevista ao Correio, Daiju Fukuda, professor do Departamento de Medicina Cardiovascular da Universidade de Tokushima e um dos autores do estudo.

Dando continuidade à investigação, a equipe realizou um segundo experimento com roedores. Camundongos foram alimentados com uma dieta rica em gordura durante 12 semanas. Os cientistas observaram uma expressão alta da TLR9, presente no tecido adiposo, e níveis mais altos de DNA circulante livre de células — material genético extracelular presente nos fluidos corporais, também ligado à inflamação de tecidos. Ao analisar melhor o organismo dos ratos, os pesquisadores viram ainda que os macrófagos, compostos considerados peças-chave na inflamação do tecido adiposo, intensificavam a expressão de TLR9. Para os autores, esse é mais um importante indicador da relação da proteína com a obesidade.

Os autores também trataram os ratos com um composto inibidor de TLR9. A substância reduziu o acúmulo de macrófagos no tecido adiposo e a resistência a insulina. A equipe acredita que os achados, caso sejam confirmados em animais de maior porte e, futuramente, em humanos, podem ser úteis na área científica. “Acreditamos que uma droga de combate à obesidade pode surgir com base nas conclusões desse artigo, mas ainda precisamos de muita investigação”, destaca Daiju Fukuda.

Multifatorial
Para Cristina Blankerburg, endocrinologista do Hospital Santa Luzia, em Brasília, o trabalho japonês trata de um tema que precisa ser mais explorado, já que as causas da obesidade ainda não foram completamente estabelecidas pela ciência. “Temos visto um avanço enorme em pesquisas que tentam identificar fatores ligados a essa enfermidade porque sabemos que ela é uma doença multifatorial, e até os genes podem estar envolvidos. A cada pesquisa, conseguimos encontrar substâncias que podem ser relacionadas ao ganho de peso, como essa proteína TLR9”, analisa a especialista, que não participou do estudo.

A médica também explica que a atenção dada à inflamação do tecido adiposo se justifica pelo desencadeamento de outros problemas de saúde. “Sensibilidade à insulina, quando o pâncreas não produz o hormônio da forma correta, é um dos marcadores inflamatórios da obesidade, um problema que também é visto nos consultórios. Muitos pacientes obesos apresentam tendência a ter diabetes e, caso ela não seja tratada, pode evoluir e se agravar”, detalha.

Blankerburg acredita que o estudo japonês é importante, mas ressalta que outros mecanismos envolvidos na inflamação precisam ser mais bem avaliados. “Outras pesquisas têm mostrado que, quando o corpo está sofrendo uma inflamação, ela pode evoluir para o cérebro e interferir em áreas como o gasto energético e a saciedade, ou seja, o desgaste é maior do que pensávamos, o organismo para de funcionar normalmente. Todos esses mecanismos precisam ser ressaltados, porque, dessa forma, tiramos o estigma de que as pessoas obesas ganham peso apenas porque comem demais”, acrescenta.

Quanto à possibilidade de o novo estudo levar a drogas que ajudem a combater a obesidade, a médica diz que há, sim, chances, uma vez que o objetivo principal de investigações desse tipo é encontrar uma maneira de combatê-la. “Essa sempre foi a ideia principal dos cientistas que trabalham nessa área. Muitos novos medicamentos feitos com base nesses mecanismos já foram testados, como, por exemplo, a leptina, umas das primeiras substâncias a serem estudadas e relacionadas à obesidade. No entanto, ela não rendeu medicamentos bem-sucedidos”, ressalta.

A criação de uma droga eficaz contra o excesso de peso é desafiadora porque há muitos mecanismos cerebrais envolvidos no processo. “Vemos muitos pacientes que passam pela cirurgia bariátrica, mas ainda assim não conseguem uma recuperação total, e isso ocorre justamente porque o controle de fome e saciedade não sofreu alterações”, menciona Blankerburg.

O estudo da equipe da Universidade de Tokushima terá continuidade. Os cientistas acreditam que mais pesquisas podem esclarecer melhor a relação da proteína TLR9 com a obesidade e outras enfermidades. “Estamos examinando também o papel da TLR9 na sinalização de doenças de inflamação crônica, como a aterosclerose”, antecipa Daiju.

Apetite
A leptina é uma proteína produzida no tecido adiposo. Sua liberação ocorre durante a noite e nas primeiras horas da manhã. Ela reduz o apetite e está relacionada a funções endócrinas do pâncreas. Altos níveis dessa proteína diminuem a ingestão alimentar. Pesquisas mostraram que pessoas obesas possuem resistência a essa proteína, já que ela é vista em grandes quantidades em indivíduos acima do peso.

Entupimento

A aterosclerose ocorre pelo acúmulo de placas de gordura, cálcio e outros elementos na parede das artérias, o que pode causar entupimentos. Com o bloqueio das artérias, o coração recebe menos oxigênio e nutrientes, trabalha pouco e pode sofrer com mais complicações, como o infarto. A doença pode levar também a acidentes vasculares cerebrais (AVC).

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