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Entrevista »

Uma brasiliense no primeiro escalão

Cris Gentil - Editor Dominique Lima - Redação Publicação:30/10/2012 13:41Atualização:30/10/2012 13:55
 (Luís Tajes)
Na segunda metade dos anos 1950, Brasília estava em gestação. Com ela, nasciam os candangos. Embalados pelo sonho do visionário Juscelino Kubitschek, eles deixaram para trás suas cidades e cravaram suas marcas na epopeia da construção. O sujeito pioneiro que viria a ser o pai de Izabella Mônica Vieira Teixeira era um deles. Talvez não soubesse, mas ao fixar residência na nova capital, estava traçando um inexorável caminho para a sua família. Dizem que os nascidos aqui nos primeiros anos foram profundamente influenciados pelo fato de terem crescido numa obra permanente e que até hoje está em transformação.

Mais de cinco décadas depois, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, está aí para comprovar a tese. A candanguinha faz parte da primeira geração de brasilienses que chegou ao poder. E admite: “Tenho sensações muito específicas que só quem nasceu em Brasília nessa época tem. Sempre me intrigou o fato de que toda a história da cidade começou comigo”. Ela cresceu brincando embaixo dos prédios do Plano Piloto, acampando no matagal onde hoje é o Setor de Clubes, estudando num projeto de universidade revolucionário, que até hoje a emociona.

Nesta entrevista, ela relembra sua relação com Brasília, fala da rotina de ministra e reafirma a ideia de que sustentabilidade não é assunto para ser discutido só com ambientalistas. “O diálogo da questão ambiental não pode estar limitado a pequenos grupos nem à elite brasileira. Tem de passar por todos.”

Qual é a sensação de fazer parte da primeira turma que chega ao poder?
Tenho muito orgulho. Sou da geração que nasceu e cresceu com uma capital, que veio com o desafio de ser uma cidade do futuro, que é o centro do poder no Brasil e ainda está podendo se transformar. É sensacional! E essa geração está presente não só no Executivo, nas artes. Vejo também pessoas de Brasília em organismos internacionais, gente que estudou comigo. Todos estão ajudando a fazer a diferença.

A senhora estudou na UnB. Que lembranças guarda da universidade?
Quando fui fazer mestrado em outra universidade é que pude perceber como foi diferente viver a experiência da UnB. Passava o dia no campus, e, às vezes, a noite, porque a biblioteca ficava aberta 24 horas. São situações próprias de um modelo inovador. Não me lembro de outra universidade no Brasil na década de 1970 e 1980 em que você pudesse, na graduação, ter cursos com Gilberto Freyre (John Kenneth), Galbraith, René Dubos, Celso Furtado, grandes pensadores. Às vezes, você nem entendia, mas estava ali, presenciando. A UnB foi berço de grandes encontros políticos. Eu me lembro de um dos primeiros debates do PT, o Lula foi lá, assisti ao discurso dele de cima de uma árvore. Essa dinâmica de misturar, de um lado, as exatas; de outro, as humanas, e todos se encontravam no meião, interagiam no Minhocão... Foi um dos momentos mais felizes da minha vida.

Recentemente, a senhora voltou lá, em meio a greves, eleição para novo reitor, discussões sobre a violência. A UnB ainda guarda algo desse passado?
Voltei duas vezes. Primeiro, com a grande honra de inaugurar o curso de gestão ambiental. Fiquei emocionadíssima. E, agora, no aniversário do Instituto de Biologia. É fascinante ver ex-professores e alunos de mestrado e de graduação debatendo com você de igual para igual. Parecia que estávamos naquela época, no anfiteatro, com aquele ambiente de inquietação, de novas ideias. Não era a ministra falando, alguém intocável. Chegar àquele campus é sempre uma emoção. A universidade está diferente, mas o espírito do Darcy Ribeiro está presente. Todo mundo que tiver a chance de estudar na UnB, estude.

Como foi crescer junto com a cidade?
Tenho sensações muito específicas que só quem nasceu em Brasília nessa época tem. Sempre me intrigou o fato de que toda a história da cidade começou comigo. Você vivia na casa dos amigos. Os pais se conheciam. A gente chamava de tio, até hoje tem isso. Não tinha internet, você tinha de se encontrar, ir na casa dos outros. Estudei em escola pública. Só depois fui estudar no Dom Bosco. Era uma época muito feliz. Uma marca de Brasília é que as amizades permanecem. Renato (Russo) foi um amigo, muito amigo de uma grande amiga minha. A (cantora) Zélia Duncan para mim é Zélia Cristina.

Que tipo de influência Brasília teve em sua vida?
Olhando para trás, você vê que foi influenciado pelo coletivo. A coisa do brincar todo mundo junto. Todos os grupos e tribos interagiam. A turma do tênis (foi campeã de tênis) também se encontrava com a turma da MPB. Tinha gente do Marista, do Objetivo, da Cultura Inglesa. A gente gostava de namorar, de ir para os shows na escola parque, ao cinema na Cultura, a galera se misturava. Lembro quando inaugurou o Chaplin, o cinema no Karim, o Cine Márcia, o Conjunto Nacional. Lembro-me de ir ao Bom Demais ver a Cássia Eller cantando, do projeto Funarte Seis e Meia, de ir para o Teatro Martins Penna, ver apresentação de balé da Norma Lília, da Escola de Música. Nós vivíamos muito esses espaços, que proporcionavam os encontros dos grupos.

A arquitetura da cidade também era determinante para isso?
A beleza da arquitetura de Brasília é fascinante para mim. Pena que deformam tanto. A cidade favorecia que a gente estivesse junto, com seus espaços abertos. Tenho imagem de infância feliz, de liberdade, com espaço, com natureza. Quem viveu tudo isso sente uma saudade imensa. Não porque tenha mudado para pior. Toda cidade evolui.

Com as mudanças, Brasília perdeu ou ganhou?
Perdeu aquilo de encontrar todo mundo na rua. Hoje, é uma das maiores cidades do país, deu uma dinâmica extraordinária para o Centro-Oeste. As pessoas têm muito preconceito e muitas que vêm viver aqui mudam seus conceitos negativos. Não dá para comparar com outras cidades.

 (Luís Tajes)

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Quem é


Izabella Teixeira, 51 anos

Origem
Brasília, Distrito Federal

Carreira
É bióloga, formada pela UnB, com mestrado em planejamento energético e doutorado
em planejamento ambiental, pela COPPE/UFRJ. Em 1984, ingressou no serviço público, no Ibama. Ocupou vários cargos de direção no órgão, foi subsecretária da Secretaria de Meio Ambiente do estado do Rio de Janeiro de 2007 a 2008 e secretária-executiva do Ministério do Meio Ambiente de 2008 a 2009. É ministra do Meio Ambiente desde abril de 2010

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O fato de ter mais brasilienses em posições de destaque contribui para a mudança dessa mentalidade?
É absolutamente correto que Brasília seja vista primeiro como capital do poder, mas essa não é sua única característica. Ver apenas por esse aspecto é o que dá uma visão estereotipada da cidade. Nem todo mundo que vive em Brasília precisa do governo.
E nem todo mundo do governo vai viver em Brasília. A cidade cresceu muito. Vai crescer mais. O Brasil tem de aprender a conhecer Brasília. Adoro viver aqui. A qualidade de vida é sensacional. A gente pegou o melhor de todos os estados. É preciso deixar de lado ideias preconcebidas e viver mais o que a cidade tem.

Como ministra, a senhora vive a cidade de forma diferente?
Tenho a minha vida absolutamente normal. Vou fazer compras sábado de manhã, vou ao cinema, à livraria, saio com meus sobrinhos, dirijo meu carro, jogo tênis.
Não tenho guarda-costas. Meu ritmo de vida é o mesmo de qualquer outra pessoa. Obviamente, as pessoas param, cumprimentam, pedem para tirar uma foto. Mandam também recado para a presidenta. Coleciono recados. Tem a série “diz pra Dilma que...” (risos). Tem coisas engraçadíssimas. Outro dia, o recado era para “ela manter as mulheres no comando porque homem não é de nada”. Digo que pode deixar, tomo nota. Isso é natural, é da visibilidade do cargo. Estou num cargo de visibilidade, mas é absolutamente temporário.

Temporário por quê? A senhora não quer fazer uma carreira política?
Não. Nunca me filiei a partido. Tenho as minhas convicções, sempre fui mais de esquerda, participei de movimentos estudantis, das Diretas Já, de todo o movimento da geração Brasília na luta pela democracia. Realmente acredito na inclusão social e na redução da desigualdade. Ninguém está no primeiro escalão do governo sem exercer a política na sua maior expressão, que é trabalhar para o povo. Agora, isso não quer dizer, que, para ser um animal político, o indivíduo deve ter uma vida político-partidária. Não está no meu sangue. Venho de uma carreira técnica e me preparei, mas nunca pensei ser ministra de Estado. Minha formação é de servidora pública. Então, vou terminar minha carreira como servidora e vou viver da minha aposentadoria.

Foi por ter esse perfil técnico que o ex-ministro Minc referiu-se à senhora como "Dilma Verde"?
É um pouco da anarquia política do Minc (risos), meu grande amigo, que tem como marca não perder a piada. A presidenta é realmente uma gestora. Gosta de coordenar e sabe liderar. Quando o Minc disse que eu era a “Dilma Verde”, estava ressaltando duas características muito fortes. Uma na área ambiental: tenho uma visão técnica abrangente. Por outro lado, sim, acho que é o jeito de gestora. Trabalhei com ele na Secretaria de Meio Ambiente do Rio e, depois, no Ministério. Ele fazia o lado político e eu cuidava da casa, comandava o dia a dia, era considerada aquela que tem o chicotinho na mão para cobrar os resultados.

A escolha por quadros mais técnicos é um ganho para a sociedade?
Certamente, eu não sou uma ministra que está sentada aqui e que não conhece a pasta. Cada vez mais, para exercer a função pública, é preciso ter domínio sobre a atividade. A sociedade está cobrando cada vez mais e está certa em cobrar. Quando você vem para o serviço público, não vem para ganhar dinheiro. O seu retorno é o do desempenho. Se você ajudou a construir um país melhor, a erradicar a pobreza, a fazer uma nova leitura sobre meio ambiente...

Que leitura é essa?
Estamos vivendo um novo momento. Quando comecei minha carreira na área ambiental, em 1984, esse era um assunto absolutamente marginal. As pessoas não falavam de meio ambiente. A melhor definição do desafio da questão ambiental vem de uma frase dita num debate de que participei, pelo ex-ministro Delfim Neto, que sintetizou uma frase. Ele disse: “Quando se discute sustentabilidade, as questões ambientais não são só dos ambientalistas, as questões econômicas não são só dos economistas, e as questões políticas não se limitam aos políticos”. Isso também serve para a questão estritamente ambiental. Não dá para debater meio ambiente só com o pessoal de meio ambiente.

Qual é a grande dificuldade de se lidar com a questão da sustentabilidade?
Você vive o tempo inteiro exposto a contradições, os chamados trade offs. É o caso, por exemplo, da questão de alimentos. O Brasil tem e terá cada vez mais um papel estratégico na produção de alimentos para o planeta. Nós, da área ambiental, temos de recuperar as áreas degradadas, recuperar os rios para manter a atividade. Os produtores querem incrementar a atividade agrícola do país. Os dois estão querendo fazer a mesma coisa: plantar. Eu quero plantar árvore. Eles querem plantar comida. Então, o casamento está feito. O que tem é muita gente fofocando e fofocando errado.

Como unificar esses discursos, então?
Temos de isolar os extremos. Quando a gente edita uma medida provisória, como o Código Florestal, e ela traz a questão social com a ambiental junto, ela está dando um equilíbrio para a solução de um problema. Não dá para solucionar somente a questão ambiental. Não posso pedir para parar de consumir, mas posso pedir para consumir melhor. Esse é o discurso que é preciso ter. Tem que descarregar o excesso da crítica e mostrar os novos caminhos, construir a viabilidade econômica, a geração de empregos. Eu sempre falo, aliás, o Minc falava isso: “Eu fecho uma madeireira ilegal em 40 minutos, mas não gero os empregos que eu termino ali nos mesmos 40 minutos”. Então, temos de discutir o que o Brasil quer do ponto de vista da sustentabilidade.

A aprovação do Código Florestal foi dentro desse equilíbrio?
Retomamos os três fundamentos da nova lei, garantindo que não haverá anistia para os desmatadores, que vamos recuperar as áreas que foram degradadas, assegurando a permanência do homem no campo de acordo com princípios de sustentabilidade. A ideia é preservar, produzir e incluir. Não há antagonismos entre a produção agropecuária brasileira e a preservação da nossa biodiversidade. A grande maioria dos produtores brasileiros está em sintonia com essas ideias.

Como conciliar as prioridades com a questão orçamentária?
O Ministério está investindo tremendamente na carreira, na capacitação dos seus analistas. A presidenta Dilma acabou de apresentar a reestruturação da carreira dos analistas ambientais. Foi um avanço. Diferentemente do que falam, o Ministério está com crescimento orçamentário progressivo. Há muitos que não entendem muito bem de orçamento. Tem muito oba-oba. O dinheiro não está só no orçamento. Somos o maior captador mundial de dinheiro do Fundo Mundial para o Meio Ambiente, temos o Fundo Amazônia, o Fundo Clima. O dinheiro que nós buscamos está no BNDES, ninguém contabiliza isso. É preciso parar com essa história de crítica vazia e mostrar os caminhos. Não tem como proteger o meio ambiente sem querer levar ao desenvolvimento.

E como alcançar essa meta?
Temos que procurar novos caminhos, enfrentar os lobbies, que são concretos. Por isso, o Ministério tem que ter uma envergadura política maior. Por isso, o Ministério não se limita aos ambientalistas, não se limita ao licenciamento ambiental de projetos e à fiscalização. A agenda ambiental no Brasil é muito maior. A sociedade brasileira precisa entender qual é essa agenda .

A ideia que prevalece na sociedade sobre a questão ambiental ainda é muito restrita?
Para que o povo se aproprie, tem de ter uma ruptura de guetos. Fazemos pesquisas no Brasil inteiro e o meio ambiente sempre aparece entre os dez maiores problemas do país. Há 20 anos, não aparecia. É preciso aproximar esse discurso do cidadão. A discussão passa pelo lixo, que tem que ser coletado na sua porta; pela qualidade da água que chega a sua casa; pela energia elétrica, que tem que vir cada vez mais de uma matriz renovável. Ou a gente começa a traduzir o que isso significa para o bem-estar da população ou vamos continuar falando para pequenos grupos.

Durante a Rio+20, houve muitas críticas. Após um tempo, o discurso se tornou positivo. Qual é a sua avaliação?
Foi a maior conferência que a ONU já fez do assunto em toda sua história e foi a mais exitosa. A Rio 92, tão cantada em verso e prosa, teve 17 mil pessoas. Nós tivemos 50 mil. Foram 3 mil eventos paralelos mais 500 oficiais. Não teve um problema com chefe de Estado, com assessor, com delegação. Foram 5 mil jornalistas credenciados. Saíram oito grandes compromissos. Agora, essa agenda internacional será tratada com países, com especialistas, com negociação. Mostrou a sociedade buscando a sustentabilidade. O Brasil foi o grande anfitrião, saiu como um país que sabe organizar, negociar, aproximar os povos. A gente cresceu com essa ideia do Brasil do futuro. Esse Brasil chegou e acho isso sensacional.
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