Artur Vidigal, Valéria Guimarães, Paula Sayão e Murilo Grossi: sucesso sem deixar o solo brasiliense
Ao misturar concreto e fé, candangos transformaram terra vermelha em capital. Das mãos vindas de todo o Brasil, nasceu a cidade de curvas modernas, cheia de peculiaridades: quadras que parecem se repetir ao respeitar um modelo, tesourinhas que confudem até hoje forasteiros, espaços cheios de vazios, aos poucos preenchidos pelo maior patrimônio de Brasília: o brasiliense.
A cidade-utopia apressou-se em dar frutos. A primogênita de Brasília tem hoje 52 anos, seis meses e alguns dias. Mesma idade da capital. A primeira criança nascida na cidade já oficialmente inaugurada foi uma menina, veio ao mundo em 21 de abril de 1960, às 6h15, e ganhou o nome de Brasília. De lá para cá, vieram milhões. Entre os 2.648.532 moradores do Distrito Federal, quem nasceu nessa terra já é maioria, de acordo com o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado em maio. Os brasilienses somam 53,8% da população. Essa virada coincide com a chegada da primeira geração a cargos importantes. Destacam-se nas artes, na política, no Poder Judiciário, nos organismos internacionais, na medicina, nos cargos executivos. São reconhecidos como referência da Brasília que deu certo e ganhou maturidade.
A geração dos nascidos nas décadas de 1960 e 1970 chega ao topo, levando com ela um pouco das cores da capital, da resistência adquirida a partir da convivência com a seca e com o encantamento pelo lugar onde vive. O brasiliense orgulha-se de carregar em si um pouco da cidade feita de sonho e suor. Esforço e capacidade são as marcas em comum das carreiras dos personagens desta reportagem. Seis homens e mulheres nascidos em solo candango que conquistaram seu espaço na sociedade ao unir fatores como: boa educação, talento e as influências de crescer numa cidade em busca de identidade e evolução.
Paula Sayão, de 37 anos, gerente-geral do Centro Cultural Banco do Brasil: empreendedorismo está no sangue
Herança afetivaAssim como a cor dos olhos ou a altura são heranças genéticas, coragem, disposição e iniciativa parecem fazer parte desse arquivo de informações pessoais chamado DNA. Mesmo sem ter convivido com o avô, o engenheiro Bernardo Sayão, um dos principais construtores de Brasília, Paula Sayão, de 37 anos, sabe que, quando se olha no espelho, encontra um pouco do pioneiro. Ele vive nas atitudes da neta, na vontade de realizar várias tarefas ao mesmo tempo. Sayão, o patriarca, se foi, mas deixou em Brasília suas raízes familiares.
Hoje, Paula é gerente-geral do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), o maior espaço voltado para as artes no Distrito Federal (DF). É também bailarina, coreógrafa e economista. Ela iniciou sua trajetória no Banco do Brasil em 2000. Assumiu a gerência-geral, há um ano, depois de passar por várias outras funções. Sua gestão tem sido elogiada e reconhecida entre frequentadores – são, em média, 3,6 mil visitantes por dia – e colegas de trabalho.
A influência para entrar no serviço público veio dos pais de Paula, também bancários. O preparo para conquistar a vaga começou cedo. “Na época do ensino médio, o Objetivo era o colégio mais procurado. Fiz uma parte desse período nele e depois viajei para os Estados Unidos, onde concluí o terceiro ano”, diz.
Ter vivido fora do país foi essencial para que Paula tivesse sucesso à frente das negociações com museus e instituições culturais estrangeiros. A ampliação do acesso ao CCBB é, atualmente, o principal objetivo da equipe comandada por ela.
Foram firmadas parcerias com o Clube do Choro e o Cine Brasília. A área externa, gramada e repleta de esculturas, passou a receber ainda mais shows ao ar livre. “Tivemos a apresentação do Criolo (cantor paulista de rap), com 14 mil pessoas; do Moraes Moreira, com 25 mil. Famílias trouxeram cangas, sentaram-se no chão. Ver o CCBB como um centro de convivência nos deixa muito felizes, é resultado de trabalho de toda a equipe”, afirmou Paula.
Hoje, casada e com dois filhos, a gerente sente-se grata por estar à frente de um ponto de consumo de cultura e por poder contribuir para melhorias na cidade que o avô ajudou a tirar do papel.
Apesar do sucesso profissional, o ator Murilo Grossi não sai de Brasília: "Eu sou dela, não é ela que é minha"
Capital da arte e dos ipêsQuando alguém pergunta a Murilo Grossi qual é a cidade dele, o ator se apressa em responder: “Eu sou de Brasília, não é ela que é minha”. Aos 48 anos, Murilo está impregnado do lugar onde nasceu e mora até hoje, mesmo depois do sucesso como ator.
Há anos ele não anda sem ser abordado pelas ruas do Distrito Federal, alguém sempre o interrompe para perguntar detalhes sobre personagens, como o último – o jornalista Henrique, na novela Amor, eterno amor, da Globo.
A maioria dos fãs, entretanto, aproxima-se apenas para demonstrar satisfação em ver alguém de Brasília na TV. O reconhecimento nas ruas veio depois das telenovelas. Mas Murilo é veterano também no teatro (como ator, produtor e diretor) e no cinema, onde já atuou em mais de 50 filmes.
A trajetória de Murilo com a arte começou na escola. Aluno do Marista, ele aprendeu a tocar tuba na Banda Marcial. Chegou a pensar em música como profissão. “Sempre soube que transitaria entre as artes. Por conta de apresentações musicais na escola, recebi convite para atuar no teatro”, lembra. Estreou nos palcos em 1980, com a peça A revolução dos bichos.
Hoje seus dias dividem-se entre Brasília e o Rio de Janeiro. Apesar da correria, Murilo não abre mão de viver na cidade de origem, onde divide apartamento na Asa Norte com dois filhos e o cachorro Zé. Ele gosta de se lembrar de uma Brasília movimentada no passado. “As embaixadas traziam mostras de cinema, tínhamos acesso ao melhor dos lançamentos da França, Alemanha, Espanha, União Soviética. Por reunir pessoas do país todo, aqui tinha samba, maracatu, choro, enquanto o resto do país ouvia mais música internacional. Tudo isso motivou uma geração inspirada e artística”, acredita.
Viver em outra cidade não é opção para o ator. “Meus filhos não estranham outras culturas. Aqui, eles têm uma mostra de todos os estados. O brasiliense vive em eterna crise de identidade e isso o estimula a criar”, acredita. Murilo é visto com frequência também nos bares da cidade, no parque Olhos d’água ou à sombra de ipês. Nunca se deixou acostumar e vive admirado com a beleza de Brasília.
De menor aprendiz a diretor financeiro do BRB: Francisco Duda orgulha-se de ser servidor público
Entre cálculos e cafésFrancisco Cláudio Duda conheceu o Plano Piloto aos 12 anos, apesar de ter nascido em Brasília. Nessa época, pela primeira vez, deixou Sobradinho, onde viveu até os 22 anos, para passear no Conjunto Nacional e se deslumbrar com os monumentos da cidade.
A distância de 30 km parecia uma viagem, na visão do menino. Com olhos cheios de novidades, ele se divertiu como nunca. Nascido em 28 de junho de 1962, no antigo Hospital da Vila IAPI (região que anos depois deu origem a Ceilândia), o garoto extasiado pelas escalas arquitetônicas de Brasília hoje é um homem cheio de responsabilidades, veste terno e gravata e responde pelo cargo de diretor financeiro do Banco de Brasília (BRB). É o único brasiliense na diretoria.
Duda vive na Asa Sul, com a mulher e os três filhos. Foi em escolas públicas que ele cursou os ensinos fundamental e médio. Graduou-se em matemática pelo UniCeub e hoje tem MBA Executivo em gestão financeira e dois cursos de mestrado: um em economia pela Universidade de Brasília (UnB), outro em economia de empresas, pela Universidade Católica de Brasília.
Aos 14, já era menor aprendiz no Banco de Brasília, onde chegou ao posto de diretor de mercado de capitais. Depois, foi indicado pelo presidente à diretoria financeira. Considera a preparação acadêmica essencial para ter chegado aonde está. Mas é em um passado distante que ele encontra as razões de seu amor pelos números. “Agradeço à professora Julieta, que me obrigou a decorar a tabuada. A partir dali, desvendei o universo dos números”, afirma, bem-humorado.
Hoje, é ele o responsável por definir a captação e como aplicar os recursos financeiros do BRB, por onde todos os servidores do governo local recebem seus salários e pelo qual passa a maior parte dos impostos do GDF. São mais de 500 mil clientes. “A diretoria financeira é o coração de um banco, pois é ela que faz a gestão da liquidez da instituição, ou seja, faz com que ela tenha dinheiro em caixa para honrar compromissos”, explica. Duda trabalha cerca de 14 horas, diariamente. Para ele, não é raro almoçar às 16h. Nas horas vagas, gosta de frequentar bons restaurantes e cafés. “Brasília pode não ter esquinas, mas tem seus cantinhos maravilhosos”, acredita.
Valéria Guimarães disputa o cargo de vice-presidente
na Sociedade Americana de Endocrinologia: referência em sua especialidade
Voltar pra casa é melhorA vontade de desbravar o mundo levou Valéria Guimarães a outros países. Mas, segundo ela, viajar é bom e voltar para casa é melhor ainda. “Brasília é sinônimo de lar”, diz. Por isso, ela fixou raízes e tornou-se, aos 48 anos, uma das endocrinologistas mais respeitadas da capital.
Como muitos de seus tios, Valéria decidiu ser médica. “Fui atraída pela possibilidade de mudar para melhor os rumos da vida de alguém. É uma capacidade que somente os médicos e os políticos têm”, justifica. Gostar de estudar foi fundamental para construir uma sólida trajetória de sucesso. O amor pelos livros aprimorou-se no colégio Marista, onde cursou o ensino médio, e durante a faculdade de medicina, em Minas Gerais. Depois de fazer residência no Hospital das Clínicas, em São Paulo, ela e o marido, também médico, mudaram-se para os Estados Unidos. Na Universidade de Chicago, ela concluiu doutorado em endocrinologia. O primeiro filho do casal nasceu nos Estados Unidos. Os outros dois são brasilienses.
A experiência de ter inúmeros artigos publicados e de se tornar respeitada em um meio competitivo abriu as portas para que ela conquistasse uma vaga na Sociedade Americana de Endocrinologia, a principal entidade da categoria no mundo; Valéria foi a primeira brasileira aprovada para fazer parte do conselho que administra a sociedade. Há cinco anos, recebeu indicação para ser presidente da entidade e não venceu por poucos votos. “Com essa abertura, levei outros colegas para a sociedade e demos visibilidade ao Brasil”, orgulha-se. Em setembro, recebeu convite para disputar a vice-presidência da entidade, o resultado sairá em março de 2013.
Valéria é a autora de um dos capítulos do livro Endocrinology, considerado a “bíblia” dessa especialidade. Presidiu a Sociedade Brasiliense de Endocrinologia e a Sociedade Brasileira de Endocrinologia, além de ser uma das principais incentivadoras da campanha nacional pelo autoexame da tireoide. Em seu consultório, ela atende sete pacientes por dia. Sua especialidade é tratar câncer na tireoide. “Cada consulta dura até 2h30. Não abro mão. Faço parte de sociedades e tenho prazer em ensinar voluntariamente a outros colegas, mas cuidar do paciente é o que mais amo”, afirma.
Vinícius Pinheiro está atualmente na direção do escritório da OIT para as Nações Unidas: disciplina desde o período escolar
Tipo exportçãoO sucesso dos brasilienses extrapola os limites do quadradinho, como é conhecida Brasília por sua representação no mapa. Apesar da juventude da capital, há gente daqui em importantes cargos ao redor do mundo. Vinícius Carvalho Pinheiro, de 41 anos, é um deles. Em 2012, ele assumiu a diretoria do escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para as Nações Unidas, em Nova York. O trabalho anterior, como secretário de Previdência Social, no Brasil, abriu portas. Vinícius foi o responsável pela reforma da previdência, entre 1998 e 2001.
Depois disso, ele trabalhou na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em Paris, e como professor do Centro de Formação da OIT, em Turim, na Itália. Em 2005, Vinícius foi transferido permanentemente para Turim e passou a coordenar a realização de cursos na área de seguridade social. Em 2007, mudou-se para Genebra, na Suíça, onde chefiou as atividades da OIT voltadas para América Latina e o Caribe. Após esse período, veio a contratação para atuar no gabinete do diretor-geral da OIT, como braço direito em questões relacionadas às políticas de proteção social.
Graduado em economia, Vinícius fez mestrado em ciência política na UnB. “Vivi junto da minha família um dos piores momentos da economia brasileira, na década de 1980. Tínhamos que ser um pouco economistas para entender por que o salário não chegava ao fim do mês”, diz. “Mais tarde entendi que não adiantava colocar na mesa as melhores soluções técnicas se não houvesse vontade política para implementá-las. Comecei a estudar ciência política também.”
Fora de Brasília há 10 anos, Vinícius mantém raízes. É dono de um apartamento na Asa Norte e vem à cidade para visitar irmãos. “Meus pais eram recém-casados e vieram para a cidade como professores da fundação educacional. Ele era líder estudantil e estava bastante visado pela polícia política”, relata.
Vinícius estudou no Marista e reconhece a importância da disciplina para o sucesso profissional. Antes de assumir a direção do escritório, ele colaborou em ocasiões importantes para a nação, como elaboração de reuniões de cúpula dos chefes de Estado, durante a Rio+20, por exemplo.
Artur Vidigal, de 52 anos, ministro do Superior Tribunal Militar: a primeira vaga efetiva ocupada por um brasiliense
Venci com a cidadeNenhuma vitória é solitária. Por acreditar nessa máxima, o ministro do Superior Tribunal Militar (STM) Artur Vidigal, atribui à família e aos amigos boa parte da responsabilidade por sua trajetória bem-sucedida. A cidade onde nasceu, Brasília, também leva crédito por ele ter chegado aonde chegou: foi o primeiro brasiliense a ocupar vaga efetiva de ministro no STM, em 2010.
A história da família Vidigal cruzou-se com a de Brasília. Em 1960, quando os pais vieram para a nova capital, a mãe já estava grávida de Artur, que nasceu em 6 de outubro do mesmo ano, pelas mãos de uma parteira.
O ministro passou a infância e a juventude nas asas Sul e Norte. Estudou em, pelo menos, sete colégios, entre eles Cor Jesu, Marista e nos públicos Elefante Branco e Setor Leste. “Eu era adiantado. Mesmo passando de ano, os colégios queriam me reprovar. Minha mãe não aceitava e me trocava de escola”, lembra.
Ele entrou no curso de direito da UDF com 16 anos e aos 21 já estava formado. “Tinha pensado em ser engenheiro civil, mas meu pai me aconselhou a entrar no meio jurídico. Me apaixonei pelo direito e nunca mais pensei em outra profissão”, declara o ministro, hoje com 52 anos, casado e pai de duas filhas.
Artur Vidigal atuou como advogado no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Lá, identificou-se com a área de direitos humanos e concluiu especialização em curso do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Foi consultor no Ministério da Defesa e no de Desenvolvimento Agrário, além de procurador federal da Advocacia-Geral da União (AGU). O convite para ser ministro no STM veio do presidente Lula.
O tribunal é encarregado de julgar crimes militares que envolvam as Forças Armadas. Entre os 50 processos analisados por semana, o uso de droga nos quartéis é um dos mais comuns. “É inaceitável pensar em homens armados, dentro de quartéis, usando drogas”, afirma. Quando jornais quiseram ter acesso ao processo da ditadura que envolvia o nome da presidente Dilma Rousseff, Artur Vidigal foi um dos responsáveis pela aprovação do pedido. “Não existe imprensa meio livre. Ou ela é livre ou não é. Isso desde que assuma suas consequências e responsabilidades.”