Gatos têm maneiras diferentes de evidenciar
carinho: parecem mais austeros quando comparadas
com as demonstrações efusivas de cães, mas são exímios
conquistadores
Gatos são egoístas, frios e interesseiros. Têm sete vidas. São ligados à magia negra e dão azar. Arraigados no imaginário da sociedade, os diversos mitos sobre o comportamento felino levam a preconceitos e generalizações equivocadas. Nenhuma dessas pechas, no entanto, tem desacelerado o crescimento da sua população no país.
Por serem mais independentes e se adaptarem a espaços menores e fechados, como apartamentos, os bichanos se encaixam à vida urbana de donos que não abrem mão da companhia de um animal de estimação mesmo sob as atribulações do dia a dia. Entre 2010 e 2011, a população de gatos no Brasil cresceu 8%, e a de cachorros, 4%. A projeção para 2013 é que o total de felinos seja de 23 milhões e o de cães, 38,6 milhões.
A história do arquiteto Hélio Albuquerque ilustra a mudança que tem levado a esse aumento. Dono de um basset que morreu aos 18 anos, Hélio havia decidido não ter mais cães, devido à falta de tempo e à dificuldade de cuidar do animal. O arquiteto conta que tinha preconceito, achava que um gato não acrescentaria muito a sua vida. Eles seriam frios, egoístas e distantes. Mas, diante da vontade de ter uma nova companhia, resolveu dar uma chance a um felino. Depois de uma visita frustrada a uma feira de adoção, ele encontrou um filhote no restaurante onde fora jantar. “Foi obra do destino, porque estava olhando no celular a foto de um gato muito parecido com o que achei”, conta.
As circunstâncias de sua adoção – ele estava tomando uma sopa quando o viu – levaram ao nome do gato, Sopa, que ganhou uma “irmã” um ano depois, chamada Canja. Dóceis, os animais tornaram-se fonte de alegria e histórias divertidas. “Me apaixonei pela independência e pela minha relação afetuosa com meus gatos”, lembra. Toda vez que volta do trabalho, os dois correm para porta e começam a miar, felizes. “Gatos não são desprovidos de afeto. Eles têm maneiras diferentes de evidenciar carinho. Os cães são mais efusivos”, explica a professora Christine Martins, do Hospital Veterinário de Pequenos Animais da UnB.
A diferença se dá em parte por conta da história da domesticação dos gatos, mais recente se comparada a de outros animais domésticos. Por essa razão, eles ainda mantêm muitas das características que tinham quando selvagens.
Narcisa Leão define que os gatos são marcados pela sabedoria e os cachorros,
pela alegria: "Ter as duas espécies em casa é como ter duas energias"
A natureza do gato também explica as diferenças de comportamento. Ao contrário dos cães, acostumados a viver em coletividade nas matilhas, o gato sempre viveu sozinho, um caçador solitário. Por conta dessa herança histórica, é um animal mais independente e, por vezes, taciturno quando comparado aos cães. Sua habilidade de criar laços, porém, não é diminuta.
Muito do que se acredita sobre os felinos, no entanto, não diz respeito ao comportamento da espécie, mas a episódios distintos da civilização humana. Enquanto eram adorados como deuses pelos egípcios, os bichanos foram perseguidos na Europa durante a Idade Média. Os faraós e sua população precisavam dos gatos, predadores de ratos, que ameaçavam os estoques de alimento.
Os europeus, em sua campanha contra as crenças do Oriente, durante as Cruzadas, vilanizaram os felinos, ligando sua imagem a de bruxas e associando-os à má sorte. “A perseguição teve um preço alto para a população da época, já que a epidemia de doenças que tinham ratos como vetores, como a peste bubônica, tem relação com o desaparecimento dos gatos das cidades medievais”, relata Christine Martins.
A superstição muitas vezes ganha da razão mesmo nos dias de hoje. Não são raros, por exemplo, os casos de maus- -tratos aos bichanos, principalmente os pretos. Entre aqueles que não chegam a atitudes extremas, há os que antipatizam com os bichos por conta das crenças arraigadas. Muitas pessoas, no entanto, estão dando chance a eles e descobrindo as características positivas por trás das crendices.
A atriz e produtora de eventos Narcisa Leão define que os gatos são marcados pela sabedoria e os cachorros, pela alegria. Dona de um felino de 15 anos de idade chamado Bento e de um cachorro um ano, Horácio, ela explica que ter as duas espécies em casa é como ter duas energias complementares. “Quando estou triste, o Bento sobe em mim, faz carinho com a pata. Quando estou agitada, ele se afasta, esperando o melhor momento para participar”, descreve Narcisa.
O arquiteto Hélio Albuquerque: "Me apaixonei pela independência
e pela relação afetuosa dos meus gatos"
As características positivas creditadas aos felinos, entretanto, também podem levar a mal-entendidos. Gatos têm uma vida, não sete, frágil como qualquer outra. Eles precisam de atenção e cuidados preventivos com a saúde. Apesar da independência, vacinação periódica e visitas anuais ao veterinário se fazem necessárias. Já os banhos e corte de unhas não são obrigatórios, ficando a cargo do dono se prefere adotar as práticas.
“Os gatos conseguem cuidar da própria higiene e, salvo algum problema, fazem as necessidades sempre nas caixas de areia”, explica o veterinário Vítor Benigno. Os cuidados básicos envolvem alimentação e troca frequente da água para beber, a escovação do pelo, visitas anuais ao veterinário e exercícios físicos para evitar a obesidade.
Narcisa Leão, que teve uma gata que viveu por 19 anos, toma hoje o cuidado de levar seu Bento anualmente ao veterinário para tomar as vacinas e fazer acompanhamento. “Sei que ele não vai viver para sempre, mas espero que, quando chegar a hora, ele vá sem sofrer”, diz. Segundo a professora Christine Martins, os gatos têm vivido cada vez mais, podendo chegar a 20 anos.
Todas as generalizações sobre comportamento podem não caber ao caso individual, já que a conduta de cada animal depende de sua personalidade. Há gatos mais dóceis e mais ariscos, mais independentes e mais carentes, mais afetuosos e mais frios. É possível perceber traços logo na hora da escolha do bicho. Conhecer os pais pode dar uma ideia de como serão os filhotes. A maneira como ele interage desde os primeiros meses de vida, se brinca com facilidade e demonstra alegria, são indícios de índole dócil. Animais muito medrosos são geralmente mais ariscos.
As diferenças individuais são percebidas facilmente pela produtora de vídeo Maíra Gadelha. Ela tem três gatos: Blá, Vinil e Mate. “Todos são muito carinhosos, mas são diferentes. Quando estou vendo TV, todos chegam perto. Mate deita em cima dos meus pés. O Vinil coloca as patas em mim. E a Blá estica a pata para o meu lado, sem me tocar demais”, descreve. Adotados quando Maíra morava num apartamento em São Paulo, eles se adaptaram fácil à mudança para uma casa em Brasília.
Derrubando um mito: Maíra Gadelha conta que os seus gatos se adaptaram bem à mudança de um apartamento em SP para uma casa em Brasília
Após os primeiros dias e a ambientação, o dia a dia voltou ao normal. Os passeios no quintal demoraram mais para acontecer, mas também se tornaram rotineiros. Assim cai por terra outro conceito inverídico sobre felinos, de que eles são apegados mais ao espaço que aos donos. Na realidade, os gatos são sistemáticos e têm dificuldade em lidar com mudanças na rotina, mas essa característica pode ser trabalhada.
Em relação a adestramento, Christine Martins ressalta que castigo físico não tem o efeito de ensinar. Ela indica o uso de reforços positivo e negativo para influenciar o comportamento: “Quando o gato tem uma atitude inadequada, como arranhar móveis, o ideal é usar um barulho incômodo ou um spray de água para inibi-lo de repetir a ação”, aconselha.
MitosVerdadeGato não gosta de água
Salvo raras exceções, eles não apreciam banhos. Nem precisam. Gatos cuidam da própria higiene e, caso o dono desejar, podem tomar no máximo um banho por mês.
Gatos são independentes
Sua natureza é de caçador solitário e ele sabe se virar muito bem. Consegue ficar sozinho por horas e apenas pede e oferece atenção quando quer.
MentiraGatos são frios e egoístas
Os bichanos sentem afeto e criam laços duradouros com os donos. A depender de sua personalidade, têm diferentes maneiras de demonstrar a afeição.
Gatos não precisam de cuidados
A saúde dos gatos, como a de qualquer animal, precisa de atenção. São
necessárias visitas anuais ao veterinário para vacinação e acompanhamento preventivo até os oito anos de idade. A partir daí, o ideal são duas idas por ano.