Pedrinho, hoje com 26 anos, formou-se em direito e se casou: regularmente visita a família adotiva
em Goiânia
“Fique despreocupado, com o coração tranquilo. Viva sem medo. Continue estudando, visitando os seus amigos, a sua namorada.”
“Para mim, já não importa se você é meu filho ou não. Faço questão de conhecer uma pessoa que se parece tanto comigo.”
“Nós não temos culpa de sermos tão semelhantes. É só você fazer o teste de DNA que tudo vai ser esclarecido.”
“Se você for meu filho, um nó de 16 anos será desatado, e não vou te pressionar. Você já é um homem feito e decide o que é melhor.”
Os conselhos acima partiram de Jayro Tapajós na tarde de 7 de novembro de 2002. Era a segunda vez naquele dia – e na vida – que o auditor da Receita Federal falava com o menino do outro lado da linha. Então com 16 anos, Osvaldo Martins Borges Júnior, como era registrado, estava assustado. Afinal, o homem de 50 anos ao telefone poderia ser o pai do qual nunca ouvira falar.
Jayro e Júnior viveram intensamente aquele novembro de 2002. Ambos eram alguns dos protagonistas da novela da vida real acompanhada a cada capítulo por brasileiros, via internet, rádio, jornal e TV. Em um mês, o Brasil conheceu em detalhes o drama dos Tapajós. Teste de DNA provou que Júnior era Pedro Rosalino Braule Pinto, o Pedrinho, o filho arrancado dos braços de Maria Auxiliadora Braule Pinto, a Lia, mulher de Jayro, ainda na maternidade.
A história de Lia e Jayro comovia Brasília desde a tarde de 21 de janeiro de 1986. Naquele dia, uma mulher que se fez passar por assistente social entrou no quarto número 10 do Hospital Santa Lúcia, na Asa Sul, e roubou Pedrinho, nascido havia 13 horas. Até novembro de 2002, Lia e Jayro viveram por três vezes a ilusão do reencontro com o filho. A Polícia Federal anunciara, em maio de 1986, que desconfiava da identidade de Alexander, menino adotado por um inglês. Os investigadores chegaram a afirmar ter indícios de que o garoto era Pedrinho. Depois, descobriram se tratar de um menino nascido em Cascavel, no Paraná. Em julho de 1990, o programa Linha Direta, da TV Globo, trouxe a história de um novo Pedrinho, localizado no interior de Rondônia. A família Tapajós recebeu a criança em Brasília. Parentes, amigos e vizinhos fizeram uma festa na rua de Jayro e Lia, na QI 8 do Lago Norte.
Jayro, o pai, relembra o momento do encontro com o filho: Nunca imaginei que ele estivesse tão perto
A alegria durou três semanas. Testes de laboratório revelaram que o garoto não era o filho do casal. Seis anos depois, apareceu um terceiro Pedrinho. A Polícia Civil do DF acreditou ter achado o menino em Ceilândia. Sobreposição de fotos mostrou coincidências entre o rosto do vendedor de amendoins Renerson Santana e os pais de Pedrinho. Mas o exame de DNA foi definitivo: Renerson também não era Pedrinho.
Após 16 anos de desaparecimento, Pedrinho e os pais começaram a ter a história reescrita em 20 de outubro de 2002, quando investigadores brasilienses receberam as primeiras pistas do destino do garoto. Elas vieram por meio de uma mensagem eletrônica enviada à instituição internacional Missing Kids. Nela, um anônimo contava a história de um garoto nascido em Brasília e adotado por uma família goiana. Órgão da Secretaria de Segurança Pública do DF, o SOS Criança encaminhou à Polícia Civil candanga provas apontadas pela pessoa de que se tratava de Pedrinho, como fotografias e descrições do garoto e da família goiana.
Delegados e agentes do Departamento de Atividades Especiais (Depate) da Polícia Civil brasiliense estiveram em Goiânia, ouviram o garoto e os adultos com quem morava. O que mais chamou a atenção dos policiais foram marcas no corpo do adolescente, que teriam sido herdadas de Jayro. As mais significativas, uma das orelhas um pouco torta e uma risca em um dos dedos do pé. Os sinais foram notados pelos pais de Pedrinho no dia do nascimento dele.
Jayro passou aquele 7 de novembro tentando convencer o menino, por telefone, a doar material genético para um exame de DNA. Após várias conversas e uma promessa – sem validade legal – de que nada ocorreria com Vilma Martins Costa, a mulher que o criara, o adolescente deixou uma perita da Polícia Civil do DF colher seu sangue. Imediatamente, a amostra foi enviada ao laboratório de DNA Forense da instituição. Peritos passaram a madrugada fazendo e refazendo o teste.
Com os pais, Jayro e Lia, e a mulher, Nábyla: em 10 anos, uma nova família
Faltando 15 minutos para 6h de 8 de novembro de 2002, uma sexta-feira, Jayro acordou sem esforço. Deitado na cama, apenas olhava para o teto, ansioso. Sabia que, às 6h, receberia a ligação definitiva. E, na hora marcada, o aparelho tocou. Um barulho estridente preencheu o silêncio do início da manhã. Em um salto, o cinquentenário homem de cabelos brancos pulou da cama e correu ao aparelho. Ao tirar o aparelho do gancho, ouviu a voz do outro lado da linha: “Ele é teu filho. Acabou, acabou, acabou”.
A notícia veio de um investigador. O exame apontou, com 99,99999999992% de precisão, que o rapaz registrado e criado como Osvaldo Junior, a 200km de Brasília, em Goiás, era Pedrinho. O reencontro, no entanto, demorou mais um pouco. Ocorreu em 10 de novembro, um domingo, no escritório do advogado de Vilma, em Aparecida de Goiânia (GO). “Nos meus sonhos, seria o dia mais feliz da minha vida, mas ali começava um novo pesadelo. Eu já havia reconhecido a Vilma como sequestradora, ao ver uma imagem dela na TV, mas não podia dizer isso a ninguém, para não afastar o Pedro”, lembra Lia, aos 59 anos.
Como a mãe de criação não deixava Pedrinho visitar os pais biológicos e Lia tinha como princípio criá-lo sob absoluta verdade, uma semana depois ela deu depoimento à polícia de Brasília e entrevista apontando Vilma como a sequestradora. Vilma foi indiciada e condenada a 19 anos pelos sequestros e registros falsos de Pedrinho e Aparecida Fernanda Ribeiro da Silva, também roubada ainda bebê de uma maternidade de Goiânia em 1979 e criada como se filha legítima fosse. Pedrinho só se mudou para Brasília e para a casa dos pais verdadeiros em meados de 2003, após Vilma ser presa.
Passados 10 anos, Lia e Jayro curtem a aposentadoria e as três netas pequenas, filha de Cláudia, de 31 anos – além de Pedro, o casal tem três filhas. As netas vieram após o reencontro com Pedrinho. Lia dedica-se à família. Já Jayro, aos 60 anos, está aprendendo a conviver com o maior susto da vida, desde o sumiço do filho caçula. O ex-auditor sofreu um infarto, um ano e dois meses atrás, durante uma partida de futebol entre amigos, em um clube do Lago Sul.
Jayro, Lia e os médicos culpam os cigarros que ele fumou por 42 anos pelo infarto. E acreditam que ele sobreviveu, em grande parte, por sempre ter praticado exercícios físicos. Mas, desde a cirurgia a que teve de ser submetido, Jayro deixou a paixão pelo futebol de lado. Agora, só assiste aos jogos do Fluminense na TV. Aos campos, para torcer e jogar, não sabe quando poderá voltar. Só sai de casa, toda manhã, para a fisioterapia.
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POR ONDE ANDAMPedrinhoTrabalha em renomado escritório de advocacia do DF. Casado, vai ser pai pela primeira vez.
Maria AuxiliadoraAos 59 anos, mora com o marido na QI 8 do Lago Norte. Faz artesanato e curte as três netas.
Jayro TapajósAposentado, recupera-se de enfarto e escreve livros. Está com 60 anos e também curte as netas.
Vilma MartinsMora em Goiânia e goza da liberdade condicional. Vive da pensão do marido morto há 10 anos.
Roberta JamillyTem um filho e mora em Goiânia com Vilma. Não tem contato com a mãe biológica.
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Nesses 14 meses, porém, Jayro descobriu o gosto pela escrita. Publicou o primeiro livro, Direito Tributário para Concursos, lançado pela editora Gran Cursos em setembro. Já planeja escrever outra obra, também voltada a concurseiros, para quem deu aulas por 20 anos, até pouco antes de reencontrar Pedrinho. Nesse período, ele esteve várias vezes em Goiânia, dando aulas nos fins de semana em cursinhos preparatórios. “Nunca imaginei que o meu filho roubado pudesse estar morando tão perto de nós”, comenta.
Registrado novamente, desta vez em Brasília, Pedro Júnior Rosalino Braule Pinto deixou a casa dos pais biológicos após se casar com Nábyla Gabriela Queiroz Galvão, em 19 de novembro de 2011. Na época, ele tinha 25 anos e ela, 22. Nascida e criada em Santa Maria da Vitória, Nábyla mudou para Brasília, distante quase 600 km, aos 12 anos, para estudar. Fã de axé, conheceu Pedro aos 15 anos, em uma festa sertaneja, o ritmo preferido dele. Ela se formou em administração de empresas e trabalha no Hospital Universitário de Brasília (HUB). Ele é advogado, trabalha em um renomado escritório da capital federal.
Realizada na Paróquia Nossa Senhora do Lago, no Lago Norte, a cerimônia católica que uniu Pedro e Nábyla reuniu os familiares brasilienses e goianos dele, e os baianos, dela. Da família goiana de Pedrinho, apenas Vilma não veio à Brasília para o casamento. Mas ela e o filho de criação se encontram regularmente. A família que criou Pedrinho como Osvaldo Borges Júnior continua em Goiânia, onde o garoto cresceu e morou até o fim da adolescência. Mas a outra mãe vítima de Vilma não teve a mesma sorte do casal brasiliense. Nunca conviveu com a filha raptada. Já a condenada vive fora da prisão, com as filhas.
Sem ter confessado publicamente nenhum dos crimes atribuídos a ela e com 57 anos, Vilma mora no bairro Itanhangá, em Goiânia, com Roberta Jamilly Martins Borges. A jovem de 32 anos foi levada de uma maternidade da capital goiana em 1979. Ela também se casou e teve um filho. Mas, diferentemente do irmão de criação, não retomou o nome original, Aparecida Fernanda Ribeiro da Silva, nem o convívio com a família biológica. Ela sequer visita a mãe verdadeira, Francisca Maria Ribeiro, hoje com 73 anos.
Precoce: aos 26 anos, Pedrinho é um pai de família e trabalha num escritório renomado
A identidade de Roberta veio à tona em 12 de fevereiro de 2003, após um exame de DNA feito sem o consentimento dela, por meio da sua saliva deixada em uma guimba de cigarro. A desconfiança sobre a origem de Roberta surgiu após a revelação do paradeiro de Pedrinho. Quando vai a Goiânia, o que geralmente ocorre uma vez por mês e em feriados prolongados, Pedrinho visita Vilma e as irmãs de criação, Patrícia Helaine, Carla Beatriz e Roberta Jamilly. É na casa de Roberta que Pedro e a mulher costumam dormir quando estão na capital goiana. Pedrinho também tem contato com Christianne Michelle, que se mudou para a Europa e tem três filhos. Já Carla e Patrícia voltaram do velho continente, após anos morando lá, devido à escassez de emprego provocada pela crise mundial.
Depois de cumprir cinco dos 19 anos de condenação, Vilma ganhou a liberdade condicional em 19 de agosto de 2008, após conseguir redução de pena e receber o benefício do regime semi-aberto. Desde então, não pode deixar Goiânia sem autorização judicial e tem de comunicar à Justiça qualquer mudança de endereço. Também é obrigada a chegar em casa antes das 21h, mas não precisa comprovar trabalho. As normas valem até 16 de fevereiro de 2019, quando expira a pena imposta a ela.
Sem emprego, Vilma vive da sua parte na pensão deixada por Osvaldo Borges, o homem que resgistrou Pedrinho como filho legítimo e morreu em 19 de outubro de 2002, um dia antes de a polícia brasiliense receber a denúncia anônima do destino da criança roubada no Hospital Santa Lúcia. Pedrinho não gosta de falar sobre suas visitas a Vilma, nem do passado da mulher que o roubou e o criou como filho. Mas ambos já conversaram sobre os crimes dela.
Jayro e Lia sabem que o filho vai a Goiânia, mas não perguntam o que ele faz nem com quem se encontra. Preferem curtir as três netas e o primeiro neto homem, de Pedrinho e Nábyla, que será batizado como João Pedro.