Profissão de mulher
Depois de anos sob olhares tortos, tatuagens e mulheres se unem em um ramo cada vez mais procurado e antes dominado por homens. Em Brasília, elas se destacam pelo carisma e detalhes dos traços na pele
Fugindo do estereótipo de tatuadores fortes, cheios de ilustrações grandiosas pelo corpo e de voz pesada, os estúdios cedem lugar para o tom suave das saias e brincos com alargadores, usualmente acompanhados de acessórios pretos. Na capital que acolheu à altura a moda dos desenhos pelo corpo e tem a primeira mulher profissional do país, os papéis de seda com sobreposição de grafite recebem inspiração de tatuadoras cada vez mais jovens e dispostas a se especializarem. Segundo um dos profissionais mais antigos da cidade, Jerson Filho, Brasília sempre teve um espaço muito bom para agregar tatuadores e fãs do estilo.
Acompanhando a moda mundial dos últimos anos, a capital, inclusive, se destacou entre as cidades brasileiras. “Há uma febre da tatuagem em Brasília”, diz Jerson, de 33 anos, que acompanha o comportamento há 17, quando começou o ofício. “Até pessoas que vêm de fora acham que aqui tem muita gente tatuada. Casado com uma austríaca (Bianca Treitler, que se tornou também tatuadora quando o conheceu) e ministrante de workshops e cursos sobre o assunto, Jerson viu de perto o espaço conquistado pelo sexo feminino na área de pigmentação de pele. “Antigamente, não se via muitas mulheres tatuadoras trabalhando em estúdios. E, quando trabalhavam, até os próprios clientes, às vezes, não queriam ser tatuados por elas”, conta. Hoje, ele enxerga a evolução em relação à aceitação da figura feminina e a relaciona ao domínio de estilo que algumas tatuadoras de Brasília conquistaram. “Elas estão se destacando porque já têm um diferencial como artistas.”
Para Nashari, a conquista do mercado pelas mulheres tem a ver com a facilidade delas para um traço mais delicado, mas garante que isso não é uma regra. Segundo ela, o contrapeso está, talvez, no fato de que alguns homens prefiram um estilo mais grotesco. “Mas quando eles querem fazer um traço fino, bonito, fazem”, diz. Sobre as dificuldades da área para elas, Nashari ainda observa um comportamento antiquado, mesmo que em menor proporção, principalmente por parte dos homens: “O preconceito é mais dos outros tatuadores contra as tatuadoras do que da clientela”.
Nascida na Áustria e viajante com parada por vários países, Bianca Treitler, de 36 anos, tem fundamento para comparar o desenvolvimento de tatuagens no Brasil e lá fora. Tatuando há três anos no mesmo estúdio que o marido, Jerson Filho, ela percebeu que o número de mulheres vem aumentando. “Acho que hoje em dia não tem essa de que os homens têm mais vantagem. O que conta mesmo é o trabalho que se destaca”, opina. E quando o assunto é traço feminino são os estilos mais finos e detalhados que comumente ganham espaço, como o pontilhismo, desenhos indianos, indígenas e florais. “As mulheres têm a tendência de desenhar o que gostam mais, e são coisas que outras mulheres naturalmente também gostam”, explica. “Mas isso não impede uma mulher de tatuar um homem.”
Monique já encontrou o caminho mais fácil e não chegou a viver o preconceito citado por outras tatuadoras. “Os clientes veem o nosso portfólio, conhecem o nosso trabalho, então não ficam mais com tanto receio”, explica. Foi assim com o professor de literatura Marlus Alvarenga, que teve a indicação de um amigo e se encantou pelo trabalho de Monique. “Acho que o carisma, o tratamento feminino, faz toda a diferença. No primeiro contato que você tem, já percebe um diferencial no atendimento”, diz. Para Marlus, esse viés da feminilidade pode ser considerado um dos grandes trunfos das mulheres tatuadoras. “Você acaba vindo e voltando para fazer outras tatuagens. Já chega aqui pensando na próxima”, garante.