Uma nova W3?
Novo projeto de revitalização tenta salvar a avenida mais antiga de Brasília. Mas os problemas na via são tão sérios que o próprio governo admite: para implantar todas as mudanças, previstas para começar ainda este ano, serão necessárias duas décadas
Antes mesmo de Brasília ser inaugurada, lá estava ela. Dividia o endereço onde moravam funcionários públicos recém-transferidos para a nova capital com o comércio de pequenos empresários que antes mantinham seus negócios no Núcleo Bandeirante, então Cidade Livre. A avenida W3 é mais antiga que a própria cidade. Uma combinação entre pioneirismo e funcionalidade qualificou por quase duas décadas essa via como a mais badalada, transitada e importante da capital federal.
A revitalização da W3, com a necessária mudança da paisagem que hoje mais afasta do que agrega, está entre as prioridades enumeradas pelo atual governo. Técnicos da Secretaria de Habitação, Regularização e Desenvolvimento Urbano (Sedhab) do governo do DF trabalham atualmente em um ousado projeto no qual algumas de suas diretrizes envolvendo espaços privados foram incluídas na Lei de Uso e Ocupação do Solo (Luos), que tramita na Câmara Legislativa e deve ser votada até o fim deste ano. “Por parte dos deputados não há nenhuma grande divergência sobre o projeto de revitalização da W3.
Mais que isso, esse é um tema sensível aos parlamentares, que entendem a importância dessa aprovação para Brasília, especialmente em um período no qual a cidade se tornará palco de eventos internacionais”, diz José Willemann, coordenador de Assuntos Legislativos do governo na Câmara Legislativa.
Oliveira é, por parte do governo, quem lida diretamente com a proposta de revitalização da W3. Ele afirma que o projeto está em fase avançada, relata que algumas das intervenções devem ser confirmadas pelos distritais por meio da aprovação da Luos e prevê que o início das obras ocorra até o fim de dezembro. Mas o gestor avisa que o processo não é simples, envolve a participação do Executivo, do Legislativo, de empresários e da própria população. Por isso, calcula que, se tudo ocorrer como o planejado, todas as mudanças previstas só estariam completamente implementadas em um prazo estimado de duas décadas.
Um dos proprietários do Instituto Laboro de pós-graduação, que funciona na 503 Sul, Pedro Victor Tamer relata que o sentimento de insegurança é muito comum entre os alunos que assistem às aulas às sextas à noite, aos sábados e domingos. “Já tivemos episódios de furto, o que é preocupante, amedronta e afasta as pessoas”, explica Tamer. Ele considera que uma proposta de recuperação da W3 passa, necessariamente, pela ronda ostensiva no local. “A falta de policiais circulando na região, associada aos becos escuros, torna alguns pontos da avenida sombrios.”
O negócio de Pedro Tamer é exemplo do tipo de atividade que o governo pretende estimular na W3. Para os gestores, quanto mais estabelecimentos houver na avenida com potencial de atrair público jovem, com perfil cultural ou acadêmico, melhor será para a recuperação da via. Por isso, bares, restaurantes, cursinhos são muito bem-vindos aos olhos do GDF. O subsecretário Rômulo Oliveira fala, inclusive, sobre a hipótese da construção de um albergue da juventude nesse endereço. Ele diz que a presença de jovens com acesso a opções de lazer e de estudo devolveria parte da antiga movimentação ao lugar.
O que Oliveira estuda em tese, Simon Pitel um dia viu acontecer na prática. Dono do Roma, o mais antigo e um dos mais tradicionais restaurantes de Brasília, o belga chegou à cidade em 1958, na mesma época em que os pioneiros da construção da nova capital. “No começo não havia shopping, as pessoas vinham passear na W3, que era muito movimentada”, lembra Pitel, que abriu as portas de seu restaurante em 15 de abril de 1960 e coleciona entre os fregueses ex-presidentes, como Lula, Fernando Henrique, Fernando Collor, além de ministros e empresários. “Naquela época, os poderosos e os não poderosos lotavam o Roma, era um programa obrigatório.”
Simon Pitel sentiu o declínio de toda uma avenida. Embora o restaurante dele ainda seja muito frequentado, com média de 4,5 mil clientes por mês, ele afirma que praticamente 80% das pessoas procuram o local na hora do almoço, diferentemente de algumas décadas atrás, quando as pessoas recorriam ao Roma como uma opção também para o jantar: “Hoje, elas têm medo de circular pela W3 à noite e isso fez cair muito o movimento.” Assim como vários outros comerciantes, ele também é a favor das intervenções de revitalização da via. Pitel acredita que um projeto bem estruturado poderia devolver vigor à avenida.
Behumil calcula na ponta do lápis a diferença que uma avenida recuperada faria em seu negócio. Para funcionar em um espaço de 800 m², ele paga R$ 13 mil por mês, sem contar o aumento que virá neste mês. Se a W3 fosse mais movimentada, o faturamento ajudaria a amenizar as despesas. Embora descrente, o dono da livraria indica medidas relativamente simples que o governo poderia tomar para melhorar a condição dos comerciantes na via que luta para sobreviver: “Há que se incentivar quem trabalha, taxar com impostos altos os locais fechados, atrair os restaurantes. Quem sabe assim a gente não transformaria a W3 na nossa Champs Élysées”, propõe o europeu de coração candango.
O QUE DEVE MUDAR
Perspectivas de algumas das intervenções sobre os espaços públicos na W3
> Reforma em calçadas, com previsão de alargamento;
> Ampliação de estacionamentos, com garagens cobertas nas entrequadras das 500;
- A atividade industrial também seria bem-vinda nos ramos de confecção de vestuário, acessórios, impressão, reprodução de gravações, fabricação de produtos de padaria, confeitaria, pastelaria;
- Área também destinada ao setor residencial, como albergues e pequenas pousadas;
> Projeto paisagístico, com jardins, árvores e sistema de iluminação.