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Cultura | Teatro »

A arte imita a morte

A peça Adubo ou A Sutil Arte de Escoar pelo Ralo - que marcou a nova geração - completa oito anos. O elenco original se reuniu para encená-la mais uma vez e redobrou o ânimo para voltar a encarar as temporadas pelo país

Diego Ponce Deleon - Publicação:08/03/2013 14:38Atualização:08/03/2013 15:13

Os quatro atores em cena do espetáculo Adubo, na Sala Plínio Marcos da Funarte: planos de levar a montagem a outras cidades brasileiras para temporadas maiores  (Raimundo Sampaio/Encontro/DA Press)
Os quatro atores em cena do espetáculo Adubo, na Sala Plínio Marcos da Funarte: planos de levar a montagem a outras cidades brasileiras para temporadas maiores
 

Há de se morrer para viver. A regra não é absoluta, mas, por vezes, parece apropriada. Eis que quatro atores de Brasília devem à morte a vida. Pelo menos, a profissional. A biografia de cada um deles, se encenada, poderia partir do mesmo roteiro: “Departamento de Artes Cênicas da Universidade de Brasília, janeiro de 2005. Os estudantes André Araújo, Juliano Cazarré, Pedro Martins e Rosanna Viegas apresentam o trabalho de conclusão de curso. Entram no palco. Ao fundo, um quadro negro onde se lê Adubo ou A Sutil Arte de Escoar pelo Ralo, direção de Hugo Rodas. Começa o espetáculo. Versa sobre a morte. O teatro de Brasília nunca mais foi o mesmo”.


A iniciativa coletiva os projetou nacionalmente. Adubo transgrediu as barreiras acadêmicas. Encarou temporadas locais. Rodou o país. Emocionou Fernanda Montenegro e a severa crítica de teatro Bárbara Heliodora. Influenciou companhias, montagens, roteiros. Em cena, todos os recursos cênicos disponíveis. Expressões corporais marcantes, impostação vocal emblemática e versatilidade na interpretação. Uma fluida e constante transição entre o cômico e o trágico para desbravar a temida Caetana (a morte lúdica – como ensina Ariano Suassuna). Um contraponto à morte afadigada, vislumbrada por Simone de Beauvoir.


Os artistas, enquanto ainda alunos, buscaram as mais diversas ferramentas para conceber um espetáculo a partir do qual deixariam de ser estudantes. “Depois de Adubo, passei a me apresentar como atriz”, resume Rosanna. No início de fevereiro, ela se reuniu com o restante da trupe – André, Juliano e Pedro – para uma curta temporada da peça no Teatro Plínio Marcos – Funarte, oito anos depois da criação e dois após a última produção com o elenco original. Quatro dias apenas. Ingressos esgotados. O bem-sucedido retorno a Brasília deve, inclusive, garantir novas datas de apresentações. Em março, Adubo ocupa um dos teatros do espaço Brasil 21 Cultural.


Os elogios ao trabalho de concepção e à performance do quarteto não são à toa. “Não fomos os primeiros a utilizar um quadro e giz ao fundo, mas, depois que fizemos, muitas companhias repetiram o uso da ideia”, revela Cazarré, que passou a ser reconhecido nacionalmente graças ao personagem Adauto, de Avenida Brasil. Para o ator, Adubo sempre representa oportunidade de exercício visceral do ofício. “Queremos encontrar algum produtor que volte a levar a peça para o Rio, por exemplo. Ficar dois meses em cartaz. Mas, desta vez, profissionalmente”, contou, durante encontro que juntou os atores, o diretor Hugo Rodas e a orientadora Márcia Duarte.


O uruguaio Rodas – com 40 anos dedicados ao teatro – aposta no momento: “Eles adquiriram a notoriedade necessária para pleitear qualquer retorno”. O diretor aproveita para destacar o aperfeiçoamento dos atores ao logo da última década: “Se antes eles respondiam por expressões individuais, agora, o trabalho se integrou e se tornou um único núcleo”. Márcia, outra conhecida figura do panorama cênico de Brasília, lembra os anos na faculdade e da naturalidade da confluência entre eles: “A união foi fruto de uma troca de afinidades. Tudo convergiu para que fizessem esse espetáculo juntos”.

Primeira foto reunindo o elenco original, o diretor Hugo Rodas e a orientadora Márcia Duarte: registro histórico da 'Família Adubo' (Diego Ponce de Leon/CB/DA Press)
Primeira foto reunindo o elenco original, o diretor Hugo Rodas e a orientadora Márcia Duarte: registro histórico da "Família Adubo"

Ao longo da conversa, fica nítida a memória afetiva que todos nutrem pela peça. “No Rio, resolvemos personalizar umas caixas de fósforos e entregar pelos bares da cidade. Foram 2.600. Deu muito trabalho. Adubo sempre exigiu muito. É como uma filha para mim”, diz Rosanna. Cazarré recordou algumas controvérsias, elemento constante que sempre os acompanhou: “O Welder (Rodrigues, da Cia. Melhores do Mundo) fez um cartaz da peça que estampava um cachorro morto. Penduramos pelos corredores da UnB e as pessoas arrancavam. Fizemos panfletos com a arte e distribuímos. Todo mundo virava o panfleto”, diverte-se.


André se vale da nostalgia para elogiar a interferência do diretor no resultado final da montagem: “A direção do Hugo está embrenhada na gente. Foi fundamental para moldar nossas atuações”, atesta. Emocionado com o testemunho dos ex-alunos, o experiente teatrólogo conta sobre o momento em que os quatro apareceram com o material: “Foi glorificante perceber a confiança deles”. Para quebrar o choro que começava a brotar, Hugo Rodas dá uma de suas célebres gargalhadas, que logo contagia a todos.


Os mercados do Rio de Janeiro e São Paulo não seduziram Pedro, único a ficar na capital e a desenvolver arte por aqui (embora os demais não tenham cortado, em definitivo, o cordão umbilical com a cidade). “Consigo viver da profissão em Brasília. Tantos colegas foram embora e, pelo que escuto, não vivem em condições muito diferentes da minha.” Apesar da acolhida, Pedro acumula a função de produtor para garantir trabalho. “Além disso, abri meu próprio espaço cultural, o Pé Direito (na Vila Telebrasília). Uma maneira de ajudar a gerar mercado, para mim e para os amigos”, explica.


Os companheiros de palco partiram para terras cariocas em busca de outras oportunidades. O papel de destaque na novela e o assédio nas ruas não iludem Cazarré. “Tenho duas creches para pagar. Não tenho certeza de nada. Não está fácil para ninguém”, comenta. Ele credita o sucesso da peça ao esforço coletivo de todos os envolvidos. Questionado sobre os méritos próprios, ele prefere enaltecer os colegas de profissão e aproveita para fazer um apelo: “Temos grandes atores em cada cidade deste país. Temos que perceber esse pessoal que está trabalhando”. Brasília percebeu.

 

O FÃ E O ÍDOLO 

O piauiense Manoel Neto com o ator Juliano Cazarré, nos bastidores do espetáculo (Diego Ponce de Leon/CB/DA Press)
O piauiense Manoel Neto com o ator Juliano Cazarré, nos bastidores do espetáculo

Assim que soube que Adubo entraria em cartaz, o veterinário Manoel Lopes Neto, de 24 anos, saiu de Teresina (PI), onde nasceu e mora, para conferir o desempenho do grupo em Brasília. Especialmente, a participação de Juliano Cazarré: “Acompanho o trabalho dele desde 2008, quando fez (o filme) A Festa da Menina Morta, de Matheus Nachtergaele. Lá na minha rua, quando o Adauto (de Avenida Brasil) apareceu, todo mundo já sabia quem ele era”, brinca. A admiração se estende para outros membros da família: “Também acompanho o trabalho do Érico (irmão de Juliano), que já fez filmes lindos”. Após a sessão, Manoel foi finalmente conhecer o ídolo: “Estava muito nervoso. Mas valeu muito a pena”. Garantiu o autógrafo, trocou ideias com o ator e registrou cada momento do encontro. “Tira duas fotos para não ter erro”, pleiteava a cada pose.

 

 

 (Fotos: Diego de Ponce Leon/CB/DA Press)
André Araújo - O ator, conhecido pela versatilidade em cena, encarou o Rio de Janeiro em 2012 em prol das habilidades como dançarino. “Em março vou para a Argentina filmar um longa”, revela. Ainda em 2005, ano em que Adubo entrou em cartaz pela primeira vez, André foi agraciado com o Prêmio Sesc do Teatro Candango de melhor ator pelo trabalho na peça. 

 

 (Fotos: Diego de Ponce Leon/CB/DA Press)
Juliano Cazarré - A carreira do ator e poeta (ele lançou, no fiml do ano passado, o livro
de poesias Pelas Janelas) começou pelo teatro e pelo cinema. Na telona, o primeiro grande destaque ficou por conta do polêmico A Concepção, e José Eduardo Belmonte. Recentemente, gravou sob a direção e Fernando Meirelles o elogiado 360, que conta ainda com os consagrados atores Anthony Hopkins e Jude Law. Cazarré se tornou um dos mais assediados atores da nova geração depois da participação m seriados televisivos como Força Tarefa e Som & Fúria,  principalmente após o personagem Adauto, da novela Avenida Brasil.

 

 (Edson Ges/CB/DA Press)
Pedro Martins - É um dos integrantes da companhia Trupe de Argonautas, responsável por espetáculos experimentais e circenses. O grupo responde por um dos mais criativos repertórios cênicos da capital. Para gerar trabalho e contribuir para a cena local, Pedro abriu o próprio espaço cultural, Pé Direito, na Vila Telebrasília. “Teremos oficinas, workshops e cursos ligados ao teatro. Alunos da comunidade terão bolsa”, revela.

 

 (Elio Rizzo/Esp. CB/DA Press)
Rosanna Viegas - “Em 2005, Adubo e Rinoceronte (também com direção de Hugo Rodas) disputaram todos as categorias do Prêmio Sesc do Teatro Candango”, lembra Rosanna. Foi ela a vencedora como melhor atriz por Rinoceronte, enquanto o amigo André levou o troféu por Adubo. Rosanna, como Cazarré, partiu para uma carreira televisiva e conseguiu lguns papéis de destaque, como a hilária empregada Rosário, de Ti-Ti-Ti. Além de Adubo, em Brasília, Rosanna deve entrar em cartaz no Rio, com outro trabalho, ainda neste ano. 

 

 (Carlos Silva/Esp. CB/DA Press )
Hugo Rodas - Uruguaio, nascido em Juan Lacaze, em 1939, Hugo é professor no Departamento de Artes Cênicas da UnB há mais de 20 anos. Foi pela universidade, inclusive, que se tornou Doutor Notório Saber m Artes Cênicas. Pela colaboração artística, foi laureado com o título de Cidadão Honorário de Brasília, em 2000. Entre as produções, lguns sucessos nacionais como o próprio Adubo ou A Arte de Escoar pelo Ralo, a antológica montagem de Os Saltimbancos e Doroteia, pelo qual recebeu o Prêmio Shell de melhor direção.

 

 

 

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