A arte imita a morte
A peça Adubo ou A Sutil Arte de Escoar pelo Ralo - que marcou a nova geração - completa oito anos. O elenco original se reuniu para encená-la mais uma vez e redobrou o ânimo para voltar a encarar as temporadas pelo país
Há de se morrer para viver. A regra não é absoluta, mas, por vezes, parece apropriada. Eis que quatro atores de Brasília devem à morte a vida. Pelo menos, a profissional. A biografia de cada um deles, se encenada, poderia partir do mesmo roteiro: “Departamento de Artes Cênicas da Universidade de Brasília, janeiro de 2005. Os estudantes André Araújo, Juliano Cazarré, Pedro Martins e Rosanna Viegas apresentam o trabalho de conclusão de curso. Entram no palco. Ao fundo, um quadro negro onde se lê Adubo ou A Sutil Arte de Escoar pelo Ralo, direção de Hugo Rodas. Começa o espetáculo. Versa sobre a morte. O teatro de Brasília nunca mais foi o mesmo”.
A iniciativa coletiva os projetou nacionalmente. Adubo transgrediu as barreiras acadêmicas. Encarou temporadas locais. Rodou o país. Emocionou Fernanda Montenegro e a severa crítica de teatro Bárbara Heliodora. Influenciou companhias, montagens, roteiros. Em cena, todos os recursos cênicos disponíveis. Expressões corporais marcantes, impostação vocal emblemática e versatilidade na interpretação. Uma fluida e constante transição entre o cômico e o trágico para desbravar a temida Caetana (a morte lúdica – como ensina Ariano Suassuna). Um contraponto à morte afadigada, vislumbrada por Simone de Beauvoir.
Os artistas, enquanto ainda alunos, buscaram as mais diversas ferramentas para conceber um espetáculo a partir do qual deixariam de ser estudantes. “Depois de Adubo, passei a me apresentar como atriz”, resume Rosanna. No início de fevereiro, ela se reuniu com o restante da trupe – André, Juliano e Pedro – para uma curta temporada da peça no Teatro Plínio Marcos – Funarte, oito anos depois da criação e dois após a última produção com o elenco original. Quatro dias apenas. Ingressos esgotados. O bem-sucedido retorno a Brasília deve, inclusive, garantir novas datas de apresentações. Em março, Adubo ocupa um dos teatros do espaço Brasil 21 Cultural.
Os elogios ao trabalho de concepção e à performance do quarteto não são à toa. “Não fomos os primeiros a utilizar um quadro e giz ao fundo, mas, depois que fizemos, muitas companhias repetiram o uso da ideia”, revela Cazarré, que passou a ser reconhecido nacionalmente graças ao personagem Adauto, de Avenida Brasil. Para o ator, Adubo sempre representa oportunidade de exercício visceral do ofício. “Queremos encontrar algum produtor que volte a levar a peça para o Rio, por exemplo. Ficar dois meses em cartaz. Mas, desta vez, profissionalmente”, contou, durante encontro que juntou os atores, o diretor Hugo Rodas e a orientadora Márcia Duarte.
O uruguaio Rodas – com 40 anos dedicados ao teatro – aposta no momento: “Eles adquiriram a notoriedade necessária para pleitear qualquer retorno”. O diretor aproveita para destacar o aperfeiçoamento dos atores ao logo da última década: “Se antes eles respondiam por expressões individuais, agora, o trabalho se integrou e se tornou um único núcleo”. Márcia, outra conhecida figura do panorama cênico de Brasília, lembra os anos na faculdade e da naturalidade da confluência entre eles: “A união foi fruto de uma troca de afinidades. Tudo convergiu para que fizessem esse espetáculo juntos”.
André se vale da nostalgia para elogiar a interferência do diretor no resultado final da montagem: “A direção do Hugo está embrenhada na gente. Foi fundamental para moldar nossas atuações”, atesta. Emocionado com o testemunho dos ex-alunos, o experiente teatrólogo conta sobre o momento em que os quatro apareceram com o material: “Foi glorificante perceber a confiança deles”. Para quebrar o choro que começava a brotar, Hugo Rodas dá uma de suas célebres gargalhadas, que logo contagia a todos.
Os mercados do Rio de Janeiro e São Paulo não seduziram Pedro, único a ficar na capital e a desenvolver arte por aqui (embora os demais não tenham cortado, em definitivo, o cordão umbilical com a cidade). “Consigo viver da profissão em Brasília. Tantos colegas foram embora e, pelo que escuto, não vivem em condições muito diferentes da minha.” Apesar da acolhida, Pedro acumula a função de produtor para garantir trabalho. “Além disso, abri meu próprio espaço cultural, o Pé Direito (na Vila Telebrasília). Uma maneira de ajudar a gerar mercado, para mim e para os amigos”, explica.
Os companheiros de palco partiram para terras cariocas em busca de outras oportunidades. O papel de destaque na novela e o assédio nas ruas não iludem Cazarré. “Tenho duas creches para pagar. Não tenho certeza de nada. Não está fácil para ninguém”, comenta. Ele credita o sucesso da peça ao esforço coletivo de todos os envolvidos. Questionado sobre os méritos próprios, ele prefere enaltecer os colegas de profissão e aproveita para fazer um apelo: “Temos grandes atores em cada cidade deste país. Temos que perceber esse pessoal que está trabalhando”. Brasília percebeu.
O FÃ E O ÍDOLO
Assim que soube que Adubo entraria em cartaz, o veterinário Manoel Lopes Neto, de 24 anos, saiu de Teresina (PI), onde nasceu e mora, para conferir o desempenho do grupo em Brasília. Especialmente, a participação de Juliano Cazarré: “Acompanho o trabalho dele desde 2008, quando fez (o filme) A Festa da Menina Morta, de Matheus Nachtergaele. Lá na minha rua, quando o Adauto (de Avenida Brasil) apareceu, todo mundo já sabia quem ele era”, brinca. A admiração se estende para outros membros da família: “Também acompanho o trabalho do Érico (irmão de Juliano), que já fez filmes lindos”. Após a sessão, Manoel foi finalmente conhecer o ídolo: “Estava muito nervoso. Mas valeu muito a pena”. Garantiu o autógrafo, trocou ideias com o ator e registrou cada momento do encontro. “Tira duas fotos para não ter erro”, pleiteava a cada pose.
de poesias Pelas Janelas) começou pelo teatro e pelo cinema. Na telona, o primeiro grande destaque ficou por conta do polêmico A Concepção, e José Eduardo Belmonte. Recentemente, gravou sob a direção e Fernando Meirelles o elogiado 360, que conta ainda com os consagrados atores Anthony Hopkins e Jude Law. Cazarré se tornou um dos mais assediados atores da nova geração depois da participação m seriados televisivos como Força Tarefa e Som & Fúria, principalmente após o personagem Adauto, da novela Avenida Brasil.