A dona da festa
Muitos a conhecem pelo nome. Quem viveu as décadas de 1970 e 1980 em Brasília desfrutou de suas festas, que entraram para o imaginário da cidade
Os arrojados óculos alaranjados de Moema Leão, de 67 anos, ajudam-na a decifrar os mistérios de um iPad recém-comprado. Com o aparelho nas mãos e a armação apoiada quase na ponta do nariz, ela diz em bom “goianês”: “Menina, ainda estou aprendendo a mexer com isso aqui. Mas quero tirar foto e botar no Instagram. A gente tem que se adaptar às coisas dessa vida, não estou certa?”. Enquanto flerta com a tecnologia, Moema se lembra de tempos distantes, nos quais tudo era diferente – e não estamos falando só de mídias sociais. A versão atual de Moema é mais uma de suas transformações.
Os bens mais valiosos de Moema Leão não são as joias que lhe restaram, nem as elegantes peças de decoração espalhadas pela casa onde vive. Tudo isso é impermanente e ela sabe disso. O que mais chama a atenção nela não são seus cabelos negros ou as curvas conservadas, na contramão do passar dos anos. A disposição para ser feliz é o que há de mais precioso em Moema, e o que ela tenta preservar a todo custo. Ela não passa despercebida, nem dispensa uma boa oportunidade de fazer o que mais gosta: sentir-se prazerosamente viva.
Ainda hoje, a primeira geração de habitantes de Brasília tem saudade dos bailes hollywoodianos, na mansão Flamboyant, no Park Way, onde Moema morava com o primeiro marido e os quatro filhos. À noite, o lar se transformava em espaço para as principais recepções da cidade. Entre os convidados, gente como Pelé, o cantor Cauby Peixoto, Juscelino Kubitschek, Sarah Kubitschek e as filhas do casal, além de empresários da construção civil – que encontraram em Brasília a fórmula da fortuna –, outros políticos e suas proles. Famílias inteiras mandavam trazer roupas de outras cidades para os eventos na mansão. “Em Brasília não tinha nada. Por outro lado, naquele tempo, havia muito mais disposição de ser feliz. As pessoas ficavam mais à vontade”, diz Pompeia Addario Bastos, amiga de Moema há 40 anos.
A disponibilidade de serviços como os de chefs de cozinha, decoradores e garçons era resumida na cidade que completava pouco mais de uma década de fundação. Moema tinha ideias criativas.
Mandou fazer um quadro de chaves e contratou o serviço de um motorista para estacionar os carros dos convidados, quando nunca se tinha ouvido falar em manobristas em Brasília. “Seu Edvaldo, o motorista, tornou-se grande manobrista depois disso. Passou a oferecer esse serviço nas festas e hoje é dono de uma empresa bem-sucedida. Está nas principais festas da cidade”, conta Moema.
Em algumas ocasiões, JK era o homenageado da noite. “Ele vinha escondido a Brasília e participava das nossas festas. A gente tirava os móveis da sala para poder dançar. Ele gostava disso: de dança e de canjiquinha (sopa mineira com milho triturado e carne de porco)”, lembra. Moema promovia pelo menos três grandes festas por ano. Uma delas em seu aniversário: 17 de março.
Apesar desse episódio, os momentos felizes foram maioria. Moema adora festas temáticas. Uma das festas inesquecíveis teve convidados fantasiados, a Noite Hollywoodiana. Ela encomendou o traje de um carnavalesco, no Rio. Seria Cleópatra por uma noite. Uma das convidadas, Maria Inês Nogueira, porém, foi mais longe. Vestiu-se de amazona e chegou a cavalo na Mansão Flamboyant. O alazão, emprestado do ministro do Exército à época, Leônidas Pires Gonçalves, era treinado e fazia parte da cavalaria dos Dragões da Independência. Entrou no salão com Maria Inês montada no lombo.
Ela explica que segurava uma espingarda com espoleta e chegou a atirar para cima, no jardim, antes da entrada épica. “O cavalo era tão alto que precisei de uma escada para subir nele. Logo eu, que fui criada na fazenda. Todo mundo ficou de boca aberta. O cavalo começou a comer as alfaces do bufê, que já seria retirado. Eu me inspirei no seriado Dallas, que fazia muito sucesso naquele tempo”, lembra Maria Inês. O caso foi publicado em vários jornais e revistas do país. Circulou boato de que o alazão havia comido as folhas do prato da ex-primeira-dama Dulce Figueiredo, mulher do ex-presidente João Batista Figueiredo e frequentadora das festas de Moema. O “ataque” não passou de especulação, mas virou lenda.
Moema Leão é ex-mulher de Flávio de Souza, um dos sócios da falida construtora Encol, a maior incorporadora e construtora do Brasil até a segunda metade da década de 1990. Eles se casaram em Rio Verde (GO), onde ela nasceu, e se mudaram para Brasília em 1971, quando já tinham os quatro filhos. A empresa quebrou em 1999, com um rombo de milhões em suas contas. A companhia deixou 45 mil famílias que haviam comprado imóveis sem receber as chaves e 12 mil desempregados, situação que abalou o mercado imobiliário em todo o país. Revistas de circulação nacional publicaram críticas à mansão milionária de Moema, que contrastava com o drama dos chamados “órfãos da Encol”.
Após a separação, Moema se mudou da Mansão Flamboyant. Viveu no Lago Sul e posteriormente na Asa Sul, em um apartamento. Passou a alugar a casa de 1.900 m², com cinco suítes, adega, boate, chalé de hóspedes e piscina, para casamentos e festas de 15 anos. Hoje, mora na casa de visitas, no mesmo terreno da mansão. A residência atual tem um terço do tamanho da anterior. “Sou uma ótima viradora de páginas, menina! Você precisa ver como eu sigo em frente. Não preciso daquele espaço todo, que bobagem. Olho e nem lembro que morei lá”, diz ela, que está no quarto casamento. Moema vive em clima de lua de mel com o velejador e empresário Celso Martins, de 70 anos. “Essa mulher é uma loucura. Você não consegue brigar com ela nem se quiser. Não há quem resista à Moema”, afirma o marido. Antes dele, Moema foi casada com o advogado Estênio Campelo, irmão do ex-senador Valmir Campelo.
Mesmo nos tempos de bonança, ela sempre trabalhou. Teve lojas de decoração, faz projetos e, atualmente, é sócia da mostra anual Casa Cor, em Brasília, o maior evento de arquitetura e decoração do país. Brilhou mais que todos os homens com quem dividiu a vida. “Sou uma mulher-balão. Sabe como é isso? Aquelas que levam qualquer homem para cima, que impulsionam e fazem crescer”, orgulha-se. Ela rejeita o rótulo de “dondoca” e diz enfrentar preconceito: “Quem não me conhece me julga; sempre fui alvo de julgamentos preconceituosos, de gente que não sabe nada da minha vida, do meu trabalho e dos meus projetos”.
Moema é presidente de uma fundação social que leva seu nome. O projeto Sonho Meu: Trabalho e Cidadania ensinava detentas, em Brasília, a fazer roupas e colchas de fuxico para vender. Em 2003, a inciativa recebeu prêmio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), como forma de reconhecimento pelos serviços prestados à sociedade. Moema viajou à Guatemala para receber a honraria. “Até nisso fui criticada e teve polêmica. Mas eu não me importo. Faço pelo que me move na vida: o prazer”, explica.
Diferentemente de parte das colegas em sua posição social, Moema tem uma risada verdadeira, solta e sem pudores. Sem medo de mostrar os dentes ou o fundo da garganta quando sorri. Não teme julgamentos. “Sempre fui à frente do meu tempo. Quando as esposas não podiam trabalhar, eu trabalhava. As mulheres tinham dezenas de filhos e eu fiz a cirurgia para não engravidar mais”, relata.
Depois de 67 anos de glamour e badalações, quando define o termo luxo, Moema não cita ouro, champagne, dinheiro nem poder. “O maior luxo é ser amada”, resume.
5 PERGUNTAS PARA / MOEMA LEÃO
Ela fala sobre plástica, a falência da Encol e como lida com o envelhecimento
A falência da Encol mudou a sua vida?
Naquele tempo, eu já tinha me separado do meu primeiro marido. Não me envolvi nisso. Meu padrão de vida não mudou tanto, porque nunca vivi à sombra de ninguém. Sempre tive meu trabalho como decoradora, meus amigos e relações independentes. Hoje, preciso de muito menos para viver. Simplifiquei a minha vida e sou muito feliz assim.
Suas festas entraram para a história de Brasília. Por quê?
Brasília era muito carente de eventos. Nunca pensei muito nisso. Eu dou festas, primeiramente, para mim. Sinto um prazer enorme em receber as pessoas, em vê-las se divertindo comigo. A gente arrecadava dinheiro para caridade com essas festas e jantares, mas não era o principal objetivo. Não tenho vergonha de dizer que fazia por mim mesma, principalmente. Despertei para projetos sociais tempos depois.
Você se sente nostálgica?
É impossível não ter saudades. Mas hoje os tempos são outros e viro uma página como ninguém. Surpreender as pessoas é o mais importante, mas nesta época globalizada é muito difícil encontrar novidades. Tudo parece já ter sido feito. No passado, tudo era novidade.
Como lida com o envelhecimento?
Não tenho medo de envelhecer. Já fiz plástica, tirei um pouco de pele no pescoço, porque me incomodava. Rio muito, não tem como não enrugar. Não tenho problemas com isso. Jamais tive a intenção de concorrer com mocinhas. Ser uma mulher interessante é muito melhor. Mulheres interessantes são imbatíveis.
Você se considera uma socialite?
Não sou uma dondoca, de maneira alguma. Já sofri muito preconceito. As pessoas gostam de falar do que não conhecem. Soube de uma história, certa vez, de que uma mulher se recusou a comprar produtos feitos pelas presidiárias do meu projeto social porque me achava uma exploradora. Sem cabimento. Eu não ganhava um centavo. Ia para o presídio porque acredito nessa ação, no poder dessa ajuda. Eu trabalho, não vivo de aparência.