Já foi a uma garage sale?
Tradicional nos Estados Unidos, a prática de "abrir a casa" para vender os móveis tem conquistado cada vez mais adeptos - compradores e vendedores - em Brasília
A tapeçaria francesa Aubusson, avaliada em R$ 13 mil, foi comprada por R$ 1.200. O aparelho de louça brasonado Limoges, também da França, saiu por R$ 1.300 – nas lojas, esse valor é cobrado por uma única peça. O rack de jacarandá, cotado a R$ 3.500, acabou adquirido por R$ 350. O centro de mesa em prata WMF, de 900 euros (cerca de R$ 2.430), ficou 85% mais barato, a R$ 400. Em uma casa no Lago Sul, a maior parte dos produtos à venda foi primeiramente negociada em euros. Em um fim de semana comum de fevereiro, os clientes percorriam os cômodos e se entretinham ante taças de cristal e estatuetas chinesas de R$ 10, entre diversos outros utensílios das chamadas garage sales – um tipo de comércio que, cada vez mais, se consolida como febre de consumo em Brasília.
Os preços convidativos e objetos muitas vezes raros ou importados são os principais atrativos desses eventos, que não têm data nem local fixo para acontecer. Quase sempre, os vendedores, os garagistas e os clientes acabam desenvolvendo laços de amizade e se comunicam em grupos para avisar datas e locais em que acontecerão as próximas edições.
O público costuma ser bastante heterogêneo e inclui ministros, deputados, diplomatas, socialites, decoradores, colecionadores, além de empresários da Feira de Antiguidades do Gilberto Salomão e compradores comuns, interessados em redecorar a própria casa.
O trio, então, montou a Garage BSM – iniciais dos sobrenomes delas – e se especializou na modalidade. Hoje, mantém um mailing list com 4.500 nomes e uma clientela cativa. A alta rotatividade de funcionários públicos e do corpo diplomático, em Brasília, criou a necessidade de auxiliar as pessoas a se desfazerem de seus pertences.
“Normalmente, as peças são muito boas e de valor. Existe um mercado, tanto para comprar quanto para vender”, explica Mona Lisa.
E sempre há muita história envolvida: “A gente tem de ser um pouco psicóloga, pois a garage sale envolve três situações principais: divórcio, morte e mudança. A pessoa que deseja vender as coisas geralmente está traumatizada”, conta Marinéia.
Se a garage sale é viável, as garagistas e o proprietário dos produtos buscam um acordo sobre os preços. “A gente conversa com o cliente sobre a existência de um valor que é justo e de um valor que é vendável”, diz Norma. A ideia é manter os valores entre 40% e 60% do preço original.
A fase preparatória para a garage sale se estende por até sete dias e envolve a assinatura de um contrato, no qual se estabelecem os direitos e as obrigações dos garagistas – que ganham um percentual sobre as vendas – e dos clientes. O comércio das peças costuma durar, no máximo, quatro dias.
Hélio Angotti é o expositor mais antigo da Feira de Antiguidades do Gilberto Salomão e um entusiasta das garage sales. “De uma xícara sem pires a um carro, tudo é vendido”, garante. Em uma de suas garage, ele expôs uma antiga cadeira de dentista de mala e se surpreendeu com o fato de a peça ter sido adquirida por R$ 250 por um maquiador de noivas. Há também histórias tristes. Angotti afirma que teve um cliente que precisou vender o que tinha para viajar ao Rio de Janeiro, a fim de tratar de um câncer de mandíbula. “Eu abri mão da minha comissão, para reduzir o preço, vender rapidamente e resolver o problema dele.”
Os passeios em feiras, bazares e brechós de usados motivaram a secretária executiva Danuse Pires a se tornar garagista. “Fui dona de brechó, durante cinco anos, na Asa Sul e na Asa Norte, e 90% da mercadoria eu comprava em garage sales”, conta ela, que atua no ramo há 11 anos. Atualmente, ao receber o e-mail ou o telefonema do cliente, ela vai ao local e analisa a viabilidade do negócio. Uma de suas exigências é a de que a garage sale tenha o mínimo de R$ 15 mil em peças. “Temos despesas com faixas, Correios, mala direta, funcionários e alimentação. Cobramos um percentual de 20% sobre o valor total da venda. A frequência é de duas garage sales por mês, mas há épocas em que dá para fazer o mês inteiro.”
Dos EUA para o mundo
As garage sales surgiram nos EUA e se tornaram mania nacional. Os norte-americanos costumam expor produtos que não mais desejam nos jardins de suas casas, especialmente às vésperas de mudanças. Para anunciar a oportunidade de negócios, utilizam a propaganda boca a boca, além de placas artesanais, cartazes e flyers. A Highway 127 é considerada a maior garage sale do mundo e envolve os estados de Mississippi, Alabama, Kentucky e Tennessee, perfazendo um total de 1,1 mil km.