Cresci com Brasília
Nem só de serviço público vive a capital. Muitos pioneiros tornaram-se empreendedores de sucesso, expandiram os negócios e ganharam projeção nacional e internacional. Agora, começam a dividir a gestão com os filhos, nascidos na capital
Assim como Brasília, erguida em cinco anos no coração do Brasil, empresas de pioneiros surgiram das novas oportunidades criadas com a capital e aqui prosperaram. Após 53 anos, transformaram-se em marcas tão conhecidas quanto os mais emblemáticos cartões-postais da cidade. Muitas extrapolaram os limites do Distrito Federal, ganharam espaço Brasil afora e internacionalmente. Desde a inauguração da cidade, em 1960, o crescimento populacional impulsionou o desenvolvimento de empresas que responderam a demandas específicas dos candangos ao longo do meio século de vida da capital.
Uma das marcas que surgiram nesse período foi a loja de material para construção civil e beneficiados do aço criada por Getúlio Pinheiro de Brito, de 81 anos, e que completou 52 anos em 2013, a Ferragens Pinheiro. O empreendedor investiu em Brasília graças aos conselhos do maior entusiasta da nova capital, ninguém menos que Juscelino Kubitschek. Amigo do sogro de Getúlio, o presidente enxergou no jovem, então funcionário em empresa de material de construção, tino apurado para os negócios.
No movimento do progresso de Brasília, em seguida ao boom da construção civil, veio o aumento considerável de indústrias gráficas e de tecnologia da informação. Isso em função da demanda do setor público por tais serviços, como explica o presidente da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), Júlio Miragaya. Em meio ao crescimento desse setor, foi criada na capital a indústria com tecnologia própria e genuinamente brasiliense do empresário Gilberto Rossi, a Indústrias Rossi, de equipamentos de automação.
Nos primeiros anos, a fábrica dos Rossi produzia em média 100 portões automáticos diariamente e costumava receber clientes incrédulos na capacidade de uma indústria candanga. Hoje, perto de completar 30 anos, produz 2.500 motores por dia. Além da participação inestimável de Fátima, Gilberto conta com o auxílio de Fabiana e Gilberto, os dois filhos já adultos, na administração da empresa que vende produtos em atacado para todo o país. São 220 empregados diretos, mil indiretos no DF e 10 mil no Brasil. “O povo de Brasília acreditou em mim. Se não fosse pelo apoio dos clientes, teria me mudado, já que nunca tive incentivo algum”, confessa o empresário mineiro.
Cleuza chegou a Brasília em 1958, acompanhando o pai, funcionário público, e fundou em 1969 a empresa. A empreitada teve início quando a jovem Cleuza, que herdou da avó bordadeira o amor pelo corte e costura e as combinações de cores, abriu as portas da multimarcas Milonga no Conjunto Nacional. Os recursos vieram da venda de um carro. Um ano depois, nascia a Magrella. Da Asa Sul a loja foi para o ParkShopping antes de chegar ao Lago Sul. Mais de 40 anos de dedicação da candanga transformaram a pequena loja da pequena empresária em nome forte.
Apesar de Brasília ser sede do poder e abrigar as grandes estatais, a capital federal tem no empreendedorismo de alguns candangos sua maior força. Afinal, foi em Brasília e com o esforço de jovens estudantes da Universidade de Brasília (UnB) que o Brasil ganhou uma das mais fortes redes alimentícias do país: o Giraffas.
A então lanchonete, hoje rede de restaurantes, criada em 1981 por Carlos Guerra e Ivan Aragão – que acabou saindo no início da empreitada – tinha 20 funcionários. “O lugar virou ponto de encontro dos estudantes. Nós estávamos lá cuidando de tudo o tempo todo. Tínhamos o apoio de amigos e família. Quando um funcionário faltava, por exemplo, contávamos sempre com um colega disposto a vestir o avental e nos auxiliar”, lembra o pernambucano Carlos, que chegou à capital no fim dos anos 1970 para estudar engenharia elétrica na UnB, depois da transferência da mãe, funcionária pública, para Brasília.
“Um conjunto de características fizeram o sucesso do Giraffas: além da inserção do sistema de franquias e inovação nos produtos, o espírito empreendedor dos fundadores, a confiança nos mercados brasiliense e brasileiro e a insistência em tempos econômicos difíceis foram essenciais”, conta Alexandre Guerra, filho do fundador e atual CEO da companhia. Ex-diretor financeiro e de planejamento da empresa, Alexandre assumiu este ano as rédeas do negócio e montou a nova diretoria executiva.
Ao explicar a relação da empresa com Brasília, o empresário nascido na cidade não economiza elogios: “Temos muito orgulho de sermos uma empresa brasiliense, não abrimos mão desse título. Todo o crescimento que tivemos fora do DF foi graças à força do consumidor brasiliense”.
O período de crescimento de Brasília a partir da década de 1990 não foi bom apenas para a rede Giraffas, mas para muitos negócios. Percebe-se importante evolução no número de empregados do setor privado desde então, por exemplo. O crescimento foi, inclusive, maior do que o do setor público. Segundo dados da Codeplan, em 1993, havia 633 mil pessoas ocupadas no DF, sendo 215 mil no setor privado e 201 mil no setor público – o resto eram autônomos e empregados domésticos. Em janeiro de 2013, são 1,284 milhão de ocupados, dos quais 673 mil no setor privado e 283 mil no setor público. Em 20 anos, o número de empregados no setor privado mais que triplicou, enquanto o setor público teve crescimento de menos de 50%.
Engrossa os números de empregados no DF a rede de farmácias de manipulação criada por Rogério Tokarski, a Farmacotécnica. O farmacêutico e bioquímico tem como um dos focos o investimento em equipe de ponta. Catarinense que viveu e estudou no Paraná, Rogério veio para o Centro-Oeste com a família na década de 1950.
Em 1978, recém-casado, o farmacêutico e empresário inaugurou a segunda loja com o auxílio da mulher, Romelita Milagres Tokarski, também farmacêutica. Ele aproveitou a ajuda para se ausentar do balcão de atendimento por algumas horas para peregrinar por consultórios médicos, convencendo-os das vantagens da farmácia de manipulação e da qualidade de seus produtos. Hoje, a rede conta com nove lojas e atende entre 18 e 20 mil clientes por mês.
O foco em pesquisa faz parte da fórmula de sucesso da empresa, que investe em bons funcionários, em especial os farmacêuticos. O próprio Tokarski é referência e ministrou importantes cursos de farmácia de manipulação no Brasil e nos Estados Unidos. Ao andar pelas duas lojas e três laboratórios do Setor Hospitalar, demonstra conhecer cada um dos funcionários, muitos com mais de 20 anos de casa. A ajuda deles foi muito importante para o crescimento e a manutenção do padrão de qualidade. Hoje são cerca de 200 empregados, sendo 18 farmacêuticos, entre eles as filhas, Romy e Rogy Tokarski.
A iniciativa de inserir a família nos negócios parece ser a principal característica em comum dos empresários entrevistados, que contam com a participação da geração seguinte nas empresas. Eles explicam que os filhos têm a vantagem de terem crescido junto com a empresa. “É preciso, no entanto, que a experiência na companhia seja acompanhada por profundo conhecimento técnico do assunto. A sucessão familiar deve obedecer a princípios claros de governança corporativa”, ressalta Alexandre Guerra, do Giraffas. Para Juana Ferreira, da Magrella, o fato de ter trabalhado em todos os níveis da empresa e galgado espaço aos poucos lhe garantiu legitimidade. “Passava as férias no estoque quando mais nova. É preciso fazer o dobro quando se é a filha da proprietária para convencer as pessoas do seu mérito”, revela.
Outra bem-sucedida rede alimentícia brasiliense segue a mesma lógica. Quando abriu a primeira lanchonete Marietta no antigo shopping Venâncio 3000, em 1982, o empresário e economista Edson Costacurta, hoje com 62 anos, tinha como objetivo conseguir renda extra para a família. Ele não imaginava que o negócio seria o principal ganha-pão dele, dos filhos, Fernanda e Rafael, e de outros 400 funcionários.
Com o auxílio dos dois filhos mais velhos, Rafael, de 33 anos, e Fernanda, de 32, Edson expandiu a rede Marietta e incluiu os restaurantes Marietta Café e as hamburguerias Marvin e Marzo Burger Bar, transformando-a no que é atualmente: 15 lojas no Distrito Federal mais oito franqueadas em Minas Gerais, Bahia e Ceará. “A dedicação tem de ser total, 24 horas por dia. Afinal, estamos lidando com alimentos, com a saúde das pessoas”, explica Edson.