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Capa | Brasília 53 anos »

Cresci com Brasília

Nem só de serviço público vive a capital. Muitos pioneiros tornaram-se empreendedores de sucesso, expandiram os negócios e ganharam projeção nacional e internacional. Agora, começam a dividir a gestão com os filhos, nascidos na capital

Dominique Lima - Redação Publicação:15/04/2013 13:52Atualização:15/04/2013 15:48

Romy Tokarski, Rafael e Fernanda Costacurta, Juana Ferreira e Rogy Tokarski, na Praça dos Cristais, cartão-postal de Brasília: a mão dos filhos nos negócios dos pais (Minervino Júnior/Encontro/DA Press)
Romy Tokarski, Rafael e Fernanda Costacurta, Juana Ferreira e Rogy Tokarski, na Praça dos Cristais, cartão-postal de Brasília: a mão dos filhos nos negócios dos pais
 

Assim como Brasília, erguida em cinco anos no coração do Brasil, empresas de pioneiros surgiram das novas oportunidades criadas com a capital e aqui prosperaram. Após 53 anos, transformaram-se em marcas tão conhecidas quanto os mais emblemáticos cartões-postais da cidade. Muitas extrapolaram os limites do Distrito Federal, ganharam espaço Brasil afora e internacionalmente. Desde a inauguração da cidade, em 1960, o crescimento populacional impulsionou o desenvolvimento de empresas que responderam a demandas específicas dos candangos ao longo do meio século de vida da capital.


Uma das marcas que surgiram nesse período foi a loja de material para construção civil e beneficiados do aço criada por Getúlio Pinheiro de Brito, de 81 anos, e que completou 52 anos em 2013, a Ferragens Pinheiro. O empreendedor investiu em Brasília graças aos conselhos do maior entusiasta da nova capital, ninguém menos que Juscelino Kubitschek. Amigo do sogro de Getúlio, o presidente enxergou no jovem, então funcionário em empresa de material de construção, tino apurado para os negócios.

Gilberto Rossi, à frente da sua companhia de equipamentos de automação: sucesso veio por teimosia (Minervino Júnior/Encontro/DA Press)
Gilberto Rossi, à frente da sua companhia de equipamentos de automação: sucesso veio por teimosia

Como JK não costumava falhar ao vender sonhos, o resultado do incentivo foi a mudança de Getúlio e sua mulher para Taguatinga quando o casal ainda estava em lua de mel. Para investir na pequena loja, o maranhense radicado no Rio de Janeiro usou todas as economias dos anos de trabalho. “Em Brasília, tudo estava por fazer, por construir. Era uma oportunidade única”, conclui a filha de Getúlio, Janine Soares de Brito, que trabalha atualmente com o pai e os três irmãos na administração do negócio.


Fabiana e Gilberto Rossi Filho, dois dos três filhos 
da família Rossi que já trabalham na empresa (Antonio Cunha/Esp CB/ D.A. Press)
Fabiana e Gilberto Rossi Filho, dois do
s três filhos da família Rossi que já trabalham
na empresa
A Ferragens Pinheiro hoje emprega 100 funcionários e terá ainda este ano mais duas unidades, sendo uma loja e uma nova indústria. O segredo para crescer por mais de 50 anos no mercado está no uso inteligente dos recursos – contenção de gastos seja qual for a situação econômica na região – e atendimento diferenciado ao público brasiliense. “No nosso caso, frota própria e depósitos próximos dos clientes garantem serviço rápido e pronta entrega sempre, um grande diferencial”, explica Janine.


No movimento do progresso de Brasília, em seguida ao boom da construção civil, veio o aumento considerável de indústrias gráficas e de tecnologia da informação. Isso em função da demanda do setor público por tais serviços, como explica o presidente da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), Júlio Miragaya. Em meio ao crescimento desse setor, foi criada na capital a indústria com tecnologia própria e genuinamente brasiliense do empresário Gilberto Rossi, a Indústrias Rossi, de equipamentos de automação.

Alexandre Guerra e o pai, Carlos Guerra, são sócios do Giraffas: o filho tornou-se recentemente CEO do grupo ( Minervino Júnior/Encontro/DA Press)
Alexandre Guerra e o pai, Carlos Guerra, são sócios do Giraffas: o filho tornou-se recentemente CEO do grupo

A empresa é, segundo Gilberto relata com orgulho, resultado de sua teimosia. Em 1976, cinco anos após desembarcar na nova capital, o jovem empresário já havia conquistado clientela com a pequena empresa de serralheria quando recebeu o desafio de construir um portão automático. Autodidata, desenvolveu e pôs em funcionamento o primeiro motor made in Taguatinga, como ele gosta de dizer. Com o sucesso, os pedidos aumentaram. Em parceria com a mulher, Fátima, responsável pela gestão executiva, abriu a indústria em 1984.


Aos 81 anos, Getúlio tem orgulho do legado: convite do próprio Juscelino Kubitschek o trouxe para Brasília ( Fotos: Minervino Júnior/Encontro/DA Press)
Aos 81 anos, Getúlio tem orgulho do legado:
convite do próprio Juscelino Kubitschek
o trouxe para Brasília
A serralheria, aliás, não foi a primeira ocupação de Gilberto Rossi ao chegar a Brasília. Nos primeiros anos, trabalhou na feira vendendo frutas para receber o equivalente ao preço da passagem. “Ganhava muito pouco, mas não queria ficar em casa”, conta. Como serralheiro, iniciou numa empresa como auxiliar. Aprendeu tudo o que podia sobre o ofício.


Nos primeiros anos, a fábrica dos Rossi produzia em média 100 portões automáticos diariamente e costumava receber clientes incrédulos na capacidade de uma indústria candanga. Hoje, perto de completar 30 anos, produz 2.500 motores por dia. Além da participação inestimável de Fátima, Gilberto conta com o auxílio de Fabiana e Gilberto, os dois filhos já adultos, na administração da empresa que vende produtos em atacado para todo o país. São 220 empregados diretos, mil indiretos no DF e 10 mil no Brasil. “O povo de Brasília acreditou em mim. Se não fosse pelo apoio dos clientes, teria me mudado, já que nunca tive incentivo algum”, confessa o empresário mineiro.

Ao lado dos irmãos e do pai, Janine Soares atua na administração dos negócios: 'Brasília foi uma oportunidade única' (Fotos: Minervino Júnior/Encontro/DA Press)
Ao lado dos irmãos e do pai, Janine Soares atua na administração dos negócios: "Brasília foi uma oportunidade única"

No segundo período do desenvolvimento da capital, em especial durante a década de 1980, nasceram empresas que, em diversas áreas, se tornariam expressivas e ganhariam espaço no país e no mundo. A prosperidade delas se deu em muito por conta do terceiro momento de desenvolvimento do Distrito Federal, impulsionado pela alta renda do brasiliense a partir da década de 1990. “A força das classes média e média alta impulsionou empresas com serviços destinados a essa parcela da população”, conta Miragaya.


Rogério Tokarski é proprietário da rede  de farmáciasde manipulação  Farmacotécnica:crescimento com valorização do funcionário
 ( Fotos: Minervino Júnior/Encontro/DA Press)
Rogério Tokarski é proprietário da rede
de farmáciasde manipulação
Farmacotécnica:crescimento com
valorização do funcionário
A força da qual fala o presidente da Codeplan vem do PIB per capita R$ 58.489 em 2010. Esse valor chega muito perto do triplo da média nacional, de R$ 19.766, e é quase o dobro do observado em São Paulo, que tem PIB per capita de R$ 30.243 e ocupa o segundo lugar no ranking brasileiro. Exemplo de empresa que soube aproveitar o nicho de brasilienses abastados é a Magrella, multimarcas administrada por Cleuza Ferreira e seus filhos, Juana e Fabrício.

 

Cleuza chegou a Brasília em 1958, acompanhando o pai, funcionário público, e fundou em 1969 a empresa. A empreitada teve início quando a jovem Cleuza, que herdou da avó bordadeira o amor pelo corte e costura e as combinações de cores, abriu as portas da multimarcas Milonga no Conjunto Nacional. Os recursos vieram da venda de um carro. Um ano depois, nascia a Magrella. Da Asa Sul a loja foi para o ParkShopping antes de chegar ao Lago Sul. Mais de 40 anos de dedicação da candanga transformaram a pequena loja da pequena empresária em nome forte.


Romy e Rogy Tokarski, filhas de Rogério: ambas fazem parte do corpo 
de 18 farmacêuticos do grupo ( Fotos: Minervino Júnior/Encontro/DA Press)
Romy e Rogy Tokarski, filhas de Rogério:
ambas fazem parte do corpo
de 18 farmacêuticos do grupo
Hoje Cleuza, Juana e Fabrício são ainda representantes do grupo Restoque – lojas Bo.Bô, Le Lis Blanc e John John – em Brasília. Com peças de estilistas nacionais e internacionais de renome, entre eles Carina Duek, Stela Mcartney e Oscar de La Renta, a Magrella é reconhecida internacionalmente. O estilista escocês Jonathan Sauders é um dos muitos entusiastas da empresa lá fora. “A Magrella tem a melhor seleção de novos designers que estão se destacando no exterior, e não apenas grandes nomes. O mix de estilistas é o mais interessante do país”, opina. Sobre o potencial do mercado consumidor brasiliense para a alta moda e itens de luxo, Juana Ferreira é taxativa: “O brasiliense é muito bem informado, sabe o que quer e exige do fornecedor conhecimento maior ainda”, revela a empresária de 33 anos, que começou a trabalhar nas lojas da mãe ainda adolescente, no estoque, e subiu aos poucos na empresa até passar a dividir as responsabilidades de administradora em 2012.


Apesar de Brasília ser sede do poder e abrigar as grandes estatais, a capital federal tem no empreendedorismo de alguns candangos sua maior força. Afinal, foi em Brasília e com o esforço de jovens estudantes da Universidade de Brasília (UnB) que o Brasil ganhou uma das mais fortes redes alimentícias do país: o Giraffas.


A então lanchonete, hoje rede de restaurantes, criada em 1981 por Carlos Guerra e Ivan Aragão – que acabou saindo no início da empreitada – tinha 20 funcionários. “O lugar virou ponto de encontro dos estudantes. Nós estávamos lá cuidando de tudo o tempo todo. Tínhamos o apoio de amigos e família. Quando um funcionário faltava, por exemplo, contávamos sempre com um colega disposto a vestir o avental e nos auxiliar”, lembra o pernambucano Carlos, que chegou à capital no fim dos anos 1970 para estudar engenharia elétrica na UnB, depois da transferência da mãe, funcionária pública, para Brasília.

O empresário Rafael Costacurta (esq.) com Edson e Fernanda: pai e filhos no comando 
do grupo Marietta ( Raimundo Sampaio/Encontro/DA Press)
O empresário Rafael Costacurta (esq.) com Edson e Fernanda: pai e filhos no comando do grupo Marietta

Em 1991, o Giraffas foi lançado como franquia. A primeira campanha publicitária data de 1987 e teve um dos filhos de Carlos como protagonista. “Hoje temos um nível de profissionalização maior, com grandes agências parceiras e artistas estrelando nossas campanhas”, compara o fundador. A partir de 1996, houve a diversificação da comida servida com refeições completas e bem brasileiras. Essa inovação foi parte da receita para a rede deslanchar. O Giraffas abriu as portas em Miami, nos Estados Unidos, e em Punta del Este, no Uruguai. A rede conta atualmente com 410 lojas e emprega mais de 10 mil pessoas.


“Um conjunto de características fizeram o sucesso do Giraffas: além da inserção do sistema de franquias e inovação nos produtos, o espírito empreendedor dos fundadores, a confiança nos mercados brasiliense e brasileiro e a insistência em tempos econômicos difíceis foram essenciais”, conta Alexandre Guerra, filho do fundador e atual CEO da companhia. Ex-diretor financeiro e de planejamento da empresa, Alexandre assumiu este ano as rédeas do negócio e montou a nova diretoria executiva.


Ao explicar a relação da empresa com Brasília, o empresário nascido na cidade não economiza elogios: “Temos muito orgulho de sermos uma empresa brasiliense, não abrimos mão desse título. Todo o crescimento que tivemos fora do DF foi graças à força do consumidor brasiliense”.


O período de crescimento de Brasília a partir da década de 1990 não foi bom apenas para a rede Giraffas, mas para muitos negócios. Percebe-se importante evolução no número de empregados do setor privado desde então, por exemplo. O crescimento foi, inclusive, maior do que o do setor público. Segundo dados da Codeplan, em 1993, havia 633 mil pessoas ocupadas no DF, sendo 215 mil no setor privado e 201 mil no setor público – o resto eram autônomos e empregados domésticos. Em janeiro de 2013, são 1,284 milhão de ocupados, dos quais 673 mil no setor privado e 283 mil no setor público. Em 20 anos, o número de empregados no setor privado mais que triplicou, enquanto o setor público teve crescimento de menos de 50%.

 

Engrossa os números de empregados no DF a rede de farmácias de manipulação criada por Rogério Tokarski, a Farmacotécnica. O farmacêutico e bioquímico tem como um dos focos o investimento em equipe de ponta. Catarinense que viveu e estudou no Paraná, Rogério veio para o Centro-Oeste com a família na década de 1950.

 

Juana Ferreira segue os passos da mãe: gosto pela moda vem de família ( Minervino Júnior/Encontro/DA Press)
Juana Ferreira segue os passos da mãe:
gosto pela moda vem de família
Inaugurada por Tokarski em 1976, a pequena farmácia de manipulação não era inovadora apenas para o brasiliense, mas para todo o mercado brasileiro. Uma das cinco únicas lojas do setor no país, a farmácia situada no Setor Hospitalar Sul fechava as portas na hora do almoço porque Gilberto era o único funcionário: “Ninguém acreditou no negócio”, lembra.


Em 1978, recém-casado, o farmacêutico e empresário inaugurou a segunda loja com o auxílio da mulher, Romelita Milagres Tokarski, também farmacêutica. Ele aproveitou a ajuda para se ausentar do balcão de atendimento por algumas horas para peregrinar por consultórios médicos, convencendo-os das vantagens da farmácia de manipulação e da qualidade de seus produtos. Hoje, a rede conta com nove lojas e atende entre 18 e 20 mil clientes por mês.


O foco em pesquisa faz parte da fórmula de sucesso da empresa, que investe em bons funcionários, em especial os farmacêuticos. O próprio Tokarski é referência e ministrou importantes cursos de farmácia de manipulação no Brasil e nos Estados Unidos. Ao andar pelas duas lojas e três laboratórios do Setor Hospitalar, demonstra conhecer cada um dos funcionários, muitos com mais de 20 anos de casa. A ajuda deles foi muito importante para o crescimento e a manutenção do padrão de qualidade. Hoje são cerca de 200 empregados, sendo 18 farmacêuticos, entre eles as filhas, Romy e Rogy Tokarski.


A iniciativa de inserir a família nos negócios parece ser a principal característica em comum dos empresários entrevistados, que contam com a participação da geração seguinte nas empresas. Eles explicam que os filhos têm a vantagem de terem crescido junto com a empresa. “É preciso, no entanto, que a experiência na companhia seja acompanhada por profundo conhecimento técnico do assunto. A sucessão familiar deve obedecer a princípios claros de governança corporativa”, ressalta Alexandre Guerra, do Giraffas. Para Juana Ferreira, da Magrella, o fato de ter trabalhado em todos os níveis da empresa e galgado espaço aos poucos lhe garantiu legitimidade. “Passava as férias no estoque quando mais nova. É preciso fazer o dobro quando se é a filha da proprietária para convencer as pessoas do seu mérito”, revela.


Outra bem-sucedida rede alimentícia brasiliense segue a mesma lógica. Quando abriu a primeira lanchonete Marietta no antigo shopping Venâncio 3000, em 1982, o empresário e economista Edson Costacurta, hoje com 62 anos, tinha como objetivo conseguir renda extra para a família. Ele não imaginava que o negócio seria o principal ganha-pão dele, dos filhos, Fernanda e Rafael, e de outros 400 funcionários.


Pioneiríssima no segmento 
da moda, Cleuza, a mãe, é referência: 
elogiada por estilistas internacionais (Valério Ayres/CB/DA Press)
Pioneiríssima no segmento
da moda, Cleuza, a mãe, é
referência: elogiada por estilistas
internacionais
Edson, então funcionário público da Eletronorte, investiu os recursos que recebeu pela participação nos lucros da empresa e começou o tão sonhado empreendimento. A ideia de abrir uma lanchonete que oferecesse lanches leves e rápidos veio da percepção da demanda de brasilienses por novas opções nesse estilo. Apenas dois anos depois do início, o volume de trabalho o fez tomar uma decisão que parece ir na contramão da cultura concurseira atual: largou o cargo na Eletronorte para se dedicar exclusivamente ao próprio negócio. Um dos lojistas mais antigos dos shoppings Conjunto Nacional e Parkshopping, o empresário também aproveitou o filão da preferência do brasiliense por esse tipo de espaço.


Com o auxílio dos dois filhos mais velhos, Rafael, de 33 anos, e Fernanda, de 32, Edson expandiu a rede Marietta e incluiu os restaurantes Marietta Café e as hamburguerias Marvin e Marzo Burger Bar, transformando-a no que é atualmente: 15 lojas no Distrito Federal mais oito franqueadas em Minas Gerais, Bahia e Ceará. “A dedicação tem de ser total, 24 horas por dia. Afinal, estamos lidando com alimentos, com a saúde das pessoas”, explica Edson.

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