Dribles na inércia do Congresso Nacional
Organizações da sociedade civil e cidadãos engajados na luta pela moralização do país ganham força ao propor projetos de lei e organizar abaixo-assinados no Congresso Nacional. Um nova campanha começa neste mês, agora por uma reforma política de iniciativa popular
Cansados de apenas se queixar da situação do Brasil sem ver mudanças concretas na sociedade, cidadãos se organizam para propor leis, driblando a inércia do Congresso Nacional. A Constituição Federal autoriza eleitores a apresentarem propostas de iniciativa popular à Câmara, desde que acompanhadas de pelo menos 1,3 milhão de assinaturas. O trabalho é árduo, mas não desanima aqueles que sonham com um Brasil melhor e mais justo.
O exemplo mais famoso de mobilização efetiva é a Lei da Ficha Limpa, que se transformou em um ícone da democracia e da batalha contra a impunidade. Em 2009, representantes da sociedade civil coletaram mais de 1,6 milhão de assinaturas e obrigaram o Congresso a aprovar a proposta que barra a eleição de candidatos condenados pela Justiça ou que renunciaram para escapar de uma inevitável cassação. O mesmo grupo que viabilizou essa legislação se prepara agora para uma nova ofensiva: criar a Lei das Eleições Limpas. Organizações da sociedade civil e cidadãos engajados na luta pela moralização do país querem forçar o Congresso Nacional a aprovar uma reforma política de iniciativa popular. O objetivo é aproveitar o interesse e a admiração dos brasileiros pela eficácia da Lei da Ficha Limpa para conseguir introduzir novas e importantes mudanças na legislação brasileira. A coleta de assinaturas vai começar no final de abril.
O grupo de idealistas que conduz esse trabalho conta com integrantes do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, da Ordem dos Advogados do Brasil, da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, além de cidadãos sem vínculos partidários, que buscam a moralização da política brasileira. Retomado no início do ano, o movimento realiza reuniões semanais em Brasília para organizar a mobilização em torno da Lei das Eleições Limpas.
Diante do impasse dos parlamentares para mudar as regras do jogo eleitoral, o Movimento Eleições Limpas quer pressionar os parlamentares e apresentar uma proposta. A ideia é recolher assinaturas e, até junho, enviar para o Congresso o projeto de lei de iniciativa popular. Diante das sabidas dificuldades relacionadas ao tema, o grupo decidiu restringir a abrangência da proposta. A grande bandeira do movimento agora é acabar com o financiamento de empresas para campanhas políticas e criar o modelo de financiamento público.
A coordenadora do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, Jovita Rosa, acredita que a única forma de moralizar a política é proibir o envolvimento entre candidatos e empresários. “Quando as empresas financiam um político, na verdade estão fazendo um belo investimento com rentabilidade garantida. O que elas querem é ter benefícios no futuro, como facilidades em licitações e contratos milionários”, diz. “Nosso objetivo é mexer no sistema eleitoral. A reforma política é mais abrangente e não desistimos dela, mas decidimos focar em temas mais urgentes para acabar com essa promiscuidade entre o público e o privado”, acrescenta.
O envolvimento de Jovita com a luta contra a corrupção começou em 2004. Contadora de formação, ela é auditora do Ministério da Saúde e se acostumou a identificar grandes esquemas de desvios de recursos destinados a hospitais e postos de saúde. “Eu vejo de perto o enorme volume de recursos desviados da saúde e sei que isso leva à morte de milhares de pessoas. E depois de anos e anos do trâmite do processo, o acusado recebe apenas uma multa. Desanimada com essa situação, decidi agir”, conta Jovita. Juntamente com outros auditores e funcionários do Tribunal de Contas e da Controladoria Geral da União, ela criou o Instituto de Fiscalização e Controle.
Representantes da entidade viajaram por mais de 60 municípios. Essa mobilização foi o embrião para a criação da Lei da Ficha Limpa, que agora desembocou no Movimento Eleições Limpas.
Entre as mudanças que o magistrado propõe está o financiamento público de campanhas com um mecanismo rígido de controle dos repasses. Ele defende uma prestação de contas em tempo real pela internet, para que os cidadãos saibam quanto cada candidato recebeu.
Atualmente, tramitam na Câmara dos Deputados um projeto de lei e uma proposta de emenda constitucional que instituem a reforma política. O texto, relatado pelo deputado Henrique Fontana (PT-RS), está pronto para ser votado em plenário, mas há muita resistência, especialmente quanto à proposta de financiamento público. O trâmite desses projetos, entretanto, não atrapalha o andamento do projeto de lei de iniciativa popular.
Debate na rede
É fato que a mobilização não teve nenhum efeito prático e o chefe do Legislativo continua no cargo, alheio às pressões. Mas o debate ficou enriquecido. Outra iniciativa recente é o abaixo-assinado pedindo a saída do deputado Marco Feliciano da presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Em meio a denúncias de homofobia e racismo, o pastor é alvo de protestos e manifestações, dentro e fora da Casa.
Um site internacional está por trás de boa parte dessas manifestações virtuais. Fundada em 2007 nos Estados Unidos, a Avaaz é uma entidade que mobiliza cidadãos ao redor do mundo em prol de causas sociais e política. Com escritório em 18 países, entre eles o Brasil, a entidade já arrecadou R$ 30 milhões em doações.
O diretor de campanhas da Avaaz no Brasil, Pedro Abramovay, elogia a iniciativa contra o deputado Feliciano. “É importante porque trouxe o tema dos direitos humanos para o meio de um grande debate. Essa mobilização é nova e impressiona”, comenta Abramovay, que é ex-secretário Nacional de Justiça.