Quase Brasília
Pedaço de história pouco difundido, antes de a capital do país ser edificada onde hoje está, as cidades mineiras de Uberlândia e Tupaciguara por pouco não foram a sede do poder do Brasil
Era uma vez, uma cidade jovem, de apenas 53 anos. Tendo como berço a modernidade e pouco tempo de memória, limitado número de pessoas podia imaginar que seu planejamento fora pensado quase um século antes de seu nascimento. O embrião surgiu com a República, em 1889, e foi devidamente registrado na Constituição de 1891. Porém, antes disso, várias expedições já haviam sido realizadas de forma a se conhecer o interior do Brasil e já visando a uma possível transferência do poder.
Um ano após a promulgação da Constituição, foi organizada a Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil, chefiada por Luiz Cruls, a fim de que fosse demarcado um lugar para abrigar o Distrito Federal. Em 1893, a comitiva, após uma série de estudos, escolheu um quadrilátero na região goiana, que seria considerado o “coração” do Brasil. Com o passar dos anos, a ideia da mudança ficou esquecida. O ímpeto inicial de transferência da sede do poder só retomou fôlego com a Segunda Guerra Mundial. Em 1942, submarinos alemães e italianos realizaram um ataque a embarcações brasileiras no oceano Atlântico, deixando transparecer a vulnerabilidade a que ficava exposta uma capital no litoral, no caso, o Rio de Janeiro.
Com o término da guerra, em 1945, a saída de Getúlio Vargas do governo e a entrada de Gaspar Dutra, o Brasil já não estava mais em perigo, e o projeto de mudança foi retomado no ano seguinte. Em 1946, uma comissão chefiada pelo general Polli Coelho, por meio de relatório, reafirmava a interiorização da capital: “Não é difícil compreender que em nenhuma outra área a resistência econômica e militar do Brasil contra qualquer ameaça ou ataque poderia ser maior e melhor organizada do que na Terra Central.”
A princípio, a comissão demarcou um quadrilátero que englobava o norte do Triângulo Mineiro e teria como centro a cidade de Uberlândia. O município já tinha estrutura, recursos hídricos, ferrovias e fácil ligação com cidades como São Paulo. A ideia, em determinado momento, seria deixá-la como capital e usar um terreno da vizinha Tupaciguara, doado pelo empresário e futuro prefeito de Uberlândia Tubal Vilela da Silva, como local para construir os ministérios. Seria uma descentralização do poder.
Pedro Ludovico, político goiano da época – com grande influência –, convenceu Juscelino Kubitschek, que ainda não era presidente, a fazer uma inspeção em Goiás. Em agosto de 1948, a Comissão chefiada pelo general Polli Coelho encerrava seus estudos decidindo pela área demarcada pela Missão Cruls. Porém, dos 12 integrantes da comissão, cinco foram favoráveis à localização decidida pelo engenheiro Lucas Lopes, em Minas Gerais. Ou seja, Uberlândia só não se tornou capital do Brasil por dois votos.
Além disso, explica a professora, o momento era favorável à construção de uma capital do “zero”. JK era cercado de intelectuais ousados, e a possibilidade de criar uma cidade organizada, planejada, para ser a sede do poder daria visibilidade ao país no cenário internacional. “Gastou-se muito dinheiro com a transferência para um local onde não havia nada, mas, quem sabe, em um futuro próximo àquela época, Uberlândia não comportasse mais a estrutura de uma capital, com o aumento do número de ministérios, por exemplo”, conclui Jane Rodrigues.