Made in Brasília
Quem são os estilistas da capital que estão conquistando o mercado brasileiro e representando a cidade no cobiçado cenário internacional da moda
Como tudo por aqui, a formação e o reconhecimento dos estilistas locais são recentes. Pode-se dizer que, nos últimos anos, jovens talentos foram apresentados à capital e agora se mostram ao restante do país. Alguns nomes ganharam destaque e apresentam, no cenário nacional, a moda da capital – aquela criada com uma pitada do sotaque amistoso de Minas; com uma boa dose da concentração paulista; com a alegria pernambucana; e com o olhar treinado de um brasiliense para formas arquitetônicas.
Anna Paula Osório, Akihito Hira, Romildo Nascimento não nasceram em Brasília, mas escolheram a capital para desenvolver seus talentos. Aqui, começaram a criar as primeiras peças de roupas e se formaram. E é o nome da cidade que levam quando se apresentam nas passarelas Brasil afora e até nas do exterior. Sann Marcuccy é a pérola genuinamente brasiliense. As formas plásticas de suas peças encantaram o mundo da moda e até na França suas coleções foram vendidas.
Cada um é dono de um estilo próprio, mas eles compartilham trajetória semelhante nas passarelas candangas. Todos foram apresentados pelo maior evento de moda do Centro-Oeste, o Capital Fashion Week (CFW), que, em 2005, abriu as portas para os novos talentos da cidade. “Fizemos um trabalho pioneiro com os estilistas brasilienses. Desde o início, eu queria fazer um evento com a cara de Brasília”, conta a idealizadora do Capital, Márcia Lima.
De lá para cá, mais de 50 novos talentos estiveram nas passarelas de Brasília. Alguns desistiram no meio do caminho, outros mudaram de projetos, e os que persistiram começam a colher os frutos. “O diferencial desses estilistas que estão fazendo sucesso foi a determinação comum em acreditar irrestritamente na realização de seus sonhos. A partir da orientação pré-desfile, das portas abertas pelo CFW e munidos de sua fé e talento, todos alçaram seus voos”, considera o estilista e diretor de criação Jum Nakao, que, desde a primeira edição do CFW, foi convidado a orientar o projeto dos novos estilistas.
Os desfiles em Brasília funcionaram como vitrine. O resto foi talento somado à persistência. “As pessoas fora daqui ainda se espantam quando dizemos que somos de Brasília. Eles pensam que continuamos na década de 1970, quando as pessoas procuravam costureiras para fazer uma roupa e ir a um jantar no Palácio do Planalto”, brinca Sann Marccucy, que, entre as façanhas, já foi convidado a expor no Salão Prêt-à-Porter e no Festival de Cinema de Cannes.
O estilista pensou em dividir o que aprendeu com a experiência e virar professor. Mas, no início deste ano, veio o apelo para retomar a carreira e investir no talento. Sann Marcuccy está entre os finalistas do concurso Movimento HotSpot, que nos anos 2000 lançou marcas como Neon e Amapô, hoje badaladas no meio. O desafio é apresentar uma nova ideia em diversas áreas de criação, entre elas moda, e levar um prêmio em dinheiro, além da chance de estrelar nas passarelas de São Paulo, como acontecerá com o vencedor da categoria de moda. Sann desistiu de desistir. Sorte de Brasília, que não perdeu a chance de ver mais um estilista seu brilhando por aí.
Apesar de penosa, a trajetória de sucesso desses talentos aponta o futuro promissor – e, sobretudo, de qualidade – da moda brasiliense. A marca Akihito Hira, por exemplo, mantém a essência da cabeça exata de um ex-cientista da computação (profissão exercida por ele antes de se aventurar entre as agulhas). As peças têm uma construção impecável e um acabamento irretocável. A geometria de coletes, paletós e camisas assinadas por ele chamaram a atenção de vários compradores nacionais e internacionais. Nem mesmo o estilista esperava que a coleção inspirada no filme O Paciente Inglês tivesse tamanha repercussão no primeiro desfile em Brasília, há mais de cinco anos. “De cara, recebemos convite para vender no Canadá, Venezuela, Espanha, Portugal e Colômbia”, orgulha-se o designer.
Mas ainda era cedo para aceitar o desafio. Antes de abrir novos mercados, ele acreditava que precisava se preparar para oferecer um produto de qualidade, respeitando as exigências dos compradores. “Precisamos ter cautela, cuidar do volume da produção. Afinal, queremos manter o caráter de exclusividade das peças.”
“Com a concorrência da China, hoje, precisamos de um produto diferenciado para sermos competitivos. O trabalho de Akihito, por exemplo, é primoroso e agrega valor à moda”, avalia Sílvia Lima, gerente de Internacionalização e Relações Institucionais da Associação Brasileira de Estilistas (Abest).
Foi pela Abest que Akihito foi parar na Colômbia, em um evento de moda no qual o único brasileiro a fazer parte do line-up, até então, tinha sido o mineiro Ronaldo Fraga. Depois dele, só Akihito Hira, entre os brasileiros.
Apesar dos avanços, o caminho a ser traçado pela moda brasiliense ainda é longo. “A moda no Brasil, assim como em Brasília, ainda é incipiente. Portanto, é compreensível que ainda não haja uma identificação do consumidor. Os novos estilistas brasilienses têm feito a parte deles. A cara da moda depende agora da maturidade do consumidor e do empresariado, em se reconhecer como brasilienses e assumir os estilistas locais como sua imagem”, avalia Jum Nakalo.
Aliás, o trabalho nascido aqui muitas vezes ganha reconhecimento lá fora antes mesmo de ser aprovado em casa. “O mercado de Brasília é muito preconceituoso com o que é feito localmente. Avançamos em muitos aspectos e hoje temos uma cultura de moda na cidade, que é constantemente ameaçada pelo descaso do governo e da elite local. Se os lojistas não abraçarem essa produção, ela morre”, considera o pesquisador e consultor em negócio e design de moda Marco Antônio Vieira, coordenador de curso de moda do Iesb.
“As pessoas ainda não acreditam muito no design daqui”, concorda Anna Paula Osório. Se, por um lado, as grandes lojas multimarcas ainda preferem expor as assinaturas badaladas de outros estados, por outro, Marco Antônio pondera: nossos artistas ainda precisam se estruturar melhor para atender à demanda do mercado, e isso inclui produção de grade suficiente para a revenda, mão de obra especializada e cumprimento dos prazos impostos pelo calendário fashion. Na prática, também não adianta criar e traduzir na roupa uma poesia. “Os estilistas que estão tendo sucesso são os que também amadureceram como business, mesmo que isso signifique, em algum momento, um desencanto com a força criativa”, avalia.
Da parte dos criadores, é preciso dosar o conceito e oferecer uma criação mais comercial, sem perder a exclusividade e o diferencial. Mais que isso, é preciso ter apoio financeiro para se lançar no mercado da moda. Segundo Márcia Lima, é preciso ter mais apoio para conseguir alavancar a moda no DF: “Precisamos valorizar o negócio local, orientar e oferecer ferramentas aos estilistas para que eles tenham seu próprio negócio, gerem empregos e renda para Brasília”, aposta. A idealizadora do Capital Fashion Week, inclusive, avisa que a edição de agosto será voltada para negócios.
trabalho de Sann Marcuccy:
as peças que desenha têm volume,
ilusão de ótica e dobraduras
Sann Marcuccy tem 29 anos e faz roupas para vestir uma mulher poderosa, que também gosta de se cuidar e chamar a atenção. O artista tem estilo e ousadia. Entra na passarela de chinelos. Na sua cartela de tecidos, sempre há exclusividade, um acabamento que imprime identidade à coleção. As peças que assina têm volume, ilusão de ótica, dobraduras... é quase uma arquitetura feita de tecidos. Sann foi estudar moda em São Paulo, mas foi em Brasília que mostrou seu trabalho, em 2007, no Capital Fashion Week.
A partir daí foi convidado para vender em São Paulo, expôs no Salão Prêt-à-Porter e no Festival de Cinema de Cannes. Suas peças foram parar na França e logo estavam nas passarelas do Rio Moda Hype, onde já desfilou em quatro temporadas. E os olheiros da moda aprovaram. Sann é alvo de críticas positivas dos especialistas em moda de todo o Brasil. Até a empresária e consultora de moda Constanza Pascolato, tida com uma das mulheres mais entendidas do assunto no país, fez questão de adquirir uma peça assinada por ele ao fim de um desfile no Rio de Janeiro. “Acho que o que mais chama a atenção nos meus desfiles é que eu coloco drama na passarela. Não apresento a roupa para usar, mas tento fazer uma obra de arte.”
O estilista alfaiate
Akihito Hira é paulista, descendente de japoneses. Aos 34 anos, ele cumpre bem o estereótipo atribuído a um oriental: metódico, concentrado, determinado. Escolheu a ciência da computação como profissão, mas sua paixão sempre foi a moda – aquela que via nascer das mãos de sua avó, costureira e modelista. Em 2008, decidiu seguir seu sonho e começou a estudar moda em Brasília, onde veio morar. “Para minha surpresa, meus pais adoraram a ideia e sempre me apoiaram.” Como ele, Júlio César de Andrade, de 45 anos, apostou nesse desejo e ambos embarcaram nas passarelas candangas. Júlio ficou com a parte financeira e logística do negócio. Akihito emprestou seu nome e a criatividade à nova grife. Hoje, assinam juntos as coleções.
Da Ceilândia para o Projac
Romildo Nascimento é a tradução da simplicidade e do carisma brasileiro. Natural de Pernambuco, escolheu Brasília para viver desde os 15 anos. Morador de Ceilândia, hoje, aos 33 anos, ele anda de ônibus e não se deslumbra com o glamour do mundo da moda. Uma marca registrada de sua criação são as peças feitas com retalhos de filó – ele gosta de trabalhar com fitas e tramas. Foi com a inspiração de sua terra natal que encantou um dos maiores nomes da moda mundial: Kenzo Takada. Em um desfile em Brasília, o estilista japonês apaixonou-se por uma camisa de renda renascença e pagou 100 euros por ela. Na mesma hora, trocou a camisa Dior que vestia pela de Romildo.
Com sotaque mineiro
Nascida em Belo Horizonte, Anna Paula Osório faz questão de se apresentar como estilista de Brasília. Afinal, foi na capital que decidiu mudar o rumo de sua vida profissional. Analista de sistemas, ela trouxe da infância o amor pela criação de roupas. A avó era modelista nos anos 1940 e 1950. A mãe, bordadeira.
Anna escolheu a moda masculina para desenhar. Aos 41 anos, sua proposta é vestir “um homem elegante, mas que gosta de design e de uma roupa exclusiva, bem acabada”. Ela já propôs coleções com transparências, blazer com bermuda curta, estampado com flores e cores fortes. Sem, no entanto, perder a virilidade.