A estudante de psicologia Marcela Ferreira planeja, em 2014, um intercâmbio num programa de voluntariado na África do Sul: "A experiência vai me ajudar a pensar o meu futuro profissional"
Esqueça Canadá, o inglês como língua universal e a troca obrigatória de estudantes entre famílias. As novas fronteiras entre culturas estrangeiras vão além do continente norte-americano e ultrapassam a regra de cursar o ensino médio fora. Fazer intercâmbio, atualmente, depende – além da reserva financeira direcionada para o projeto, claro – de um objetivo bem traçado.
Como em um formulário de itens a serem marcados para compor o prato principal, já é possível escolher o país de destino, da Nova Zelândia ao México, assim como a área de estudo ou a ocupação durante a estadia internacional. No segundo quesito, cursos de artes, gastronomia e business fazem companhia às opções de voluntariado e colônia de férias, ao mesmo tempo que italiano, mandarim e árabe já são preferidos à gramática britânica. Pegue o mapa-múndi, algumas dicas fundamentais e voilà: o globo ao seu alcance.
Diego Nardi será bolsista de pesquisa e mestrado em uma universidade japonesa: ele quer tirar proveito das lições que a população oriental pode oferecer a Brasília
Ainda faltam nove meses para o check-in. Local, acomodação e ocupação, porém, já estão definidos. Em janeiro de 2014, a estudante de psicologia Marcela Ferreira terá a primeira experiência em uma temporada no exterior. O país escolhido é a pupila dos especialistas, consultores de intercâmbio e recém-voltados da terrinha: África do Sul. Para ser mais exato, Cape Town, a Cidade do Cabo. Como garantia do pacote em que vivenciará por quatro semanas o ofício de ser voluntária de um grupo de crianças, com uma paisagem natural exuberante, safáris ao alcance dos olhos e uma qualidade de vida similar a muitos países hegemônicos. O quadro exuberante, porém, foi pano de fundo. “Ainda estou em dúvida se quero trabalhar em empresa ou na área de saúde, com crianças com problemas cognitivos. E, para decidir isso, o contato lá me ajudará muito”, explica a principal razão pela escolha.
O turismólogo Pedro De Paola trabalhou por 6 meses na Disney: como saldo, o amadurecimento pessoal
Aula de artes plásticas em Barcelona, hotelaria na Suécia, aprimoramento do espanhol para medicina, de inglês para direito... A lista de possibilidades é imensa. Para o empresário Dalton Craveiro, o plano de estudar italiano no país de origem veio combinado com aulas de gastronomia, ministradas no próprio idioma e por nativos. Detalhe: com a esposa e os três filhos, de 10, 12 e 16 anos. Difícil? “Divertido!” A experiência aprimorou as aulas que teve em um curso da língua ainda no Brasil e deu noções básicas de italiano para as crianças, que ainda não falavam o idioma, mas se saíram muito bem durante os encontros de que participaram. “No local, é diferente para aprender a língua”, compara. Após o contato prático, que resultou em 45 dias passeando pelos arredores de Florença, Craveiro garante que a melhor opção para se aprender um novo idioma é realmente ir à nação estrangeira.
A razão para a variedade de destinos e escolhas cada vez mais inusitadas, tanto por parte de indicação das agências de viagem quanto pelos estudantes, está na popularização do assunto, acreditam os especialistas. Para a diretora regional da agência World Study, Ivana Valim, as pessoas estão com a cabeça mais aberta para conhecer países novos. Com a aproximação, nos últimos anos, por parte de escolas estrangeiras, facilitando a admissão de não nativos, e consulados, na retirada de vistos, o acesso para o brasileiro também se tornou mais viável, assim como o pagamento das viagens. “Tem curso para qualquer classe social hoje em dia” (veja o quadro Quanto Custa), comenta Ivana, mencionando principalmente as facilidades de parcelamento.
A tendência crescente aparece nos números. Só em 2012, 175 mil estudantes viajaram para fazer intercâmbio no exterior, segundo a Associação Brasileira de Organizadores de Viagens Educacionais e Culturais (Belta). E os dados referem-se apenas a brasileiros que foram para fora por intermédio de agências. De acordo com Daniela Ronchetti, diretora de uma das principais feiras desse tipo de programa, a EduExpo, e responsável por reunir semestralmente representantes de instituições de ensino do mundo inteiro o número extraoficial é maior: 200 mil estudantes. A estimativa é de que em 2013 esse número cresça ainda 30%.
Para a universitária Raphaela Clemente, os planos são um programa de trabalho e estudo de idioma, com uma única exigência: na Austrália. Para não haver contratempos, ela e a prima têm pesquisado de todas as formas. De visitas a agências a eventos de instituições de ensino. Mas, se depender da empolgação, a viagem, logo após a colação de grau em publicidade e propaganda, será um ótimo primeiro intercâmbio. “Se eu gostar muito, não volto”, já antecipa com um sorriso largo. Além de conhecer um novo continente, o foco da jovem é na construção profissional. “No Brasil, é muito valorizado ter vivenciado uma experiência fora”, acredita.
Raphaela Clemente e sua prima Uli Caetano querem estudar na Austrália:
visitas a feiras e pesquisas para não haver contratempos
Para a diretora da EduExpo, o crescimento da busca brasileira por programas fora tem a ver também com a demanda e o acolhimento estrangeiro. “O Brasil é o principal mercado da América Latina para o mundo inteiro. É o país que mais manda estudante para fora dessa região”, destaca Daniela. Nesse movimento, o Distrito Federal já está entre os cinco estados que mais enviam estudantes para estudar no exterior, segundo ela. “Brasília ultrapassou cidades como Porto Alegre e Curitiba”, pontua, entusiasmada com o movimento que tem visto crescer.
A democratização na estrutura dos programas é outro forte fator na era da globalização. “Antigamente, pensávamos em intercâmbio e nos limitávamos de 14 a 17 anos. Hoje, eu falo que é de 8 a 80.” O veredito é da gerente da agência de turismo estudantil STB, localizada no Brasília Shopping. Após mais de 12 anos atuando na área, Claudia Belo acompanhou o histórico do mundo dos intercâmbios na última década e destaca: “Hoje, as pessoas viajam muito mais jovens”. Na agência, inclusive, um dos programas mais populares é o de viagem e entretenimento durante as férias, para jovens entre 8 e 16 anos.
O histórico dos intercâmbios mudou na última década: "Hoje, as pessoas viajam muito mais jovens", diz Claudia Belo, gerente da agência de turismo estudantil STB
Apesar de o destino não fugir muito à rota mais explorada, a faixa etária também se destaca da mais comum entre as que ilustram o topo do ranking de grupos estrangeiros no exterior. Para o casal Cilene, de 58 anos, e Paulo Mendes, de 63, a escolha pelo Canadá foi a oportunidade encontrada para desenferrujar a fluência no inglês, tantas vezes buscada em cursos particulares no Brasil. Porém, mais do que dominar o idioma, a decisão foi a fim de manter a cabeça ativa. “Para mim, foi pelo desafio”, assume Paulo, que espera se aposentar do ofício de analista de sistemas no fim de 2013 para planejar mais viagens. “É aquela coisa de você querer fazer uma coisa que não fez enquanto era novo”, expõe. Para a esposa, funcionária pública aposentada, a primeira experiência serviu para impulsionar uma segunda, agora de maior duração. No fim de março, os dois embarcaram para San Diego, no Sul da Califórnia, onde ficarão por três meses para afinar ainda mais o idioma aprendido em Vancouver. “Era o meu sonho aprender inglês”, diz, realizada.
O casal Cilene e Paulo Mendes fizeram um segundo intercâmbio para aperfeiçoar o inglês: "É aquela coisa de você querer fazer uma coisa que não fez enquanto era novo", diz o marido
O conhecimento adquirido durante as horas-aula sem dúvida conta no peso da bagagem na hora de voltar. Mas o saldo principal, segundo os estudantes que vivenciam a experiência, é o amadurecimento pessoal. O turismólogo Pedro De Paola chegou a essa conclusão após morar seis meses na Disney, em Orlando, enquanto trabalhava na manutenção e limpeza do parque. Ele lembra que, como a maioria dos jovens no Brasil, costumava ter tudo à mão: alimentação pronta, cama arrumada e roupa passada. “Quando você faz um intercâmbio de trabalho, está por conta própria. Você tem o seu salário, mas tem de pagar pela acomodação, tem de fazer sua comida”, compara, acrescentando que, com a necessidade, aprendeu a se virar. Além do aprendizado para lidar com o público. “Aprendi sobre ética, honra, atendimento ao cliente”, diz.
Para quem quer economizar nos gastos e está disposto a se envolver no passo a passo da organização do intercâmbio, a Associação Internacional de Estudantes em Ciências Econômicas e Empresariais, conhecida como Aiesec, é um dos grandes canais. Presente em mais de 113 países, ela é reconhecida pela Unesco como a maior organização de jovens universitários do mundo pelo trabalho, sem fins lucrativos, de direcionar pessoas a programas profissionais e de voluntariado em dezenas de países. Índia, Turquia, Alemanha e Colômbia entram na lista e são sede de grande parte das mais de cinco mil empresas e organizações que possuem convênio com a associação e recebem os estudantes.
Ivana Valim, diretora regional da World Study, diz que as pessoas estão mais interessadas
em conhecer países novos: "Tem curso para qualquer classe social hoje em dia"
Como responsabilidade, a Aiesec tem, após a inserção do estudante na associação – por meio de uma taxa de R$ 900 –, a missão de dar suporte ao intercambista na busca por vagas, prepará-lo culturalmente para o país de destino e oferecer suporte virtual durante o programa. Além disso, o trabalho é do viajante. “A ideia da associação não é que o estudante pague pelo intercâmbio, e sim construa a sua própria experiência”, explica uma das diretoras da organização em Brasília, Nathália Fernandes.
Há quem use a vivência fora do país também para reunir mecanismos de mudar um pouco a realidade brasileira, quando pegar o caminho de volta. Esse é um dos objetivos do bacharel em direito pela UnB Diego Nardi. Ele é um dos poucos selecionados para uma criteriosa bolsa de pesquisa e mestrado em uma universidade japonesa. Com a oportunidade, ele pretende iniciar projetos para o desenvolvimento humanitário, área em que já atuava em Brasília, e tirar proveito das lições que a população oriental pode oferecer. “Quando você aprende a respeitar a cultura do outro, e levá-la em consideração, qualquer política pública, em qualquer projeto que você atue, estará tornando essa iniciativa mais viável”, acredita, apostando na experiência em se reerguer de catástrofes e dificuldade naturais que o país tem. Para o jovem, o ponto de destaque das viagens internacionais é exatamente a transposição de fronteiras que o contato entre culturas promove. As adaptações e mudanças, principalmente sociais, tornam-se possíveis. “Não é um projeto colonizador”, resume, sem simplificar a dimensão da experiência.