Vou ver o papa
Cerca de 500 voluntários e outras dezenas de participantes se preparam para sair de Brasília para o Rio de Janeiro, rumo à Jornada Mundial da Juventude, em julho. Entenda o que motiva essas pessoas e como estão os preparativos
Mesmo diante da debandada de fiéis nos últimos anos e das dificuldades do catolicismo em continuar encantando especialmente a juventude, ainda impressiona o poder de mobilização protagonizado pela Igreja. A JMJ é uma prova dessa persistente força espiritual. Em 2011, quando o evento parou a cidade de Madri, na Espanha, mais de 2 milhões de moças e rapazes se espremeram em um aeródromo para participar da vigília com o então papa Bento XVI. As imagens aéreas do local ganharam o mundo e chamaram a atenção por contrastar com o discurso de que a Igreja perdeu espaço entre os jovens.
Na edição deste ano, a multidão e a euforia dos católicos devem ser ainda maiores. A JMJ 2013 marcará a primeira grande viagem internacional do papa Francisco, o argentino que assumiu a Igreja após um conclave histórico e desde então tem conquistado o carinho de fiéis e não fiéis pelo jeito simples de governar a instituição. A eleição do cardeal Jorge Mario Bergoglio impulsionou as inscrições para a jornada, e pelo menos 2,5 milhões de pessoas são aguardadas pela organização do evento. Internamente, a Igreja já trabalha com a possibilidade de esse total chegar a 4 milhões, com as confirmações de última hora.
A programação oficial da JMJ inclui oração, pregação, shows com bandas católicas e os esperados momentos com o papa, como a via-sacra e a missa de encerramento. As principais atividades ocorrerão em palcos montados na praia de Copacabana, na zona Sul da capital carioca, e em fazendas particulares na região de Guaratiba, na zona Oeste. “Os jovens da jornada serão turistas diferentes de tudo o que o Rio de Janeiro já viu”, comenta o padre João Firmino, coordenador do Setor Juventude da Arquidiocese de Brasília, animado com o crescente interesse pelo evento nas paróquias da capital do país.
A expectativa só aumenta. As amigas Viviane Rodrigues e Steli Ferreira não veem a hora de pisar no Rio de Janeiro para, pela primeira vez, acompanhar de perto uma Jornada Mundial da Juventude. “Fico vendo e revendo as fotos de Madri, e a ansiedade cresce ainda mais. Acho que vou chorar, deve ser muita emoção”, prevê Viviane. Com folga garantida no trabalho para viajar para a capital fluminense em julho, Steli brinca que está mais pronta para o evento do que o próprio papa. “Falta só chegar o dia!”, sublinha a jovem, certa de que, apesar da presença de jovens do mundo inteiro, todos serão capazes de se entender. “Estaremos lá por um mesmo ideal, que é Cristo”, explica.
A estudante Thaina Caldas Ferreira garantiu uma das 92 vagas nos dois ônibus que sairão da paróquia São Miguel Arcanjo, no Recantos das Emas, rumo ao Rio de Janeiro, em julho. Concurseira, ela vai dar uma pausa nos estudos para não ficar de fora da JMJ 2013. “A jornada é um encontro não só com o papa, mas com jovens do mundo inteiro e, principalmente, com Deus”, define Thaina, ansiosa por ver tanta gente reunida pelo mesmo objetivo. “Quem fala que a Igreja está morrendo com certeza não vive mais a Igreja. Quem participa das atividades sabe que esse discurso não condiz com a realidade”, defende ela, que cresceu frequentando a igreja.
Já o cantor católico Jonny, nascido e criado em Taguatinga, não perde tempo. Assim que o colégio cardinalício elegeu o cardeal Jorge Mario Bergoglio no conclave, ele começou a compor uma música de boas-vindas para o novo papa na JMJ 2013. “Seja bem-vindo, Francisco! O Brasil te acolhe com amor!”, diz trecho da canção que ele espera cantar em um dos 27 palcos espalhados pelo Rio de Janeiro. Ele já recebeu o convite informal, mas a programação oficial ainda não foi fechada. “Não há como desassociar a juventude da música”, diz ele, destacando a importância dos shows durante a jornada. “A JMJ ganhará cara nova no Brasil. Em termos de expressão musical, faremos a diferença”, acredita. Para se ter ideia da grandeza, cerca de 500 bandas nacionais e internacionais participaram da triagem para se apresentar no Rio.
Breve histórico
A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) teve origem em grandes encontros com jovens celebrados pelo papa João Paulo II em Roma. Em 1984, durante o Encontro Internacional da Juventude, na praça São Pedro, no Vaticano, o polonês apresentou a cruz que se tornaria o principal símbolo da jornada. Em março do ano seguinte, foi instituída a JMJ, que ocorreria a cada dois ou três anos. Confira as cidades que já receberam a jornada: Roma (1986), em caráter diocesano; Buenos Aires (1987); Santiago de Compostela (1989); Czestochowa (1991); Denver (1993); Manila (1995); Paris (1997); Roma (2000); Toronto (2002); Colônia (2005); Sidney (2008); e Madri (2011).
Brasília será uma das cidades brasileiras a sediar a pré-jornada, este ano, também chamada de Semana Missionária. O período é marcado por atividades que antecedem a JMJ 2013 e preparam os jovens para o “espírito” do evento. A iniciativa começou na edição de Paris, em 1997. A Arquidiocese de Brasília formou uma comissão para cuidar especificamente dessas ações. São esperados cerca de 20 mil peregrinos na capital do país entre os dias 17 e 21 de julho. Muitos ficarão hospedados em casas de família.
No contexto da Jornada
Brasília e Belo Horizonte estiveram na disputa para sediar a JMJ 2013. Pesou a favor do Rio de Janeiro o fato de a cidade ser palco de grandes eventos esportivos internacionais nos próximos anos. O dossiê entregue ao Vaticano com a proposta de jornada no Brasil explorou o “bom momento” vivido pela capital fluminense e tinha a assinatura de autoridades e celebridades.
A América Latina é considerada hoje a força do catolicismo no mundo. Assim como a escolha de um papa latino-americano no último conclave, uma jornada no Rio de Janeiro também é percebida como sinal de que a cúpula da Igreja reconhece a importância do continente para a propagação da fé. Embora o número de católicos tenha diminuído consideravelmente nos últimos anos, o Brasil segue como referência de evangelização eficaz.
Um dos maiores desafios a serem enfrentados pela organização da JMJ 2013 diz respeito à mobilidade dos peregrinos. Temendo que o sistema de transporte público não consiga garantir o deslocamento dos jovens, já começou a ser levado em conta o plano de espalhar telões pela cidade, para que as atividades sejam acompanhadas mesmo a distância.
Outro problema, este ainda sem solução, é a baixa adesão de famílias para abrigar os fiéis em casa. Escolas e demais instituições religiosas disponíveis não são suficientes para acomodar o número esperado de inscritos. O governo do Rio de Janeiro está encarando a jornada como o principal teste para os Jogos Olímpicos de 2016.
Números da Jornada no Brasil
De 23 a 28 de julho, no Rio de Janeiro
- 27 palcos
- 193 países enviarão representantes
- 900 bares e restaurantes estão credenciados no “kit peregrino”
- 85 mil voluntários inscritos
- 338 músicas inscritas
- 102 grupos de teatro e dança inscritos
- 38 exposições inscritas
Bispo auxiliar de Campo Grande (MS), presidente da Comissão para a Juventude da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Qual o impacto da renúncia do papa Bento XVI e da eleição de Francisco na JMJ 2013?
Acabou servindo de propaganda para a jornada, aumentando o número de participantes e a curiosidade das pessoas. O encontro do povo com o novo pastor da Igreja virou atrativo. Tenho certeza de que muitos indecisos agora vão querer ir ao Rio de Janeiro. Será o primeiro grande evento internacional do papa. Sabemos que teremos muito mais trabalho e a responsabilidade será maior. O mundo inteiro estará olhando para nós.
Por que tantos jovens ainda se sentem atraídos pela Igreja?
Quando se coloca o jovem no centro, o resultado é imediato. João Paulo II teve uma atitude profética ao criar a Jornada Mundial da Juventude, porque a cultura juvenil valoriza grandes encontros. Estar junto da multidão agrada ao jovem, que ainda se sente atraído pela radicalidade de valores. Com a jornada, a Igreja desperta o protagonismo juvenil e mostra à sociedade que o jovem tem valor, precisa ser acolhido, respeitado.
Qual será o diferencial da jornada no Brasil?
A nossa alegria. O jovem católico brasileiro se caracteriza pela espontaneidade na liturgia, nos cânticos, por se comunicar com o sagrado de maneira muito aberta. Será uma boa oportunidade para que a juventude do resto do mundo perceba que é possível ser jovem e, ao mesmo tempo, ser muito religioso e comprometido com as causas da Igreja.